Como explicar essa dificuldade universal das pessoas em adotar comportamentos tão simples? Um dos maiores geneticistas do século 20, Dobzhansky, acredita que qualquer fenômeno biológico só tem significado se for entendido à luz de sua evolução pela seleção natural.
— Você precisa perder peso e fazer exercício!.
Em mais de 30 anos de medicina, nunca encontrei alguém que discordasse de tal recomendação.
— Tem razão, doutor, preciso mesmo – é o que todos dizem. Concordam, mas reduzir a ingestão de calorias e sair para andar de manhã são raros os que conseguem. Nem mesmo os médicos adotam esses cuidados em suas rotinas pessoais.
Sendo os seres humanos primatas racionais e a vida o bem supremo, o lógico seria esperar que – convencidos dos malefícios da obesidade e da vida sedentária – adotássemos a frugalidade à mesa como obrigatória e puséssemos os músculos para trabalhar diariamente.
De fato, as evidências científicas parecem incontestáveis: bastam 30 minutos por dia em passo acelerado para cortar a chance de ataque cardíaco pela metade. Trinta míseros minutos, fracionados num dia de 24 horas!
Quanto à dieta, o corte de 300 calorias diárias durante dez anos, rigorosamente, pode representar a perda de 10 a 12 quilos de gordura corpórea no decorrer desse período. Trezentas calorias são o terceiro bife, a barrinha de chocolate, a latinha de cerveja a mais. Coisa irrisória de cortar; mas tarefa sobre-humana no dia a dia da imensa maioria.
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Como explicar essa dificuldade universal em adotar comportamentos tão simples? Um dos maiores geneticistas do século 20, Dobzhansky, disse o seguinte: “Qualquer fenômeno biológico só tem significado se for entendido à luz de sua evolução pela seleção natural”.
Um rato só tem significado biológico se entendermos quem foram seus ancestrais. Os macacos, uma folha de árvore, a escama de um peixe, a posição dos olhos na face, o tipo de células no rim e as reações químicas envolvidas na respiração também. A seleção natural rege todos os fenômenos biológicos existentes na Terra e em qualquer planeta que venha a dar sinal de vida. A lei de Darwin é universal.
As raízes da glutonaria que nos devora e da preguiça que nos consome são muito profundas. Para não nos perdermos no tempo, no entanto, é só pensar como vivíamos há 20 mil anos, um milésimo de segundo evolucionário, comparado aos 5 milhões de anos de existência da espécie humana.
Não havia agricultura, morávamos em cavernas e comíamos frutos silvestres e a carne dos animais caçados. Obter comida exigia desgaste: percorrer longas distâncias, trepar em árvores e correr com um pau pontudo para espetar tudo o que se movesse na floresta.
Mesa farta, para muitos, é privilégio da segunda metade do século 20. Houve epidemias de fome na Europa desenvolvida até ontem. Na Irlanda, por exemplo, por volta de 1850, surgiu uma praga na batata que matou de fome 1 milhão de pessoas e provocou a emigração de 1 milhão e meio, porque boa parte da população não dispunha de outro alimento na dieta.
Para preencher suas necessidades energéticas, o homem pré-histórico sonhava encontrar frutas doces e carne animal – alimentos altamente calóricos, capazes de sustentá-los e à família por mais tempo.
Os que detestavam carne e enjoavam com açúcar não conseguiam obter as calorias que a dureza da vida antiga exigia. Naquele tempo, não havia espaço para a frugalidade: quando alguém caçava um animal de maior porte, comiam todos até não poder mais, porque carne estraga, e a generosidade divina podia faltar no almoço seguinte.
Nesses raros dias de comida ao alcance das mãos, não é difícil imaginar o que faziam mulheres e homens no intervalo das refeições: ficavam sem fazer nada. Passavam o dia imóveis, para economizar energia. Correr, só atrás de comida ou para fugir de animal feroz.
Como consequência, os amantes de carnes e doces, dotados de organismos capazes de acumular – sob a forma de gordura – as calorias ingeridas em excesso, resistiram melhor às epidemias de fome e deixaram mais descendentes. Os franzinos, que passavam mal de estômago cheio, enfraqueciam e eram atacados por predadores, em obediência às leis da natureza.
Assim, no decorrer de gerações e gerações, acumularam vantagens reprodutivas aqueles que comiam muito e descansavam sempre que possível.
A evolução jamais sonhou com o acesso à geladeira abarrotada, caixa de bombom, cheese-filé-salada-maionese e disque-pizza. Aliás, a evolução não faz previsões nem se interessa pelo futuro de qualquer espécie. Só se importa com o indivíduo.
Quem leva vantagem reprodutiva assegura a presença no futuro, caso contrário, sem descendentes, seus genes são excluídos do “pool” e ponto final. A evolução é impiedosa, a ela não interessam as virtudes pessoais. Por isso, quando nos sentamos à mesa, desaba em nossos ombros o peso de 3,6 bilhões de anos de luta pela vida na Terra. Diante da picanha com fritas e do prato de salada, nossos genes babam pela carne e desprezam o resto. Depois, empurram-nos com força para o sofá macio, que ninguém é de ferro.
Existirá salvação ou estaremos fadados à obesidade, à pressão alta, ao diabetes, ao reumatismo, ao derrame cerebral ou a um ataque fulminante na frente da TV, com a família?
Apesar de tantos anos de fracasso nessa área, há evidências de que o homem moderno, um dia, fará exercício rotineiramente e comerá com moderação. Fará isso porque é um primata racional e foi graças à razão que nossa espécie fez tanto sucesso evolucionário na face da Terra.