O diastema é considerado, em alguns locais da África, como um símbolo de fertilidade e sorte, e é até mesmo reproduzida artificialmente.
Diastema é o espaço aberto entre os dentes, e ocorre, principalmente, entre os dentes incisivos superiores da frente. O diastema é multifatorial, e pode ser causado por fatores comportamentais e genéticos. O diastema é mais recorrente em pessoas negras; um estudo do The Journal of Prosthetic Dentistry mostrou que 19,95% das pessoas brancas e amarelas apresentavam diastema. Já entre as pessoas negras, essa taxa era de 29,10%.
Enquanto no Brasil o diastema pode ser considerado como uma característica ruim e até mesmo feia, em alguns locais da África ele é desejado. Segundo um artigo de revisão bibliográfica, as populações da Nigéria e do Gana consideravam o diastema bonito, e pensavam em fazê-lo artificialmente. O estudo “Diastema in Nigerian Society” revela que até 95% da população que não tinha diastema estava disposta a criá-lo por meios artificiais.
Causas do diastema
De acordo com Sara Elian, dentista integrativa e também mulher preta, existem diversas causas que podem ocasionar o surgimento do diastema, como passar a língua entre os dentes e chupar o dedo ou chupeta.
Existem, também, causas fisiológicas, como explica a dentista: “Existe a condição de o dente ter uma proporção muito menor do que o tamanho do osso. Também pode ocorrer agenesia, que é a falta de algum dente e os outros dentes se afastam. […] E outra possibilidade é o freio labial superior estar inserido muito perto do dente, nesse caso, se não houver intervenção cirúrgica, isso pode não ser corrigido”.
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Outro fator causador do diastema é a herança genética. “Isso é algo pouco pesquisado na literatura, não existe muita coisa falando sobre isso. Por exemplo, a gente não sabe qual é o gene responsável, mas sabemos que está ligado a um gene dominante, ou seja, que se sobressai a outro”, explica Elian.
Segundo a dentista, não existem muitas pesquisas relacionadas ao tema porque a odontologia ainda é uma ciência muito centrada nas pessoas brancas. “A odontologia é hegemonicamente branca, mesmo dentro das universidades. A gente tem a política de cotas, mas, ainda assim, a odontologia é um curso muito caro, a gente precisa ir comprando material durante o curso, tem listas muito grandes e com custo muito alto. Então, acaba não sendo interessante pesquisar sobre especificidades dos pacientes negros”, afirma.
Diastema não é um problema
Apesar de, muitas vezes, ser encarado como um defeito estético no Brasil, o diastema não é um problema de saúde, desde que o paciente faça uma boa higienização da área com abertura, garante a dentista. “O que pode acontecer é a interposição do alimento, que pode se acumular um pouco mais entre esse diastema. Mas isso depende muito da condição de higienização do paciente, e normalmente [o diastema] é na frente, então eles cuidam muito bem”, explica a especialista.
É possível corrigir o diastema com aparelho odontológico, mas Elian adverte que isso precisa vir de uma demanda própria do paciente, e que não cabe ao dentista sugerir essa correção, caso não seja, de fato, uma questão de saúde.
Também é possível corrigir o diastema por meio de próteses, facetas, laminados e lentes de contato, que funcionam de maneira mais rápida, porém artificial e mais cara, segundo Elian.
Caso o diastema tenha uma causa externa, como o freio labial superior muito grande, é preciso remover cirurgicamente. Caso falte um dente, Elian explica que é necessário ou implantá-lo, ou abrir mão de deixar um espaço aberto entre outros dentes.
Pressão estética e racismo
Elian esclarece que a maior demanda por correção de diastema vem por estética, e que a construção estética é formada com base em conceitos racistas. “É importante desconstruir a ideia de padrão de beleza, porque, às vezes, o que você acha bonito, eu não acho, então o que é beleza? Não faz sentido a gente construir algo pautado em apenas uma característica, que, no caso, está relacionada à estética europeia branca.”
O Brasil é o país que mais possui dentistas no mundo, e o segundo que mais faz procedimentos estéticos, atrás, somente, dos Estados Unidos. “Na minha percepção, a questão estética tem sido muito crescente na sociedade como um todo, especialmente na área da saúde, mas é preciso se perguntar se é uma questão estética ou se é uma questão racista.”
O professor e historiador Flávio Muniz, especialista em história da África, explica sobre a formação histórica do padrão estético: “Beleza é algo cultural. A ideia da universalização do conceito de beleza é muito própria da visão eurocêntrica do mundo. Existem regiões da África em que a mulher magra não é uma mulher bela. Antropologicamente falando, o conceito de beleza não é universal. Mas isso foi estabelecido a partir das premissas do racismo científico, que estava acontecendo durante o processo de colonização. Os teóricos do racismo começam a pensar conceitos da biologia para diferenciar e hierarquizar seres humanos. Eles associavam algumas características à inteligência, desde a cor dos olhos, a largura do nariz, queixo proeminente, textura do cabelo, cor da pele, etc.”.
Diastema em culturas africanas
Considerando um mundo em que a estética é diversa em cada cultura, é possível compreender que, em regiões da África Ocidental, como na Nigéria e em Gana, o diastema seja uma característica valorizada. Atualmente, no Brasil, pessoas negras com diastema buscam afirmar suas características com base na ancestralidade africana.
“A África é bem diversa. São mais de 2 mil etnias, 2 mil povos diferentes, mais de 8 mil variações linguísticas, é a maior diversidade genética do mundo dentro de um território. Eu acho que o que a África tem para nos ajudar a pensar o mundo é justamente a diversidade, que não existe padrão para beleza, como não tem padrão para a fé, para a vida social, etc.”, afirma Muniz.
Porém, Muniz adverte que é um perigo olhar para a África como um monobloco, e na expectativa de encontrar as raízes da colonização. “A África não está lá parada no tempo. Agora, você vai chegar à África e encontrar meninas que alisam o cabelo, cabelos coloridos, enquanto para nós, negros no Brasil, manter o cabelo black significa que eu me importo com as minhas raízes.”