O horário de aula matutino prejudica o sono de crianças e adolescentes?

menino apoia a cabeça em cima da mesa em escola. Horário de aula deveria ser mais tarde

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Publicado em: 27 de fevereiro de 2024

Revisado em: 4 de março de 2024

Especialistas defendem que o horário de aula deveria começar mais tarde para que os alunos pudessem ter suas necessidades de sono atendidas. 

 

“Só mais cinco minutinhos.” Quem tem filhos certamente já ouviu essa frase, e quem não tem provavelmente se lembra de já ter clamado para os pais por mais esse tempinho precioso de sono. Todo mundo sente que precisa dormir mais de vez em quando, mas no caso de crianças e adolescentes, a necessidade de mais horas de sono é ainda maior do que nos adultos. 

Por esse motivo, especialistas vêm defendendo a ideia de que o horário de aula matutino – que muitas vezes começa por volta das 7h – pode prejudicar o sono, especialmente daqueles que são mais vespertinos (funcionam melhor à tarde) e por isso deveria ser adiado ou flexibilizado.

Para começar, precisamos entender quantas horas, em média, crianças e adolescentes precisam dormir por noite (lembrando que podem haver variações de pessoa para pessoa). Confira: 

  • 0 a 3 meses – 14 a 17 horas
  • 4 a 11 meses – 12 a 15 horas
  • 1 a 2 anos – 11 a 14 horas
  • 3 a 5 anos – 10 a 13 horas
  • 6 a 13 anos – 9 a 11 horas
  • 14 a 17 anos – 8 a 10 horas

A privação de sono nessa faixa etária pode causar consequências imediatas, como alterações de comportamento e humor, aumento da impulsividade, queda no desempenho escolar porque a atenção é reduzida, sonolência diurna e redução da prontidão para aprendizagem, além de consequências para a saúde no longo prazo.

“Quando a gente dorme mal, a gente não consegue se concentrar, cai de sono, até a parte motora fica prejudicada. Na criança, isso é especialmente mais importante, então as doenças do sono ou a privação do sono em crianças provocam principalmente alteração de comportamento. Enquanto o adulto tem mais sonolência excessiva, a criança tem hiperatividade, falta de atenção, agressividade”, explica o dr. Gustavo Moreira, pediatra e pesquisador do Instituto do Sono, em São Paulo. 

 

O papel do sono no aprendizado

O sono tem uma série de funções no organismo, sendo um importante pilar para uma boa saúde física e mental. Mas ele também tem impactos no desenvolvimento e no aprendizado. “O sono é importante para a neuroproteção e além de todas as funções, ele também é importante para a cognição, para a memória, para a criatividade, para a capacidade de solução de problemas. Ao contrário do que se pensava há alguns séculos ou algumas décadas, o cérebro não desliga quando a gente dorme, o cérebro está ativo. E essa atividade tem, dentre outras funções, a consolidação das nossas experiências, a formação da memória. Junto disso, a gente sabe da importância do sono para a regulação emocional, que é essencial para o desenvolvimento infantil e para o adolescente”, explica o dr. Fernando Louzada, doutor em neurociências e professor titular do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“O sono é muito importante para toda atividade intelectual que acontece durante o dia. Quem rege o sono é principalmente o cérebro e o cérebro precisa desse descanso. O que acontece durante o sono é como se a gente organizasse toda a experiência que a gente teve durante o dia”, completa o dr. Gustavo. 

Para saber se uma criança ou adolescente tem um sono de qualidade, é preciso observá-los durante a vigília (período em que estamos acordados). Se eles apresentam essas alterações, ficam muito sonolentos, dormem enquanto assistem à TV, têm dificuldade de concentração, entre outros sinais, provavelmente é porque não estão dormindo o necessário. 

“Como o sono é importante também para consolidação daquilo que a gente aprende, é importante a gente dormir antes de aprender para ter prontidão para aprender, mas é importante a gente dormir depois de aprender para consolidar aquilo que a gente aprendeu. Uma restrição mais crônica de semanas, de meses, de anos – que é uma restrição a que muitos de nós estamos submetidos – isso tem impacto no desempenho cognitivo”, diz o dr. Fernando. 

        Veja também: Como o sono impacta o desenvolvimento infantil?

 

Existe um horário de aula ideal?

Para o dr. Fernando, não existe um horário de aula ideal para todos. O interessante, na verdade, seria que as escolas tivessem horários mais flexíveis. “Flexível no sentido de dar opções. Se você tem aulas gravadas, atividades assíncronas, atividades em grupo, você pode dar opções para as pessoas e você teria um núcleo comum onde estão todos juntos, onde é feito o trabalho pedagógico de sala de aula. Tem inúmeras possibilidades. O que eu acho é que a gente precisa dar essa oportunidade.” 

“Eu tento convencer os educadores, as pessoas, de que o sono tem que ter uma importância semelhante a da alimentação. Se a escola se preocupa em não servir frituras, em não servir refrigerantes, se a escola se preocupa com a alimentação e seria inconcebível uma criança passar o dia na escola sem se alimentar, a gente tem que pensar da mesma maneira o sono. Então, se nós estamos convencidos que o sono é importante, o outro passo é identificar quais as necessidades de sono, assim como a gente faz com alimentação. O que é o sono de qualidade, o sono ideal? A partir do momento que se identifica a necessidade de sono, aí é que essa necessidade entra em choque com os horários de creche, das escolas de educação infantil e dos horários escolares”, afirma. 

Para se ter alguns exemplos, uma criança entre 3 e 4 anos precisa dormir em torno de 12 horas por noite. Se ela tiver que acordar às 6h para ir a escola, significa que ela precisa estar na cama dormindo às 18h do dia anterior, para que tenha toda sua necessidade de sono suprida. Já um adolescente, que precisa dormir em média 9 horas, se precisar acordar às 6h para entrar na escola às 7h, precisaria estar dormindo às 21h do dia anterior, o que costuma ser difícil nessa faixa etária. 

“Esse horário realmente é muito cedo, principalmente muito cedo para os adolescentes. As crianças são mais matutinas. Quando entra na adolescência, parece que vira uma chave e [o indivíduo] fica mais vespertino. Então, ele tem que estar 7h, 7h30 na aula, sentado, quando biologicamente, para ele, está na hora de ele estar dormindo. Então, o horário ideal para um adolescente seria em torno de 8h30”, afirma o dr. Gustavo. 

Um ponto importante nessa discussão é justamente este: as pessoas têm necessidades de sono diferentes. “Tem as pessoas mais matutinas que preferem acordar cedo e dormir cedo, e tem as pessoas mais vespertinas, então é óbvio que esses horários matutinos afetam mais os vespertinos. Os adolescentes têm uma tendência à vespertinidade. A gente já sabe que as mudanças que ocorrem na adolescência, dos hormônios, do sistema nervoso – o cérebro é quase que reconstruído durante a puberdade –, essas mudanças geram esse fenômeno que a gente chama de atraso de fase, um atraso no horário de dormir. Então, é por isso que o adolescente tem mais dificuldade ainda de acordar cedo”, diz o dr. Fernando.  

“Os horários escolares matutinos são incompatíveis com as necessidades de sono. Então, a gente tem que pensar. Não tem horário ideal, mas obviamente que às 7 horas é cedo demais, a gente tem que tentar atrasar os horários e discutir [o assunto]. Mas esse processo passa pelo convencimento das pessoas, dos educadores, das famílias, dos próprios adolescentes e assim por diante”, completa o professor da UFPR. 

 

Barreiras para a mudança de horário de aula

Obviamente, mudar o horário escolar não é tarefa simples. Primeiro, o dr. Fernando aponta que existe um pensamento conservador no sentido de manter sempre os mesmos modelos.

“A gente viu esse exemplo muito evidente agora na pandemia, que nós fomos obrigados a aprender uma série de ferramentas, aulas assíncronas, ensino híbrido, etc. E quando a pandemia acabou, nós não incorporamos nada disso no nosso cotidiano, no sentido de possibilitar, essas tecnologias possibilitam maior flexibilidade de horários das atividades. E nós voltamos tudo ao normal, aula às 7h da manhã. Então existe essa resistência, mas essa resistência, essa barreira tem que ser vencida com informação, nós temos que permitir que as pessoas tenham informação. A gente precisa mostrar: o sono é essencial, é fundamental”, afirma. 

A partir disso, segundo ele, é que precisa se discutir questões práticas e logísticas, porque há impacto na família, no horário de trabalho dos pais, na carga horária dos professores, nos prestadores de serviço, nos serviços de transporte, entre outros. “A mudança não é uma mudança pura e simples. Essa mudança tem que ser negociada, discutida e ela tem que ser orgânica, ela tem que estar associada a um projeto pedagógico de maior flexibilidade, de mudança dos espaços e dos tempos de aprendizagem.”

“[Precisa-se discutir] como viabilizar a logística, principalmente nos centros urbanos, em que o tempo de deslocamento é muito importante, da escola pro trabalho e [depois] pra casa. A outra coisa é a rigidez das pessoas que estão acostumadas com alguma coisa, então fazer uma mudança já é algo que as pessoas têm mais dificuldade”, destaca o pediatra. 

Em 2022, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, entrou em vigor uma lei que proíbe que as aulas do High School (equivalente ao Ensino Médio no Brasil) comecem antes das 8h30. No Brasil, ainda não se conhece exemplos desse modelo. 

O dr. Fernando cita um experimento realizado em uma escola no interior do Paraná que atrasou o horário de início das aulas em uma hora durante uma semana. O resultado mostrou que os estudantes, com a oportunidade de dormirem mais, ficaram menos sonolentos em sala de aula. 

 

Dicas para ter um bom sono

Diante de um horário de aula que obriga o aluno a acordar muito cedo, as famílias podem adotar a chamada higiene do sono, conjunto de medidas que busca manter uma boa qualidade de sonos, como:

  • Evitar o consumo de bebidas estimulantes à noite;
  • Evitar o uso de telas próximo do horário de dormir;
  • Evitar o consumo de alimentos muito pesados antes de ir para a cama;
  • Expor-se ao máximo à luz natural durante o dia, para que o cérebro entenda que o dia começou;
  • Manter uma rotina, buscando dormir todos os dias no mesmo horário;
  • Fazer atividades mais relaxantes antes de dormir, como uma leitura, por exemplo; 
  • Deixar o ambiente de dormir agradável (silencioso, escuro e ventilado, sempre que possível). 

Outro ponto importante é a questão dos cochilos durante à tarde. O neurocientista explica que essa pode ser uma estratégia para aqueles que sentem necessidade de dormir mais, mas é preciso se atentar ao tempo do cochilo: no máximo, uma hora e meia. Mais do que isso pode atrapalhar o sono noturno. Além disso, também é preciso prestar atenção se a pessoa acorda se sentindo bem após o cochilo. Quando a pessoa acorda sentindo que ainda está dormindo, cansada, indisposta, é melhor evitar. 

“Mas não há uma solução enquanto não se pensar uma mudança dos horários escolares, algo que muitas empresas já fazem, e não é porque elas são boazinhas, é porque isso aumenta a produtividade dos funcionários”, finaliza ele. 

        Veja também: Tirar uma soneca durante o dia é bom para o cérebro?

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