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Neurologia

Como a memória funciona e que fatores podem afetá-la

Publicado em 12/06/2025
Revisado em 11/06/2025

Especialistas detalham como é o funcionamento da memória, fatores que podem prejudicá-la e como a tecnologia está afetando as memórias. 

A memória é a capacidade do cérebro de aprender, armazenar e evocar informações, quando necessário. Trata-se de um processo complexo que necessita de atenção e que pode ser afetado – de maneira positiva ou negativa – por uma série de fatores. 

Segundo Fernando Gomes, neurocirurgião, neurocientista e professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP), as memórias se formam no cérebro principalmente através de um processo chamado “consolidação”, que envolve a transformação de experiências e informações em memórias duráveis. Esse processo pode ser dividido em três fases:

  • Codificação: nessa fase, a informação sensorial é convertida em um formato que o cérebro pode armazenar. Estruturas como o hipocampo desempenham um papel fundamental neste momento, ajudando a organizar e integrar informações;
  • Armazenamento: após a codificação, as memórias são armazenadas em diferentes regiões do cérebro, dependendo do tipo de informação. Memórias episódicas (experiências pessoais) são frequentemente armazenadas no hipocampo, enquanto memórias semânticas (fatos e conceitos) podem ser armazenadas no córtex cerebral;
  • Recuperação: é o processo de acesso a uma memória armazenada. A recuperação pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo a contextualização e o estado emocional no momento da recuperação.

“A neuroplasticidade sináptica, particularmente a potenciação de longo prazo (LTP), é fundamental nesse processo, pois envolve o fortalecimento das conexões sinápticas entre neurônios, facilitando a transmissão de informações e a formação de memórias”, explica. 

        Veja também: Como o cérebro envelhece?

Estímulos, atenção e treinamento 

As memórias podem estar associadas a sentimentos e estímulos. Por exemplo, quando uma pessoa sente um cheiro de bolo e automaticamente se lembra da avó, que fazia um bolo como aquele. Ou seja, a sensação do olfato trouxe à tona uma memória afetiva. 

“A memória é formada de forma complexa e precisa de vários estímulos para ser consolidada e depois ser evocada. Algumas memórias se perdem – a gente esquece, literalmente –, e algumas ficam em regiões mais espalhadas do cérebro, e são essas que a gente chama de conhecimento, que a gente nunca mais esquece”, explica Elisa de Paula França Resende, neurologista e coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia. 

Além disso, a memória necessita de atenção e treinamento para funcionar bem. Segundo a especialista, sem a atenção necessária, a informação recebida pelo cérebro vai se perder. 

“Se eu recebo a informação várias e várias vezes, e treino aquilo, vai ser gravado no cérebro de forma que fique mais fácil depois de eu evocar. Então, o treino, que é aquela questão de memorizar mesmo, de decorar, ele ajuda sim, mas tem que ser com atenção. Decorar sem atenção não adianta nada.”

Tipos de memória

“A memória humana é uma área complexa da psicologia e neurociência, e a classificação dos diferentes tipos de memória ajuda a entender como processamos e armazenamos informações”, afirma o dr. Fernando. As memórias podem ser classificadas em dois grandes grupos: memória de curto prazo e memória de longo prazo. Entenda: 

Memória de curto prazo

A memória de curto prazo é responsável pelo armazenamento temporário de informações por um período curto, geralmente de alguns segundos a minutos. “Esse tipo de memória tem uma capacidade restrita, frequentemente quantificada em cerca de sete itens, de acordo com a pesquisa do psicólogo George A. Miller”, explica o neurocientista. 

Nesse contexto, podemos destacar a memória operacional (também chamada de memória de trabalho): um sistema que manipula temporariamente as informações necessárias para tarefas cognitivas complexas, como raciocínio, aprendizado e compreensão. “A memória operacional permite que façamos cálculos mentais, por exemplo, ou que mantenhamos informações em nossa mente enquanto resolvemos um problema, ou quando lemos um texto”, esclarece ele. 

Memória de longo prazo

A memória de longo prazo é responsável pelo armazenamento de informações por períodos mais prolongados, desde dias até toda a vida, conforme explica o médico. Ela é dividida em dois grandes tipos: memória declarativa e memória não declarativa.

  • Memória declarativa (ou explícita): refere-se a informações que podem ser facilmente verbalizadas e conscientes. Ela é subdividida em:
    • Memória episódica: eventos pessoais e experiências vividas, incluindo o contexto temporal e espacial. Por exemplo, lembrar o seu último aniversário ou uma viagem de férias;
    • Memória semântica: conhecimento geral sobre o mundo, como fatos, conceitos e significados. Por exemplo, saber que Paris é a capital da França ou que um triângulo tem três lados.
  • Memória não declarativa (ou implícita): esse tipo de memória não requer esforço consciente para acessar e é mais difícil de verbalizar. Inclui:
    • Memória de procedimentos: habilidades e procedimentos, como andar de bicicleta ou tocar um instrumento. São memórias geralmente adquiridas pela prática e podem ser executadas sem memória consciente das ações;
    • Condicionamento clássico: aprendizado através da associação, como no famoso experimento de Pavlov com cães, em que um som (estímulo condicionado) é associado à apresentação de comida (estímulo incondicionado).

        Veja também: Exercício físico ajuda a prevenir demência; entenda a relação

Fatores que podem interferir na memória

Existem diversos fatores que podem interferir na memória. Segundo os especialistas, esses fatores incluem: 

  • Estresse: níveis elevados de cortisol (o hormônio do estresse) podem prejudicar a função do hipocampo, afetando a codificação e a recuperação de memórias;
  • Privação de sono: dormir é fundamental para a consolidação das memórias, pois as informações são processadas e gravadas no cérebro durante o sono; 
  • Alimentação inadequada: dietas deficientes em nutrientes essenciais (como ácidos graxos ômega-3, vitaminas B e antioxidantes) podem impactar negativamente a saúde cerebral;
  • Sedentarismo: a falta de exercícios físicos está associada a um declínio cognitivo. Exercícios estimulam a liberação de fatores neurotróficos, que promovem a saúde neuronal e a neurogênese;
  • Uso excessivo de substâncias: álcool e drogas recreativas podem causar danos cerebrais e prejudicar a memória e a função cognitiva;
  • Medicamentos: medicações sedativas, ou que podem levar à confusão mental – às vezes até remédios comuns, como os antialérgicos, que podem ter efeito sedativo –, podem causar alterações na memória;
  • Doenças: a doença de Alzheimer é a mais conhecida por afetar a memória, mas segundo a dra. Elisa, doenças sistêmicas, como doenças no fígado, no rim ou na tireoide, além de depressão, também podem interferir na memória. 

Como a tecnologia está afetando a memória

Como a memória necessita de atenção para ser exercitada, o excesso de estímulos e informações consumidas na internet e nas redes sociais pode afetá-la, levando à sobrecarga cognitiva e à fadiga mental e dificultando a capacidade de aprender e memorizar novas informações. 

“Na verdade, é a rapidez com que as coisas chegam para a gente, as informações, as notícias. E isso impacta porque a gente divide a atenção, ou seja, faz várias coisas ao mesmo tempo. Se a gente está com a atenção dividida, a gente não está focando em uma informação só. Então, aquilo que a gente está aprendendo ali não está sendo memorizado”, esclarece a neurologista da ABN. 

As distrações frequentes e as multitarefas também prejudicam a codificação adequada das memórias, segundo o dr. Fernando. Além disso, a memória pode se tornar superficial. “O fácil acesso à informação (como em pesquisas rápidas na internet) pode fazer com que as pessoas dependam menos da memória, resultando em uma diminuição da prática de retenção e recuperação de informações.” 

        Veja também: Como a tecnologia pode estar alterando a sua memória

O que são falsas memórias? 

Já aconteceu de você contar uma história de família e alguém que estava presente corrigir algum fato, dizendo que “não foi bem assim”? Pois bem, as nossas memórias nem sempre são fiéis ao ocorrido, e às vezes podemos nos lembrar das coisas de forma distorcida. São as chamadas falsas memórias. 

“Isso acontece porque o cérebro combina informações que a gente viu – que a gente realmente experimentou –, com informações da nossa cabeça, do nosso próprio imaginário”, explica a dra. Elisa.

A médica destaca a existência do Projeto Inocência, que busca rever condenações que foram baseadas somente em testemunha ocular, justamente pela possibilidade de uma falsa memória.

Segundo a especialista, esse é um processo cerebral complexo que é cientificamente comprovado. Contudo, ainda não está muito bem esclarecido o porquê de ele acontecer. 

Como ter uma boa memória?

Para manter uma boa memória, alguns cuidados e hábitos são recomendados, como: 

  • Exercício físico: a prática regular de exercícios físicos estimula a neurogênese e a formação de novas conexões neuronais, contribuindo para a saúde do cérebro;
  • Dormir o suficiente: ter um sono adequado é fundamental para consolidar memórias e permitir que o cérebro se recupere;
  • Alimentação saudável: manter uma dieta rica em antioxidantes, ácidos graxos essenciais e nutrientes é importante para a saúde cerebral;
  • Estimulação cognitiva: buscar atividades que desafiem o cérebro, como ler, jogar jogos de estratégia, resolver quebra-cabeças, aprender novos idiomas ou instrumentos são ações que promovem a plasticidade sináptica e melhoram a memória;
  • Mindfulness e meditação: práticas de mindfulness têm mostrado benefícios na atenção e na memória, reduzindo o estresse e melhorando a capacidade de foco.

“Esses hábitos não apenas ajudam a manter a memória saudável, mas também podem melhorar a função cognitiva e a qualidade de vida em geral”, diz o dr. Fernando. 

A dra. Elisa destaca a importância de estimular o cérebro de forma “não tecnológica”. “Joguinho de computador é legal? É legal, mas não pode ser só isso. Tem que ter leitura de livros físicos, jogos que sejam presenciais e que integrem socialmente – por exemplo, baralho, jogos de tabuleiro, que façam a pessoa raciocinar, mas que [também] incluam outras pessoas ali junto para poder fazer a conexão social e criar essa memória afetiva que eu falei no começo, pois a questão emocional influencia muito na nossa capacidade de memorização”, finaliza.

        Veja também: Como estimular o cérebro no dia a dia?

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