Cólicas menstruais são distúrbios que afetam a qualidade de vida das mulheres durante o ciclo menstrual.
Durante o ciclo menstrual, as mulheres podem apresentar distúrbios que interferem em sua qualidade de vida. Um deles é a tensão pré-menstrual (TPM), ou desordem disfórica pré-menstrual, que ocorre antes da menstruação e caracteriza-se por sintomas físicos (retenção de líquidos, aumento das mamas que ficam doloridas, dor de cabeça) e sintomas psicológicos, tais como irritabilidade, agressividade, nervosismo, vontade de chorar por qualquer motivo, depressão. Embora o nome tensão pré-menstrual tenha surgido na década de 1930, esse distúrbio foi descrito por Hipócrates, séculos antes de Cristo.
O outro distúrbio é a cólica menstrual, ou dismenorreia, um problema que afeta praticamente todas as mulheres em algum momento da vida e que pode variar de intensidade. Em alguns casos, a dor e o mal-estar são suportáveis, mas noutros os sintomas são tão intensos e persistentes que impedem o exercício das atividades normais do dia a dia.
TPM E CÓLICA MENSTRUAL
Drauzio – Como distinguir a TPM da cólica menstrual?
Mara S. Carvalho Diegoli – A primeira distinção é que a tensão pré-menstrual ocorre antes da menstruação e a dismenorreia, ou cólica menstrual, inclui uma série de sintomas associados à menstruação propriamente dita. O principal é a dor em cólica, às vezes, tão forte que a mulher vomita e chega a desmaiar. Os mais velhos acreditavam que isso acontecia por rejeição à feminilidade e encaravam a cólica como mera manifestação psicológica. Várias pesquisas demonstraram, porém, que a cólica menstrual nada tem de psicológico, pois é provocada pela prostaglandina, uma substância existente em várias partes do corpo, inclusive dentro do útero.
Drauzio – Anatomicamente, como se pode explicar a cólica menstrual primária, isto é, a que não é provocada por alterações patológicas no aparelho reprodutivo?
Mara S. Carvalho Diegoli – O útero é um órgão de 7 cm com o formato de uma pêra, constituído por três camadas: externa, média e interna. A camada interna é a responsável pelo aparecimento das cólicas menstruais. Todos os meses ela cresce, fica bem grande à espera do embrião. Se ele não vem, essa camada descama em forma de sangramento, a menstruação e, enquanto descama, libera prostaglandina que faz o útero contrair para eliminar o sangue. Essa compressão comprime os nervos e os vasos que passam pelo músculo uterino. Por isso, a mulher sente dor.
Drauzio – Por que a intensidade da dor varia de uma mulher para outra
Mara S. Carvalho Diegoli – Se a tensão pré-menstrual ocorre nas mulheres com mais idade, a cólica menstrual acomete mais as adolescentes, porque seu útero ainda é pequeno e o orifício de saída mais fechado. Ora, agindo em grande quantidade e não conseguindo escapar do local, a prostaglandina faz com que o útero se contraia com mais intensidade e isso provoca dor forte. À medida que a adolescente vai ficando mais velha, seu útero cresce e a prostaglandina liberada tem espaço para espalhar-se. Além disso, especialmente quando a mulher já teve filhos, o colo uterino mais aberto facilita a saída do sangue e da prostaglandina. Por isso, os antigos diziam: quando casar, passa. E passava mesmo, porque a mulher engravidava, o útero aumentava de tamanho, e a prostanglandina saía com mais facilidade pelo orifício por onde nasceu o bebê.
SINTOMAS DA TPM
Drauzio – Quando aparecem e quais são os sintomas da tensão pré-menstrual?
Mara S. Carvalho Diegoli – A tensão pré-menstrual é caracterizada por sintomas psíquicos (irritabilidade, nervosismo, ansiedade, depressão) e por sintomas físicos (dor na mama, dor de cabeça, inchaço). Esses sintomas podem aparecer desde 15 dias até um dia antes do início da menstruação.
O interessante é que a dor de cabeça pode manifestar-se tanto na tensão pré-menstrual quanto na dismenorreia. Nas duas situações, a causa é a mesma. Os vasos que existem no cérebro têm tonicidade mais ou menos constante. Quando a mulher está para menstruar, a produção de estrogênio cai, os vasos dilatam e o aumento de seu diâmetro provoca dor de cabeça.
Drauzio – Quais as características da dor de cabeça associada à menstruação?
Mara S. Carvalho Diegoli – O mais comum é a dor de cabeça ocorrer 24 horas antes da menstruação, mas também pode surgir durante a menstruação ou durar todo o período menstrual. É uma dor que acomete principalmente a região da nuca, com aparecimento ou não de escotomas (pontinhos luminosos). Em geral, a exposição à luz e a sons aumenta o desconforto e obriga a mulher a recolher-se num quarto escuro.
Drauzio – Na verdade, é uma dor que se assemelha muito à enxaqueca.
Mara S. Carvalho Diegoli – Muito semelhante. Inclusive, pessoas que costumam ter enxaqueca dizem que ela piora no período menstrual. Geralmente, os neurologistas não gostam muito de tratar a dor de cabeça ligada à menstruação, porque dura dois ou três dias e, tratando ou não tratando, desaparece por si. O problema é que, muitas vezes, por causa da dor, a mulher fica de cama.
Drauzio – O que acontece com a dor de cabeça quando começa a menstruação?
Mara S. Carvalho Diegoli – Como a causa da dor de cabeça é a queda na produção do estrogênio cujo nível permanece baixo durante todo período menstrual, algumas mulheres apresentam dor de cabeça 24 horas antes do início da menstruação e outras, durante todo o período menstrual. Essa dor só passa quando os vasos se estabilizam porque os níveis de estrogênio voltaram a subir. Por isso, uma das estratégias de tratamento é manter a produção de estrogênio constante.
Drauzio – A cólica menstrual pode ser minimamente sintomática ou muito forte. Por quê?
Mara S. Carvalho Diegoli – As pesquisas mostram que 25% das mulheres não sentem cólicas menstruais e que 75% sentem cólicas em diferentes graus de intensidade. Desses 75%, um quarto sente dor muito forte. É o caso da menina que sai de casa bem, vai para a escola e de repente menstrua e acaba no pronto socorro por causa da dor.
Na mulher adulta, o problema é diferente, uma vez que as cólicas podem ter outras causas além da atuação da prostaglandina e estão associadas a uma alteração anatômica do aparelho reprodutor. Esses quadros são chamados de dismenorreia secundária e a cólica pode começar 15 dias, uma semana, cinco dias antes da menstruação e piora com ela.
Drauzio – Qual a localização das cólicas menstruais?
Mara S. Carvalho Diegoli – Localizam-se sempre no baixo ventre. É uma dor que se irradia para as costas e confunde-se com a das cólicas intestinais, especialmente porque a prostaglandina também age no intestino que fica mais irritável.
Drauzio – Quais as principais características da dor da cólica menstrual?
Mara S. Carvalho Diegoli – É uma dor aguda e intermitente, que dura um, dois, às vezes, quinze segundos ou até um minuto e passa, mas volta em seguida com toda a intensidade. É uma dor sequencial: dói/passa, dói/passa, volta a doer e a passar. Sem medicamento, ela perdura por algumas horas ou alguns dias.
Drauzio – Quanto tempo duram os períodos de acalmia?
Mara S. Carvalho Diegoli – Os períodos de acalmia são difíceis de identificar. Como a dor é intermitente e o tempo de relaxamento muito curto, sempre sobra a dor basal a qual a mulher se refere como dor em peso.
Drauzio – Você disse que a mulher pode sentir cólicas durante toda a menstruação. Quando elas deixam de incomodar?
Mara S. Carvalho Diegoli – As cólicas das adolescentes têm de passar quando termina a menstruação. Nas mulheres adultas, pode restar uma sensação dolorosa se o fator etiológico continuar estimulando a produção de prostaglandina. De qualquer forma, serão dores menos intensas.
AGRAVANTES E ATENUANTES DAS CÓLICAS MENSTRUAIS
Drauzio – As mulheres conhecem mil receitas que herdaram de suas mães e avós para combater as cólicas menstruais. O que pode melhorar ou piorar a cólica menstrual?
Mara S. Carvalho Diegoli – As mulheres mais velhas diziam que a dor piorava quando tomavam banho frio e lavavam a cabeça. Piorava mesmo, porque água fria promove o estreitamento dos vasos. Como a prostaglandina não tem por onde fugir, sua presença aumenta as contrações uterinas e a dor fica mais forte. Ao contrário, o calor é bem-vindo. Quando a mulher usa bolsa de água quente, os vasos dilatam, a prostaglandina vai embora e a intensidade da dor diminui. Há um inconveniente, porém: o calor aumenta o sangramento e perder sangue é sempre mau. Por mais que a mulher consiga repô-lo a cada menstruação, ele fará falta, porque o sangue que circula pelo útero, circula também pelos demais órgãos.
Drauzio – Como a mulher deve proceder, então?
Mara S. Carvalho Diegoli – A mulher precisa saber distinguir o fisiológico do não fisiológico. Fisiológico é usar mais ou menos quatro absorventes por dia e a menstruação durar cinco dias no máximo. Se forem necessários seis absorventes ou mais e a menstruação durar sete dias, por mais que o organismo tente repor o sangue que está perdendo cronicamente, não vai conseguir e desenvolverá anemia, por exemplo.
Tomar banho, lavar a cabeça não trazem inconvenientes, desde que a mulher use um número de absorventes compatível com a perda de sangue que seu organismo pode suportar.
TRATAMENTO DAS CÓLICAS MENSTRUAIS
Drauzio – Quando os sintomas ligados à menstruação começaram a ser tratados?
Mara S. Carvalho Diegoli – Durante anos, a mulher faltou ao serviço por causa da dor de cabeça – que ninguém associava à menstruação – e das cólicas menstruais. Antes de participar ativamente do mercado de trabalho, “nesses dias” ela ficava em casa e ninguém dava muita atenção ao fato. Quando esses sintomas começaram a interferir no seu desempenho profissional e a comprometer o lucro das empresas e a economia do país, ficou evidente que encontrar um tratamento seria de fundamental importância para melhorar a qualidade de vida da própria mulher, das pessoas que conviviam com ela e melhorar seu rendimento no trabalho.
Drauzio – Como você orienta a mulher que uma semana antes da menstruação começa a sentir-se tensa, irritada, com dor de cabeça e indisposta?
Mara S. Carvalho Diegoli – A primeira orientação é que a mulher passe a registrar os sintomas num calendário. Se a dor de cabeça manifestar-se no período pré-menstrual e menstrual, não há dúvida de que está relacionada com a produção de hormônios.
Drauzio – Quais os medicamentos indicados para combater as cólicas menstruais?
Mara S. Carvalho Diegoli – Existem medicamentos de vários tipos, como os analgésicos e os anti-inflamatórios. O problema é que a mulher aprende a automedicar-se e isso está errado. Bons medicamentos para controlar a dor podem provocar efeitos colaterais indesejáveis se tomados com muita frequência. Por isso, ela só deve tomar remédios prescritos por um médico. Normalmente, inicia-se o tratamento com os mais leves, com menos efeitos adversos. Se a resposta não for satisfatória e a dor continuar forte, muda-se o medicamento. Existem os que fazem parar as contrações uterinas e os que impedem a produção de prostaglandina. Desaparecendo o fator causal, a dor passa.