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Gastroenterologia

Terapias avançadas mudaram o tratamento das doenças inflamatórias intestinais

Nova versão do infliximabe aumenta a resposta do medicamento e facilita a aplicação pelo paciente. Conheça os últimos avanços no tratamento das doenças inflamatórias intestinais.

Publicado em 03/09/2024
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Revisado em 03/09/2024

Nova versão do infliximabe aumenta a resposta do medicamento e facilita a aplicação pelo paciente. Conheça os últimos avanços no tratamento das doenças inflamatórias intestinais.

 

As doenças inflamatórias intestinais (DII), como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, são condições crônicas que costumam surgir quando o paciente ainda é jovem. Diarreia, dor abdominal e perda de peso são alguns dos sintomas que podem incomodá-lo pelo resto da vida. 

Felizmente, as alternativas terapêuticas para as DII avançam cada vez mais. O objetivo do tratamento é, sobretudo, controlar as inflamações na mucosa intestinal, eliminando os sintomas e garantindo melhor qualidade de vida ao paciente. Nesse cenário, o destaque são as chamadas “terapias avançadas”.

 

Primeiro passo: o diagnóstico das doenças inflamatórias intestinais

De acordo com a gastroenterologista Munique Kurtz, professora da Universidade do Vale do Itajaí (SC), a vergonha associada aos sintomas das doenças inflamatórias intestinais atrasam o diagnóstico. Muitas vezes, o paciente só procura ajuda quando o quadro piora. E, mesmo após a descoberta, é difícil prever como a doença vai se comportar.

“O que a gente tem são os fatores de mau prognóstico, ou seja, que indicam que aquela doença vai progredir rápido ou mal. Para a doença de Crohn, por exemplo, esses fatores são tabagismo, ser do sexo masculino, ter idade jovem, precisar de internação no momento do diagnóstico ou apresentar muitas alterações nos exames laboratoriais. São a pista de que a gente precisa tratar esses pacientes de forma mais agressiva, de que não podemos perder tempo porque [o quadro] vai complicar”, explica a especialista.

Em pacientes cuja doença é leve, ou seja, sem fatores de mau prognóstico, o tratamento padrão envolve o uso de corticoides e imunossupressores. Porém, quando o quadro é mais grave, entram em cena as terapias avançadas.

 

Terapias avançadas: quais são elas?

O termo “terapia avançada” inclui medicamentos biológicos e moléculas pequenas. O grande diferencial é que eles atuam no foco da doença, com muito mais efetividade em comparação aos anti-inflamatórios comuns e menos efeitos colaterais. 

Além disso, no caso dos biológicos, passado o tempo da patente do medicamento, começa a produção dos biossimilares. Os biossimilares possuem a mesma qualidade e segurança do remédio original, mas podem ser comercializados por valores até 40% mais baratos, já que não têm todos os custos envolvidos com pesquisa.

Segundo o coloproctologista Fábio Teixeira, diretor da Clínica Gastro Saúde, em Marília (SP), e integrante titular do Grupo Brasileiro de Estudos da Doença Inflamatória no Brasil (GEDIIB), o tratamento mais comum para a retocolite é feito com o anti-inflamatório mesalazina. Porém, em 20% a 30% dos casos, ele não provoca o efeito desejado e aí é preciso recorrer à terapia avançada. Já na doença de Crohn, contudo, estima-se que mais de 80% dos pacientes vão precisar desse tipo de tratamento.

 

Cada vez mais opções terapêuticas para as doenças inflamatórias intestinais

O primeiro medicamento biológico descoberto para o tratamento de DII foi o infliximabe. O infliximabe é um antagonista de TNF-α, ou seja, que bloqueia a ação da citocina inflamatória chamada de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). Essa citocina é uma das principais responsáveis pela cascata inflamatória na região intestinal. 

O infliximabe foi aprovado pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 2015 e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Outros medicamentos que utilizam o mesmo mecanismo de ação são o adalimumabe e o certolizumabe pegol, ambos disponíveis no SUS.

Posteriormente, vieram os medicamentos anti-interleucinas. As interleucinas 12 e 23 (IL-12 e 23) são moléculas proteicas que ativam a inflamação. Esses biológicos, portanto, bloqueiam os receptores das moléculas, impedindo sua ação. É o caso do ustequinumabe, aprovado pela Anvisa em 2020; e do risanquizumabe, aprovado em 2023. Este último age somente contra a IL-23, pois, conforme os estudos avançaram, descobriu-se que os benefícios para o paciente seriam maiores. Ambos estão disponíveis no SUS, mas sem indicação para DII.

Recentemente, outra opção terapêutica é o vedolizumabe. Em vez de agir na ação das substâncias inflamatórias, ele impede a sua adesão a determinados linfócitos do sangue, evitando a inflamação. O medicamento, já disponível no SUS, é a principal alternativa para pacientes com retocolite que não tiveram sucesso com os demais remédios.

“A evidência científica que a gente tem, que dá suporte a esse tipo de tratamento, nos diz que quanto mais precocemente eu introduzir uma terapia avançada, melhor o desfecho a longo prazo. Menos hospitalizações, menos internações e mais qualidade de vida”, afirma o dr. Fábio.

Veja também: Doenças inflamatórias intestinais em 5 perguntas | Rogério Saad

 

Infliximabe agora em injeção: mais fácil e mais eficaz

Entre todas as alternativas, o pioneiro ainda é o melhor. O infliximabe é o medicamento mais usado e também o mais eficiente nos casos graves de DII.

No entanto, até então, ele tinha uma limitação. Por ser aplicado de forma endovenosa, os níveis do medicamento no sangue (chamado de “nível sérico”) oscilavam. E essa oscilação causa um fenômeno no organismo em que o sistema imune é estimulado a produzir anticorpos contra o próprio remédio, fazendo-o perder a função ao longo do tempo. 

Para melhorar a vida do medicamento, o infliximabe era aplicado junto com a azatioprina, um anti-inflamatório que diminuía a capacidade do corpo de produzir esses anticorpos. Mas aí, o problema era outro: a pessoa acabava tomando dois imunossupressores de uma vez.

Foi então que a farmacêutica Celltrion criou uma versão subcutânea do infliximabe. Nesses casos, como a aplicação é por uma injeção a cada duas semanas, a oscilação dos níveis do medicamento no sangue é bem menor, assim como o estímulo à produção de anticorpos.

“Quando você mede o nível sérico? Antes de tomar a próxima dose. O carro está acabando a gasolina, você pega aquela gasolina, vê quanto tem e dá a próxima enchida no tanque. E antes de tomar a próxima injeção de infliximabe subcutâneo, vamos ver quanto tinha? O tanque estava sempre cheio, nunca chegava na reserva”, ilustra o dr. Fábio.

Em abril de 2024, o Comitê Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS aprovou o infliximabe subcutâneo. O Ministério da Saúde tem até 180 dias para incorporá-lo no SUS.

 

O que muda para o paciente? 

Além de uma resposta mais duradoura do medicamento, a versão subcutânea do infliximabe ainda facilita ao paciente seguir o tratamento, porque evita que ele tenha que se deslocar para os centros de infusão a cada dois meses, onde permaneceria por duas horas recebendo o remédio de forma endovenosa.

“Cada vez que nós temos novas moléculas com mais fácil aplicabilidade, com mais fácil adesão ao tratamento e que vai trazer benefícios para o nosso paciente, a gente cada dia comemora mais”, celebra Marta Machado, presidente da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD) que esteve junto dos pacientes na luta pela incorporação do medicamento.

Ela ressalta ainda que ter uma gama de alternativas terapêuticas oferece ao paciente a possibilidade de escolher, junto ao médico, qual é a melhor para ele. Algumas pessoas com doenças inflamatórias crônicas podem preferir tomar o medicamento nos centros de infusão, enquanto, para outras, é mais fácil tomar em casa.

“Nós estamos falando de uma doença até o momento incurável que pega uma faixa etária de pacientes jovens que estão planejando a sua vida. As terapias avançadas realmente vieram para mudar o panorama dessa doença que de fato é devastadora. Cada vez que chega uma nova tecnologia ou uma molécula com custo mais acessível, em que eu vou conseguir tratar mais pacientes com a mesma eficácia e segurança, ela é muito bem-vinda”, destaca a gastroenterologista.

Veja também: Como é conviver com a doença de Crohn | Jana Viscardi

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