Especialista fala sobre a importância das crianças estarem ao ar livre desde os primeiros dias de vida.
Feche os olhos e imagine uma criança feliz e saudável. Onde ela está? Há grandes chances de você ter pensando nela brincando no quintal, correndo no parque ou fazendo castelinhos de areia, por exemplo. O ambiente natural nos remete a essa sensação de bem-estar e felicidade.
Segundo Daniel Becker, pediatra, sanitarista e ativista pela infância, isso é quase intuitivo. “Eu faço sempre essa pergunta nas minhas palestras e praticamente todo mundo imagina essas crianças brincando num parque, numa praça ao ar livre, com plantas, ou na praia. Porque a gente é parte da natureza, ela é parte da gente, ela faz parte da nossa matriz e nós fazemos parte da matriz dela. Por isso, quando nós queremos proteger, quando a gente quer pensar no bem-estar das nossas crias, a gente coloca elas nesse lugar”, afirma.
Para o especialista, o contato com a natureza é fundamental para as crianças porque “a natureza é o território essencial da infância”. “E se a natureza é o território essencial da infância, a brincadeira é a atividade essencial da infância. A criança nasceu para brincar. Os mamíferos brincam. Brincadeira é a forma de a gente ter alívio do estresse e de aprender habilidades importantíssimas para a vida”, complementa.
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Benefícios do contato com a natureza
A natureza é um ambiente extremamente estimulante para a criança e proporciona benefícios para sua saúde, bem-estar e até para a criatividade e imaginação.
“Imagine um bebê de dois meses deitado no bercinho, olhando em volta. Ele já começa a querer perceber o mundo em volta dele, ele vai ver um quadro na parede, um móbile, uma janela de onde sai luz, um vaso de planta, um armário, é isso que ele vai ver: um ambiente pouco estimulante. Você leva esse mesmo bebê, coloca o berço dele na pracinha, ele vai ver o céu azul, as nuvens passando, as copas de duas ou três árvores se cruzando, formando milhares de forma geométricas com gradientes de cores, com flores ou folhas verdes, vai ouvir cachorro latindo, criança brincando, gente passando e conversando, passarinho cantando… Olha a quantidade de estímulos que a natureza oferece para um bebê deitado no berço”, diz o médico.
Para uma criança maior, que se locomove e que interfere no mundo, o ambiente pode ser ainda mais estimulante. A natureza promove a criatividade e até a avaliação de risco, porque a criança precisa entender, por exemplo, como faz para subir em um tronco, qual pé precisa colocar primeiro, como fazer para não se desequilibrar e cair. Ou seja, brincar ao ar livre ajuda no desenvolvimento de novas habilidades.
“A natureza convida para a descoberta, porque ela é heterogênea e ao mesmo tempo é harmônica, ela oferece milhares de convites: cada florzinha, cada pocinha d’água, cada pedacinho de lama, cada formiguinha andando, cada passarinho cantando, cada folhinha que percorre, que bóia num riachinho, cada raio de sol passando entre as árvores, tudo isso convida a criança para a descoberta, para ser curiosa, para ser criativa”, diz o dr. Daniel.
Além disso, outros benefícios que o contato com a natureza proporciona incluem:
- Relaxamento o cérebro, fazendo com que a criança aprenda melhor;
- Melhora da imunidade, reduzindo alergias e melhorando a defesa contra doenças infecciosas;
- Melhora da memória e da qualidade do sono;
- Ajuda na prevenção de miopia;
- Prática de exercício físico funcional – durante a atividade, a criança pode trabalhar o equilíbrio e coordenação motora, por exemplo;
- Redução do estresse e da ansiedade;
- Melhora do foco e da concentração;
- Melhora da autoconfiança e resiliência;
- Ajuda no combate à obesidade e ao sedentarismo.
“A natureza afasta [a criança] do consumismo, da futilidade, dos riscos que tem nas redes sociais de golpes, de ideologias nocivas de violência, de vícios em bets, vapes e tudo mais, ela afasta das telas e ela traz uma noção também muito legal de maravilhamento. E não é necessário levar nas Cataratas do Iguaçu para maravilhar uma criança, basta levar na praia, no pôr do sol, ou mesmo na pracinha. Ela vai sentir algo mais profundo, vai perceber que ali tem algo maior do que ela, tem algo maior do que a vida dela, algo que é transcendente que a maravilha, e esse maravilhamento é um brotinho de vida espiritual da criança, que é tão importante.”
Esse contato pode acontecer desde cedo. Bebês podem ser levados para ficar ao ar livre nos primeiros dias de vida, e com três meses já podem ter contato com o solo.
Tecnologia e vida moderna roubando espaço
Para o dr. Daniel, não é apenas a tecnologia que tem afetado a relação das crianças com a natureza, mas a vida moderna como um todo.
“O território da criança foi encolhendo há 50, 60 anos. O Drauzio sempre conta essa história, que ele chegava em casa, lá no Brás, trocava de roupa e ia para a rua, e só voltava para a hora do jantar, ficava jogando bola o dia inteiro. Isso é contato com a natureza, óbvio, com o ar livre, com o ar, com a terra, pé descalço ou mesmo calçado, enfim, é atividade física. Mas esse território foi encolhendo e encolhendo até ficar do tamanho do quarto da criança, e agora até ficar do tamanho de uma tela de celular, o que é muito grave.”
As cidades e o medo associado à vida urbana tem restringido o brincar ao ar livre e o contato da criança com áreas verdes, acessíveis, bem iluminadas e com brinquedos. “A gente quer cidades amigas da criança, cidades naturalizadas.”
As telas fazem parte desse sistema, porque a criança confinada em casa precisa de algo para se entreter. E, na visão do pediatra, as pessoas esqueceram que as crianças sabem brincar. “Mas o contato restrito com a natureza vem encolhendo antes das telas, as telas só fizeram agravar isso”, completa.
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