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Pediatria

Como reconhecer e agir ao suspeitar de violência contra crianças

Menina com as mãos no rosto escondendo choro. Mudança de comportamento pode ser sinal de violência contra crianças
Publicado em 19/03/2019
Revisado em 14/07/2022

Mudança de comportamento é comum em crianças e adolescentes que são vítimas de violência. Ao perceber sinais de violência contra crianças, pais e profissionais devem notificar o Conselho Tutelar.

 

A violência contra crianças e adolescentes é uma realidade global, que resulta em consequências graves e provoca impactos em todas as áreas da vida das vítimas. O estudo Inspire, conduzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em parceria com diversas entidades internacionais e divulgado em 2016, estimou que em todo o mundo cerca de 1 bilhão de crianças e adolescentes entre 2 e 17 anos sofreram violência psicológica, física ou sexual no ano anterior à coleta dos dados. O levantamento foi feito em 96 países.

O estudo destaca ainda que meninas e meninos que são vítimas de violência com frequência são desacreditados ao relatarem o que sofreram. Nesses casos, nada é feito para reparar os danos causados. Ainda segundo o Inspire, mesmo que a violência seja “escondida”, suas consequências vão surgir mais tarde e trazer “sobrecarga difusa, duradoura e de alto custo para crianças, adultos, comunidades e nações”.

No final de 2018, a Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), lançou a segunda edição do Manual de Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência. O documento é destinado principalmente aos profissionais que trabalham com crianças para que sejam treinados a reconhecer rapidamente e saber como agir ao identificar sinais dos mais diferentes tipos de agressão.

 

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Tipos de violência

 

O manual classifica a violência em três tipos principais: doméstica ou intrafamiliar, extrafamiliar e autoagressão (essa última inclui colocar-se em atividades de risco, formas de se autolesionar e suicídio).

Ao pensarmos em violência doméstica, geralmente imaginamos pais batendo nos filhos, mas essa categoria pode ser física, psicológica, sexual e manifestar-se por negligência. Há um universo inteiro de formas como a violência pode se dar, como a síndrome de Munchausen por procuração (quando um dos pais simula sintomas de doenças inexistentes no filho), intoxicações, envenenamentos, violência virtua e até o extremo filicídio (quando a criança é morta por um dos pais). Entre as comuns, a mais frequente é a negligência, seguida pela violência física, a sexual e a psicológica que, na verdade, permeia todas as outras formas.

A violência extrafamiliar é aquela que acontece fora de casa e engloba as violências institucional (praticada por alguém que tenha a guarda temporária da criança, como em uma escola), social (ausência de suporte biopsicossocial, comum em países com grande desigualdade social, como o Brasil), urbana (aquela das ruas, geralmente manifestada em assaltos), macroviolência (representada por terrorismo e guerras) e também algumas formas específicas, como bullying, cultos ritualísticos e, novamente, a violência virtual.

 

Principais sinais

 

Quando se trata de violência doméstica, é muito comum que os profissionais da saúde e da educação sejam os primeiros a perceber que algo está errado, já que normalmente são os adultos que lidam mais intimamente com a criança fora de casa. Por isso, eles devem ter um olhar preparado para detectar e lidar com tais situações. Em hospitais, logo no pronto-socorro ou no primeiro atendimento é possível notar alguns sinais.

“Quando a violência é física, é mais simples descobrir; basta examinar para encontrar algumas lesões estranhas, um hematoma, uma fratura que deixou um calo ósseo, uma marca de queimadura. Mesmo assim, dependendo do caso, às vezes a maldade é tanta que os machucados são aplicados em locais escondidos. Então, se a criança não for bem examinada, fica mais difícil de identificar”, explica a dra. Renata Dejtiar Waksman, pediatra, coordenadora do Núcleo de Estudos da Violência Doméstica Contra a Criança e o Adolescente da SPSP e uma das responsáveis pelo manual.

Quando a violência não é física, o exame precisa ser ainda mais minucioso. “Quando a criança está sofrendo violência psicológica, ela mostra sinais de ansiedade, comportamento mais obsessivo, tiques, manias. Ela pode ficar sonolenta, letárgica, muito introspectiva ou então extremamente agitada, irritada. Pode mudar o comportamento de um dia para o outro. Por exemplo, uma criança que é super alegre de repente começa a ficar triste, apática, agressiva”, afirma. Mudanças como essas, que exigem um conhecimento prévio do comportamento cotidiano da criança, podem ser melhor reconhecidas por professores, por exemplo.

No caso da violência sexual, além das mudanças de comportamento mencionadas, a criança pode chegar extremamente sonolenta à escola, pois a agressão a impede de dormir. Geralmente, ela também não quer voltar para casa devido ao medo. E  pode, inclusive, desenvolver um comportamento “sedutor”. Por exemplo, ao ir para um atendimento de saúde, a criança senta no colo do médico, mesmo sem conhecê-lo, porque o agressor faz isso com ela, então é algo que, na sua visão, torna-se “natural”. O alerta de que a violência é um conceito bem mais amplo do que estamos acostumados a imaginar vale aqui, também. É importante ressaltar que a violência sexual não se configura somente quando existe penetração. Ela pode ocorrer através de carícias e manipulação de genitais. Na parte física, a vítima pode apresentar lesões do tipo condiloma (verrugas genitais) e corrimento (no caso de meninas). Vale lembrar que meninos também podem ser vítimas.

A negligência é a forma mais frequente de violência. Pode ser física, quando falta alimentação, higiene ou cuidados médicos básicos para a criança ou adolescente; emocional, quando há privação de suporte mental e afeto necessários para o seu desenvolvimento pleno; e educacional, quando os cuidadores não proporcionam formação intelectual (ao privá-los de ir à escola, por exemplo). Assim como no caso das agressões, a negligência física pode ser mais facilmente notada, enquanto a emocional exige maior atenção. No que se refere ao universo escolar, algumas crianças e adolescentes podem apresentar queda no desempenho como reflexo da negligência.

 

Consequências de violência contra criança

 

Além dos sintomas evidentes provocados pela agressão em si, as sequelas vão desde sintomas psíquicos mais duradouros até problemas com imunidade. As vítimas podem desenvolver distúrbios do sono (passam a ter insônia ou dormir demais), distúrbios alimentares (comem por ansiedade e engordam muito, podendo chegar a um quadro de obesidade ou o contrário, desenvolvem bulimia ou anorexia) e problemas com urina e fezes (por exemplo, uma criança que já conseguia segurar o xixi para ir ao banheiro passa a urinar na roupa). “Muitas vezes, elas apresentam alergias e problemas de pele de difícil controle, o que pode ser uma consequência direta de sofrimento psíquico. Começam a ficar doentes demais sem justificativa e a ter problemas de linguagem, gaguejar, apresentar sinais de depressão, baixa autoestima, perder a confiança em todos aqueles que lidam com ela. Como ela está sofrendo uma violência, perde a confiança no outro e nela mesma. Além disso, pode ter dificuldades de socialização e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor”, explica a médica.

Em muitos casos, o agressor é, senão algum dos pais, alguém próximo deles, como um tio ou amigo, e é comum que o indivíduo faça ameaças à vítima para impedi-la de contar a alguém o que está acontecendo. Outra situação comum é o agressor ser também o provedor econômico da casa, como um padrasto ou avô. Em tais casos, a família (muitas vezes a mãe) ignora os sinais com medo de que, a partir de uma denúncia, todos passem necessidades. “Isso tudo gera uma culpabilização sobre a vítima. Não é à toa que, entre as crianças em situação de rua, mais da metade fugiu de casa para escapar de situações de violência. Infelizmente, a realidade é essa.”

 

Depoimento de quem sofreu

 

A vendedora Bruna Ferreira*, de 23 anos, foi vítima de violência sexual na infância cometida pelo próprio tio. Os episódios começaram por volta dos seus 7 anos e duraram entre dois e três anos. “Acontecia sempre. Em toda oportunidade que tinha, ele me chamava para o quarto e me ameaçava. Dizia que, se eu não fizesse o que ele estava mandando, mataria meus pais. Ele era agressivo, puxava meu cabelo, me dava alguns beliscões, mas não deixava marcas tão fortes para não desconfiarem. Na época, não contei para ninguém. Eu era inocente, ficava com aquilo na cabeça e tinha medo que ele fizesse o mesmo com a minha irmã mais nova. O que isso me trouxe de sequelas foi a pressão psicológica, que eu não suporto. Se me sinto pressionada, fico nervosa, não consigo falar nem desenvolver minhas ideias. Muitas vezes me lembro do que aconteceu e me ‘afogo’ na comida. Me provocou depressão, transtornos de ansiedade e transtornos alimentares. É bem pesado”, conta.

 

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A violência é ainda mais cruel porque frequentemente as consequências saem da vida doméstica e afetam várias esferas da vida. Bruna chegou a um quadro de obesidade, teve problemas de autoestima e sofreu bullying durante anos na escola. Após o fim dos episódios de violência, ela acabou bloqueando as lembranças. Só por volta dos 15 anos, quando sua sexualidade começou a ser despertada, as memórias voltaram. “Tinha dificuldade de me relacionar, não conseguia namorar nem ficar com ninguém, era muito retraída. Até que certo dia comecei a me lembrar do que tinha acontecido e ficava me questionando: ‘será que eu sonhei com isso?’, ‘será que isso é coisa da minha cabeça?’. Mas chegou um momento em que as memórias ficaram nítidas; lembrei de tudo, cada detalhe, como se fosse ontem”, afirma.

Essas lacunas de memória muitas vezes são a base para pessoas desacreditarem relatos como esse. Porém, elas estão relacionadas ao funcionamento de memórias traumáticas e são um sintoma conhecido do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), muito comum em vítimas de violência sexual. “A experiência traumática pode gerar um impacto emocional muito significativo e a pessoa pode não se lembrar do ocorrido, ou lembrar de fragmentos desorganizados do episódio abusivo. Mais tarde, em função de algum estímulo associado (por exemplo, toques íntimos com um par na adolescência), as lembranças podem voltar e gerar bastante angústia”, explica Luísa Habigzang, doutora em psicologia, professora da PUC-RS e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).

 

Exemplos ruins

 

O impacto na vida das vítimas é muito grande e, pior, pode se perpetuar. Existe o risco de que a violência seja “replicada” no futuro, já que os comportamentos dos cuidadores têm influência importante no modo como a criança vai aprender a lidar com os problemas. Portanto, se os seus “modelos” usam violência para resolver situações, ela também pode desenvolver comportamentos violentos.

Esse desenvolvimento, porém, é um fator de risco, não se trata de uma relação obrigatória de causa e efeito, esclarece Luísa. “Muitos outros fatores podem atuar protetivamente, tais como outros cuidadores não violentos, apoio da escola, psicoterapia e políticas públicas efetivas para proteção da infância. Estudos mostram que sofrer ou testemunhar violência na infância é fator de risco para ter comportamentos violentos e também para ser vítima de outras relações violentas. Em nossa pesquisa com mulheres com histórico de violência por parceiro íntimo, identificamos importantes experiências de maus tratos na infância”, afirma a especialista.

Na visão da dra. Renata, muitos pais se sentem “donos” dos filhos e por isso julgam que podem fazer o que querem com eles. “Tem o argumento de que um tapinha não é nada demais, mas muitas pessoas não conseguem se controlar e na hora da raiva acabam machucando uma criança muito menor e mais frágil. Essa cultura de resolver conflitos por meio da força faz com que os pais submetam os filhos à violência e, pior, esses filhos vão entendendo que esse é o melhor jeito de resolver qualquer conflito. Um menino que pratica bullying na escola muitas vezes está replicando o que vê em casa.”

 

Como abordar a vítima de violência contra crianças?

 

O adulto que notar mudanças no comportamento da criança e desconfiar de algo pode e deve conversar com ela sobre o assunto, mas é importante estabelecer uma relação de confiança e deixá-la à vontade para falar. “Pode-se compartilhar com ela mudanças que percebemos em seu comportamento e perguntar o que está acontecendo. É fundamental fazer perguntas abertas, não indutivas. O relato livre é essencial para que possamos compreender a situação”, afirma a psicóloga.

É muito importante acreditar no que a criança ou adolescente diz, dando credibilidade ao seu relato. Muitos adultos costumam duvidar da história, achando que é fantasia ou mentira. O comportamento dificulta a investigação, pois faz com que a vítima não se sinta segura para falar novamente sobre a violência sofrida. “Eu sempre digo que acredito nela, que nenhuma criança merece vivenciar o que ela está me contando e que a ajudarei com o problema. Também digo que ela não tem culpa pelo que está acontecendo e agradeço por ter confiado em mim para contar uma experiência tão difícil”, conta Luísa.

Ninguém notou que havia algo de errado com Bruna. Como seus pais ficavam fora o dia todo para trabalhar e estudar, os momentos juntos eram escassos. “Quando me lembrei de tudo, cheguei a culpá-los. Pensava: ‘nossa, ninguém percebeu o que estava acontecendo comigo? Por que eles não estavam presentes?’. Eu ficava muitos mais com meus avós do que com eles. Só os via no final de semana, praticamente. Mas sei que eles precisaram fazer isso. Minha mãe estava focada nos estudos porque queria dar uma vida melhor para a gente”, relata.

Quando se mudaram e Bruna finalmente se afastou do tio, as brigas dentro de casa eram constantes, e seus pais acabaram se divorciando, o que resultou em mais uma fase difícil para as filhas. “Além do trauma das brigas, nos mandaram para longe, para ficar com minha outra avó, no interior. Eu adorava ficar com ela, mas sentia muita falta deles. A gente se via mais ou menos uma vez por mês. Minha irmã começou a ficar doente nessa época e eu estava bem chateada com a situação. Precisamos mudar de escola e meu rendimento caiu muito”, lembra.

 

Cuidados e encaminhamento

 

Se qualquer sinal de violência contra crianças for identificada, é preciso notificar o Conselho Tutelar ou uma delegacia para que medidas de proteção sejam adotadas. Luísa explica que essa notificação é uma determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, além dela, é necessário encaminhamento para avaliação médica e psicossocial para que a criança receba os atendimentos adequados.

Para a dra. Renata, levar a suspeita adiante é fundamental para não arriscar novos episódios de violência. Essa atitude não deve ser encarada como intromissão em assunto de família, uma das dúvidas de muitas pessoas que se deparam com tal situação. “Não se trata de interferir, mas de proteger. Existe um estudo que diz que a cada dez crianças que chegam em um PS como se fosse acidente, pelo menos uma foi vítima de violência. Se não se fizermos nada por essas crianças, o risco de elas voltarem a sofrer violência e morrerem nas mãos do agressor é altíssimo. A situação é muito grave. E a gente não precisa ter certeza de nada. Nem o médico, professor, enfermeiro nem o assistente social. Ninguém. A gente só precisa suspeitar”, afirma.

Para os profissionais de educação e saúde, uma vez que a suspeita existe, a conduta é a seguinte:

  • Na escola, o professor deve informar o coordenador e a escola tem de fazer uma notificação que vai para o Conselho Tutelar e para a Vara da Infância e Juventude na região de moradia da criança;
  • No hospital, deve ser feito um Ofício Multiprofissional, envolvendo profissionais de enfermagem, psicologia e serviço social, além do médico. Cada profissional faz um relatório e o ofício, da mesma forma que no caso da escola, é enviado para o Conselho Tutelar e para a Vara da Infância e Juventude. Esse ofício deve ser enviado em nome da instituição para que os profissionais trabalhem com segurança e não temam represálias.

“A notificação tem que ser institucionalizada. Se a criança estiver com uma lesão grave ou sofrendo risco de morte, o ideal é fazer a internação para protegê-la e, em seguida, fazer os relatórios e o ofício”, detalha a médica.

A partir daí, o juiz disponibiliza uma equipe da Vara, que normalmente conta com profissionais de serviço social e psicologia para apurar o caso. Essa equipe visita a casa e a escola da vítima e conversa com pessoas próximas, como vizinhos e parentes, para entender melhor a situação. Nos casos de violência sexual, é feito um Boletim de Ocorrência e o delegado irá solicitar um exame de corpo delito. Quem faz o exame é um médico do Instituto Médico Legal (IML), que é diretamente ligado à delegacia.

Após a investigação, um juiz irá decidir se a criança deve permanecer na casa, ser encaminhada para um abrigo ou ficar com outros parentes (como avós, tios ou padrinhos). “O ideal é afastá-la do agressor, mas muitos juízes falam para a gente que a melhor decisão não é abrigar”, afirma a dra. Renata. Quando elas voltam para casa, o Conselho Tutelar deve atuar de forma ativa, fazendo visitas domiciliares e encaminhando as vítimas para os atendimentos médicos e psicológicos necessários.

No caso de Bruna, o agressor nunca foi denunciado pelo crime e ela ainda desconfia que ele tenha cometido a mesma violência com outras pessoas. “Tenho quase certeza de que ele também abusou do filho. Hoje, o menino tem oito anos e é uma criança hiperativa, agitada, tem problemas psicológicos e toma remédios controlados”, conta. A maior parte da família nunca soube do crime. O agressor faleceu por conta de problemas de saúde no final de 2018.

 

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Acompanhamento e tratamento

 

O tratamento psicológico é importante para que a criança ou adolescente tenha um espaço seguro para falar dessa experiência e suas consequências e tratar problemas como depressão, transtornos de ansiedade e estresse pós-traumático “O tratamento deve incluir a psicoeducação sobre diferentes tipos de violência e sua dinâmica; reestruturação de pensamentos disfuncionais, como acreditar ser culpada pela violência cometida contra si; estratégias para regulação de emoções como raiva, medo e culpa; integração e ressignificação de memórias traumáticas e construção de medidas para autoproteção e plano para futuro”, explica a psicóloga. “Com crianças, utilizam-se recursos lúdicos, como desenhos, massa de modelar, construção de histórias em quadrinhos, dramatizações para alcançar os objetivos terapêuticos. O importante é que o terapeuta utilize estratégias que estejam de acordo com a etapa do desenvolvimento do paciente.”

Além disso, Luísa explica que a revitimização (quando a vítima volta a sofrer violência) é um problema comum, portanto compreender como a violência se manifesta é fundamental para romper ciclos desse fenômeno. “A falta de intervenção na infância pode ter consequências na idade adulta. Estudos nacionais e internacionais indicam que os sintomas decorrentes da violência tendem a se cronificar. Na idade adulta pode ocorrer tentativas de suicídio, abuso de substâncias e envolvimento em outras relações violentas”, afirma.

O tratamento pode se estender a outros membros da família, em casos em que os irmãos presenciaram tudo ou o pai não agressor fica em estado de negação, por exemplo. “É função do Conselho Tutelar verificar se eles estão indo para os atendimentos, se a criança está indo bem. E a equipe do juiz também fica de olho. A gente não pode simplesmente esquecer dessa família só porque saiu a decisão judicial, muito pelo contrário”, destaca a dra. Renata. Quando possível, o agressor também deve ser encaminhado para tratamento de psicoterapia ou até mesmo psiquiátrico.

Bruna só recebeu tratamento anos depois da violência, após lembrar de tudo, e por um tempo precisou tomar medicamentos para tratar a depressão. Ela segue lutando contra os transtornos desenvolvidos, principalmente a ansiedade, mas faz acompanhamento psicológico e atualmente vive bem com seu parceiro, que também foi vítima de violência na infância. “Hoje já consigo tocar no assunto com tranquilidade e minha psicóloga me explicou o quanto é importante falar sobre isso para me ajudar a seguir em frente”, conta.

 

É possível prevenir violência contra crianças?

 

O risco de uma criança se tornar vítima de violência geralmente pode ser notado já durante o período de gestação, quando a mãe não está bem e não desenvolve vínculo com o bebê. Após o parto também podem ser identificados alguns sinais, como por exemplo quando a mãe se recusa a alimentar o filho, fica com expressão de nojo para a criança ou não aparece para visitá-la em casos de internação (que acontece principalmente com prematuros).

Segundo a dra. Renata, é importantíssimo que a equipe de saúde, presente ainda nessa fase muito inicial da relação, detecte tais sinais e comece a atuar nessa fase. “É preciso encaminhá-la para tratamento porque é fundamental que se formem os vínculos. Levar um bebê para casa sem saber o que fazer com ele não é fácil. Essas mães precisam de ajuda e, muitas vezes, elas não têm. Em diversos casos, o próprio companheiro não está nem aí, não tem ninguém para ajudar. Não existe uma rede de apoio”, diz.

Os sinais também podem ser notados no pai. Falta de cuidados, atenção, carinho e afeto com o bebê, desde o período da gestação, indicam o risco de que ele pode ser agressivo com o filho no futuro. Muitas vezes, o pai não dá nenhum tipo de suporte à mãe ou ao filho. Encaminhar esses pais e mães para atendimento psicológico ou psiquiátrico, quando necessário, e chamar as famílias para participarem da rotina é muito importante para formar uma rede de proteção para a criança.

 

* Trocamos o nome da entrevistada porque ela optou por não se identificar.

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