Um dos efeitos colaterais do tratamento contra o câncer é o comprometimento cognitivo.
Após receber o diagnóstico de um câncer, é comum que o indivíduo comece a fazer quimioterapia, ou seja, usar medicamentos orais ou endovenosos para destruir ou impedir que as células doentes se espalhem pelo organismo. Porém, alguns efeitos indesejáveis são esperados. Um dos menos conhecidos é chamado de chemobrain ou névoa cerebral.
De forma geral, ocorre um comprometimento cognitivo que afeta a memória e a atenção do paciente em tratamento quimioterápico. Desde o final dos anos 1980, efeitos colaterais no cérebro associados à quimioterapia vêm sendo descritos em publicações científicas, mas ainda há poucos estudos sobre o assunto.
“À medida que terapias de câncer mais novas e agressivas melhoram a sobrevida, as questões relacionadas aos seus efeitos colaterais estão se tornando mais frequentes, gerando impacto significativo na qualidade de vida. Sabemos que o chemobrain atinge uma proporção significativa de sobreviventes ao câncer, podendo acometer até 75% de todos os pacientes oncológicos que realizam quimioterapia”, explica Ligia Henriques Coronatto, coordenadora do Departamento Científico de Neuro-Oncologia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e médica-assistente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Principais sintomas
Os sintomas, muitas vezes, são sutis e não atrapalham a rotina do indivíduo. Entre os principais, estão:
- Fadiga;
- Confusão mental;
- Pensamentos lentos.
- Esquecimentos frequentes;
- Diminuição da atenção;
- Dificuldade para se concentrar;
- Alteração da capacidade de julgamento;
- Tempo maior para realizar atividades do dia a dia;
- Dificuldade de aprendizagem e de linguagem.
Por que acontece e fatores de risco
Até o momento, as causas exatas do chemobrain ainda não foram totalmente esclarecidas. Acredita-se que a quimioterapia provoque mudanças hormonais, anemia e alterações comportamentais, como ansiedade, depressão e insônia, que afetam a cognição.
Além disso, um mecanismo possivelmente relacionado ao chemobrain seria o efeito neurotóxico dos quimioterápicos. Isso gera um ambiente inflamatório com estresse oxidativo, precipitando a morte celular.
“Pode acontecer durante o tratamento de quimioterapia ou se manifestar apenas após o final. Mas nem todo mundo terá essa sequela. Geralmente, tende a melhorar de seis meses a um ano e, na maioria das vezes, são sintomas leves que raramente duram longos períodos. Vale destacar que algumas pessoas são mais suscetíveis ao efeito colateral, como os idosos”, afirma Veridiana Pires de Camargo, oncologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP-SP).
Conheça os principais fatores de risco para o surgimento da névoa cerebral:
- Idade avançada: quanto maior a idade, maior o risco de ter uma menor reserva cognitiva;
- Tipo de tratamento: varia de acordo com o tipo e a dose da medicação e a duração do tratamento. Além da quimioterapia, o uso de hormônios-terapias e de imunoterapias também está associado a essa alteração da cognição.
- Suscetibilidade genética: algumas pessoas apresentam uma “tendência” a alterações cognitivas;
- Fatores psicológicos: depressão, insônia e ansiedade afetam a cognição;
- Fatores orgânicos: dor, fadiga, anemia, uso de álcool e de medicações variadas também contribuem para o problema.
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Diagnóstico
Geralmente, o diagnóstico é realizado pelo especialista que está acompanhando o paciente, após o relato de sintomas.
Algumas vezes, são realizados alguns testes de habilidades de linguagem e memória para averiguar se o indivíduo está vivenciando esse efeito colateral da quimioterapia.
Formas de prevenção
Algumas medicações podem ser usadas para controlar os sintomas do chemobrain. Por isso, é fundamental o acompanhamento médico e que o paciente relate suas dificuldades durante o tratamento.
Geralmente, a melhor forma de reduzir os sintomas de chemobrain é manter hábitos saudáveis durante o tratamento quimioterápico. Entre as atividades recomendadas estão:
- Praticar atividade física regular;
- Manter uma dieta equilibrada;
- Realizar regularmente atividades que estimulem a cognição, como leitura, jogos, palavras-cruzadas;
- Fazer um acompanhamento com psicólogos para lidar melhor com as questões emocionais;
- Evitar realizar várias atividades ao mesmo tempo;
- Dormir bem;
- Criar rotinas e organizar as tarefas diárias.
“Lembrando que antes de culpar a quimioterapia pelas alterações cognitivas é essencial avaliar as medicações usadas, bem como se há alterações hormonais e a deficiência de vitaminas, pois essas situações simulam quadros semelhantes ao chemobrain“, destaca aa dra. Coronatto.
Além disso, a especialista ressalta que outras modalidades de tratamento oncológico também influenciam a cognição, incluindo cirurgia, transplante e radioterapia.
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Sobre a autora: Samantha Cerquetani é jornalista com foco em saúde e ciência e colabora com o Portal Drauzio Varella. Escreve sobre medicina, nutrição e bem-estar.