O medicamento não foi liberado pela Anvisa ou qualquer outra agência de saúde do mundo para essa faixa etária.
O Ozempic, remédio para tratar diabetes tipo 2 que ficou conhecido entre pessoas interessadas em perder alguns quilos, não é recomendado para crianças e adolescentes que precisam lidar com excesso de peso ou obesidade.
Nenhuma entidade de saúde local ou internacional, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, liberou o medicamento para essa faixa etária e para esse fim.
A Novo Nordisk, farmacêutica dinamarquesa fabricante do remédio, disse para a reportagem que o Ozempic, cujo princípio ativo é a molécula semaglutida, deve ser usado exclusivamente em casos de diabetes tipo 2 em maiores de idade.
A empresa deixa claro também na bula do remédio, publicada em seu site em 2020, que o Ozempic não pode ser dado a menores de 18 anos de idade porque a “segurança e a eficácia nesta faixa etária ainda não foram estabelecidas”.
O uso off label (para outra indicação que não esteja na bula e não seja aprovada pela agência regulatória), sem prescrição ou acompanhamento médico, é perigoso tanto para adultos como para crianças e adolescentes. Doses incorretas podem causar vômitos, desidratação, enjoos e perda de massa muscular.
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Tratamento para obesidade infantil
No Brasil, o único medicamento para o tratamento da obesidade e sobrepeso em adolescentes é a liraglutida, liberada em 2020. Ela é indicada para jovens com idade entre 12 e 17 anos – não há nenhum remédio indicado para crianças abaixo dessa faixa.
Tanto a liraglutida como a semaglutida agem da mesma maneira no organismo. Em resumo, ambas estimulam a secreção da insulina, hormônio que capta a glicose em excesso no sangue, e imitam o glucagon, hormônio que “informa” o cérebro que o corpo está bem alimentado.
Na prática, a pessoa tem menos vontade de comer e ainda fica com uma sensação de saciedade.
“O medicamento liraglutida é indicado para aquele adolescente que fez mudança de hábito de vida, já corrigiu dieta e está fazendo atividade física, mas ainda tem um índice de massa corpórea (IMC) fora do padrão”, explica o médico João Eduardo Salles, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes e diretor do Departamento de Clínica Médica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
O IMC é calculado com base na idade, altura e peso. A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) tem uma calculadora simples – com um score (pontuação) variando de -2 para +2 – que facilita a descoberta do número.
Valores acima de +2 indicam obesidade; entre +1 e +2, excesso de peso; entre -2 até +1, peso normal; e inferior a -2, peso abaixo do normal. Um menino de 14 anos com 1,35 m de altura e 50 quilos, por exemplo, tem score de +2.27 – ou seja, tem obesidade.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, cerca de 12,9% das crianças e 7% dos adolescentes têm obesidade. A reeducação alimentar e a prática de atividades físicas são as melhores ferramentas contra a condição.
De acordo com o dr. Salles, que também é professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, a obesidade é uma doença da família da criança e do adolescente. Por isso, falou, é importante que todos os membros se envolvam no tratamento.
“Se na família tem uma criança com obesidade e outra não, a dieta tem que ser direcionada para aquele menino ou menina que está com a doença, e todo mundo precisa comer igual. Todos têm que entrar no ritmo daquela criança para que não haja aquela coisa de ter comida que um pode comer e o outro não pode. Isso é um grande problema para o tratamento da obesidade.”
Ainda segundo o dr. Salles, a maioria dos adolescentes com dieta adequada, prática de atividade física e uso de liraglutida perde entre 5% e 10% nos primeiros três meses de tratamento.
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Pesquisa
No início de 2023, a Anvisa liberou o Wegovy, outro medicamento à base de semaglutida, para tratamentos de adultos com obesidade. Esse mesmo remédio havia sido autorizado em 2021 nos Estados Unidos pelo FDA para adultos e, no final do ano passado, para adolescentes, conforme nota da Novo Nordisk.
Na Inglaterra, o Departamento de Saúde agora discute os benefícios da droga para jovens, mas sugere mais pesquisas para evitar o “excesso de medicação”, mostram documentos.
As agências reguladoras de saúde têm liberado o uso da semaglutida com mais agilidade por causa de um ensaio clínico publicado em dezembro de 2022 na revista científica “The New England Journal of Medicine”.
No trabalho, que contou com 180 crianças e adolescentes com obesidade ou sobrepeso, com idades entre 12 e 17 anos, os pesquisadores apontaram que o tratamento com 2,4 mg de semaglutida, aplicado uma vez por semana, reduziu 16% do índice de massa corporal após 15 meses.
“Esse estudo vai dar base para aprovação das agências regulatórias da semaglutida nessa faixa etária (adolescentes), mas por ora nada foi aprovado por aqui e não sabemos quando teremos uma resposta”, disse Salles.
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Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.