A síndrome nefrótica é uma doença renal caracterizada pela perda excessiva de proteína na urina, o que pode levar a uma série de sintomas e complicações de saúde. O tema ganhou destaque depois que o cantor Junior Lima e sua esposa, Monica Benini, foram às redes sociais contar que a filha Lara, de 3 anos, foi diagnosticada com a síndrome.
“A definição da síndrome nefrótica baseia-se na presença de proteinúria maciça (excreção de proteína superior a 50 mg/kg/dia), hipoalbuminemia (níveis séricos de albumina [proteína produzida no fígado] inferiores a 2,5 g/dL) e edema, podendo também estar associada à hiperlipidemia [nível elevado de gorduras no sangue]”, explica Maria Cristina Andrade, chefe da nefrologia do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo, e membro do Departamento de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
O principal sintoma, especialmente em crianças, é o edema (inchaço) — normalmente mole, frio e cacifo-positivo (que deforma-se por pressão). Segundo a médica, ele geralmente surge na região facial, com destaque para o edema periorbitário (inchaço ao redor dos olhos) ao acordar, e se estende progressivamente para as extremidades e outras áreas do corpo. Durante o dia, o inchaço tende a ser mais presente nos membros inferiores devido à ação da gravidade.
“Outros sinais frequentemente observados incluem oligúria (diminuição do volume urinário) e urina espumosa, decorrente da alta concentração de proteínas na urina. Além desses sinais, as crianças com síndrome nefrótica também podem apresentar hematúria microscópica (presença de sangue na urina, detectado apenas no exame de urina) e hipertensão arterial”, detalha.
A síndrome nefrótica é mais frequente na faixa etária entre 1 e 6 anos, com prevalência maior no sexo masculino nessa fase — diferença que não é tão evidente entre adolescentes e adultos, de acordo com a dra. Maria Cristina.
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Fatores de risco da síndrome nefrótica
A síndrome nefrótica pode ser classificada em duas categorias principais: primária ou secundária. “A maioria dos casos pediátricos é de origem primária, o que significa que a condição é causada por uma doença intrínseca do rim, sem uma causa sistêmica subjacente”, explica a especialista.
Ela diz que em crianças, a síndrome nefrótica primária costuma estar relacionada a dois tipos de alterações nos rins: as lesões mínimas (em cerca de 85% dos casos) e a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF). Ambas são doenças que afetam os podócitos, células dos rins que ajudam a filtrar o sangue. Em alguns casos, também são encontradas mutações genéticas que podem estar relacionadas à síndrome. Identificar essas alterações é importante para escolher o tratamento mais adequado.
Quando falamos em síndrome nefrótica secundária, várias doenças podem ser apontadas como causa. Esse tipo é menos comum na infância, segundo a nefrologista. A condição pode ser desencadeada por:
- Doenças generalizadas: como o lúpus eritematoso sistêmico, que afeta vários órgãos, ou a vasculite por IgA (doença que causa inflamação dos pequenos vasos sanguíneos);
- Infecções: algumas infecções na mãe durante a gravidez, como sífilis ou toxoplasmose, podem causar a síndrome nefrótica no bebê. A esquistossomose, comum em certas regiões, também pode estar ligada a um tipo específico de problema nos rins;
- Outras doenças como hepatite C, hepatite B e HIV também podem se manifestar como síndrome nefrótica.
“A idade da criança e o histórico de saúde da mãe podem ajudar a identificar a causa da síndrome nefrótica. Por exemplo, saber se a mãe teve sífilis ou toxoplasmose durante a gestação pode ser um fator crucial para o diagnóstico”, afirma.
Diagnóstico da síndrome nefrótica
Segundo a especialista, o surgimento da síndrome nefrótica geralmente é precedido por infecção de vias aéreas superiores ou por alguma manifestação alérgica. Por isso, a doença pode ser confundida com quadros de sinusite ou alergia. O inchaço nas pálpebras inicial é muitas vezes confundido com edema alérgico.
“A progressão do edema pode ser sutil no início. Os pais ou cuidadores podem confundir o inchaço com um simples aumento de peso, especialmente porque a criança pode parecer mais ‘cheinha’ nas primeiras semanas. A percepção de que algo está errado só ocorre quando o inchaço se torna mais óbvio e intenso. É nesse momento que eles percebem a primeira descompensação da síndrome nefrótica, quando a doença se manifesta de forma mais clara”, explica a dra. Maria Cristina.
O diagnóstico é feito por meio de uma análise laboratorial abrangente, focada na detecção de anormalidades que refletem a disfunção renal. De acordo com a médica, a avaliação diagnóstica inclui exames como: análise da excreção de proteínas urinárias; avaliação de proteínas plasmáticas; perfil lipídico (níveis de colesterol e triglicérides); marcadores de função renal e equilíbrio eletrolítico.
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Tratamento da síndrome nefrótica
A investigação das possíveis causas da síndrome nefrótica é importante antes de iniciar o tratamento. “Sempre deve ser excluída doença de base por meio de investigação das causas mais frequentes, como algumas infecções virais, doenças autoimunes, afecções oncológicas, entre outras, antes da introdução de tratamento imunossupressor”, destaca a médica.
O corticosteroide é a primeira escolha no tratamento da síndrome nefrótica idiopática (de causa desconhecida). “Dependendo da resposta ao tratamento inicial, os pacientes podem ser classificados como cortico-sensíveis ou cortico-resistentes. A síndrome nefrótica por lesão mínima é a forma mais comum na infância. Sua característica de córtico-sensibilidade, contudo, não impossibilita suas recidivas”, afirma.
A cura, segundo a especialista, é algo relativo. Os pacientes podem ter recidivas mesmo após longos períodos de remissão. Porém, após os 7 a 8 anos de idade, não ocorrem mais descompensações na síndrome nefrótica por lesão mínima. Já os pacientes cortico-resistentes e os que não respondem a outros imunossupressores tendem a evoluir para cronicidade e perda da função renal.
Além do tratamento medicamentoso, algumas mudanças na alimentação são importantes. “Durante os períodos de descompensação e enquanto a criança estiver em tratamento com corticoides, a dieta deve ter o mínimo de sal possível. A alimentação deve ser normoproteica, ou seja, com a quantidade de proteínas recomendada para a idade, desde que a função dos rins esteja normal. Para manter uma dieta saudável, é importante dar preferência a alimentos que contenham ácidos graxos poli-insaturados e evitar frituras.”
Cuidados importantes durante o tratamento
A dra. Maria Cristina explica que as crianças com síndrome nefrótica apresentam particularidades que os predispõem a processos infecciosos virais e bacterianos, que podem levar à descompensação do quadro. Por isso, é importante manter alguns cuidados, como:
- Promover vacinação com vacina antipneumocócica, estando também indicada a vacinação contra influenza anualmente;
- Para os pacientes sob imunossupressão, não devem ser administradas vacinas de agentes vivos (deve-se consultar o pediatra ou nefrologista pediátrico antes da vacinação);
- Ter atenção para o surgimento de infecções, sendo as mais comuns as infecções do trato urinário, peritonite, pneumonia, gastroenterite aguda e quadros virais;
- Evitar contato com pessoas adultas ou crianças doentes.
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