A oftalmopatia de Graves, também conhecida como orbitopatia de Graves, é uma doença autoimune causada pela liberação excessiva de hormônios tireoidianos.
O sistema imunológico tem uma função vital: proteger o organismo de substâncias nocivas e micro-organismos que podem nos fazer mal, como vírus e bactérias. De vez em quando, no entanto, o escudo de defesa do corpo falha e se volta contra seu protegido, dando origem às doenças autoimunes. Uma delas é a oftalmopatia de Graves, descrita pela primeira vez no século 19 pelo médico irlandês Robert Graves – daí o nome da condição.
A doença, também conhecida como orbitopatia de Graves, é caracterizada pelo aumento do músculo da órbita (cavidade) do olho, situação que faz o globo ocular saltar para a frente, algo que na medicina é chamado de proptose. O indivíduo com a condição também pode ficar com as pálpebras inchadas e vermelhas, visão dupla ou com alteração de cores, olho ressecado e até desenvolver cegueira (algo extremamente raro).
Em boa parte dos casos, a enfermidade está associada à doença de Graves, uma condição que faz a tireoide (glândula em formato de borboleta localizada na região da frente do pescoço) produzir hormônios de forma descontrolada, gerando um quadro de hipertireoidismo. Mas para entender por que ela ocorre, primeiro é preciso compreender a fisiologia por trás do processo:
Tudo começa no hipotálamo (pequena região na base do encéfalo), que envia um hormônio chamado TRH para a hipófise (glândula na base no cérebro) e “pede” para ela liberar outro hormônio, chamado TSH. O TSH, por sua vez, “manda” a tireoide produzir os hormônios tireoidianos T3 e T4, que têm função em diversos órgãos e sistemas do organismo. Quando a quantidade de hormônios produzida chega a um nível adequado, a hipófise é avisada.
Na doença de Graves, no entanto, o processo de produção hormonal fica desregulado porque um componente do organismo, o anticorpo TRAb, que costuma atuar no papel de “mocinho”, se torna um “vilão”. Anticorpos são moléculas produzidas pelas células de defesa que reconhecem substâncias externas estranhas e as neutralizam. Nas doenças autoimunes, no entanto, eles atacam o próprio organismo. No caso do TRAb, ele se liga à tireoide e toma o papel do TSH, induzindo a glândula a produzir indefinidamente uma grande quantidade de hormônios tireoidianos.
“Você vai ter um monte de hormônio na circulação, e esse monte de hormônios vai causar uma série de sintomas, como perda de peso, taquicardia (aumento da frequência cardíaca), palpitação, tremores, diarreia, e manifestações extra-tireoidianas, como o caso da oftalmopatia de Graves”, explica a dra. Ana Cristina Ravazzani de Almeida Faria, médica endocrinologista e professora da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
De acordo com a médica, esse mesmo anticorpo que se liga à tireoide, desregulando o equilíbrio do organismo, também “adere” às células da órbita do olho, causando inflamação e edema na região, que empurram o globo ocular para frente. “Em última instância, esse músculo pode inchar tanto que espreme o nervo óptico, que dá a visão, e se ocorrer isso por um tempo muito longo e muito intenso, a pessoa pode até perder a visão definitivamente”, diz.
Apesar de normalmente ligada à doença de Graves, a oftalmopatia de Graves também pode ocorrer em pacientes sem problemas na tireoide ou mesmo com hipotireoidismo.
Diagnóstico da oftalmopatia de Graves
De acordo com a literatura médica, 18,9 a cada 100 mil indivíduos desenvolvem a oftalmopatia de Graves a cada ano, principalmente mulheres – a proporção é de 5,5 pessoas do sexo feminino para uma do sexo masculino. As mulheres normalmente são mais afetadas por problemas na tireoide por causa dos hormônios femininos. As doenças autoimunes geralmente têm um grau de hereditariedade.
Como a condição normalmente é visível, a investigação é feita por meio do exame físico. Basicamente, o médico observa que o olho está esbugalhado, analisa a circunferência da íris (parte colorida do órgão) e verifica o espaço branco entre ela e a pálpebra superior, bem como entre o olho e a pálpebra inferior. Após essa análise, o diagnóstico é dado e o tratamento é iniciado.
No entanto, como a condição normalmente está associada a alterações na tireoide, os especialistas também costumam fazer dosagem de hormônios e anticorpos, além de exames de imagem – como tomografia e ressonância magnética -, que ajudam a confirmar o diagnóstico.
Tratamentos da oftalmopatia de Graves
Visto que a orbitopatia de Graves envolve tanto a tireoide quanto o olho, o ideal é que o tratamento seja feito em parceria por um endocrinologista e um oftalmologista. O primeiro especialista vai lidar com o controle hormonal, enquanto o segundo focará no órgão responsável pela visão. A maneira de lidar com a doença também vai depender da gravidade.
“Em casos mais leves, o tratamento dos olhos é feito com lubrificante e compressa de água fria. Agora, se o quadro é mais evidente, pode-se entrar com medicamentos, como corticoides, que diminuem a inflamação localizada. Por si só, isso já pode reduzir um pouco o conteúdo que existe nesse edema atrás do olho”, explica o dr. Renato Leça, oftalmologista e professor da Faculdade de Medicina do ABC.
De acordo com o dr. Renato, se os tratamentos acima não funcionarem, outra alternativa é fazer radioterapia no olho para diminuir a condição inflamatória. Esse procedimento, no entanto, tem resultados controversos, segundo o especialista. Por fim, disse, também existe a possibilidade de realizar cirurgia de descompressão ocular ou do nervo óptico.
“É uma cirurgia grande com bons resultados, mas só usamos essa técnica quando a questão estética está muito exacerbada e atrapalha a vida do paciente, ou quando o nervo óptico está sendo afetado, pressionado por esse tecido atrás do olho”, disse ele.
Quando a alteração no globo ocular está ligada à doença de Graves, o tratamento da condição normalmente resolve também a oftalmopatia de Graves. Normalmente, os médicos receitam medicamentos que impedem e bloqueiam a produção hormonal. O paciente usa os remédios por um ou dois anos, disse a dra. Ana.
“Se o tratamento falha ou por algum motivo a pessoa não pode usar o remédio, é possível usar uma terapia chamada iodo radioativo, que é um tipo de iodo marcado com uma substância radioativa que, uma vez ingerido, vai para a tireoide e destrói as células tireoidianas. A outra opção seria uma tireoidectomia, cirurgia que tira a tireoide praticamente inteira”, falou.
Como as duas opções acima afetam a tireoide, a pessoa tem que repor os hormônios tireoidianos. No mercado, existem opções sintéticas que substituem as substâncias naturais.
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