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Fibromialgia | Entrevista

Mulher com a mão da região do cotovelo e expressão de dor.
Publicado em 23/01/2012
Revisado em 11/08/2020

A doença é caracteriza por dor que migra por pontos em um dos lados do corpo, embora o outro lado também seja sensível. Conheça os pontos dolorosos, como é feito o diagnóstico e o tratamento nesta entrevista sobre fibromialgia.

 

A fibromialgia caracteriza-se por dor crônica que migra pelo corpo e manifesta-se predominantemente em um de seus lados, embora o outro também seja sensível.

São nove os pontos fundamentais de cada lado, portanto 18 no total, em que a dor pode instalar-se:

Pontos de dor mais frequentes na fibromialgia.
Pontos de dor mais frequentes na fibromialgia.
  • Na região subocciptal (atrás da cabeça);
  • No músculo trapézio (em cima do ombro e nas costas);
  • Na região supraespinal;
  • Na altura das vértebras cervicais;
  • Na articulação condrocostal, onde a segunda costela se insere no osso esterno;
  • No joelho;
  • No trocanter, área onde o fêmur se encaixa na bacia;
  • Na região glútea;
  • Do lado do cotovelo.

Em 90% dos casos, a doença atinge as mulheres, o que de certa forma confundiu o diagnóstico, uma vez que, por machismo, atribuía-se a dor à somatização de possíveis problemas psicológicos. Hoje, sabe-se que a fibromialgia é uma doença relacionada com o funcionamento do sistema nervoso central e o mecanismo de supressão da dor. Além da dor, ela provoca outros sintomas como fadiga, falta de disposição e alterações do sono.

 

CARACTERÍSTICAS E FREQUÊNCIA DA DOENÇA

 

Drauzio – A fibromialgia é uma doença muito frequente?

Lin Tchie Yeng – Estudos internacionais sugerem que a fibromialgia acomete de 7% a 9% da população, especialmente as mulheres na faixa dos 35 aos 50 anos, mas pode também aparecer na adolescência.

 

Drauzio – Quais são as principais características dessa dor e quanto ela interfere na rotina diária dos pacientes?

Lin Tchie Yeng – Dor, cansaço, falta de energia e disposição para realizar atividades rotineiras são os principais sintomas. Muitos pacientes se referem, também, à cefaleia (dor de cabeça), funcionamento inadequado do intestino (cólon irritável), sensibilidade durante a micção (síndrome da bexiga irritável) e ao sono pouco reparador, o que faz as pessoas já levantarem cansadas.

 

IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO

 

Drauzio – Existem nove pontos em cada lado do corpo em que a dor pode instalar-se. Como isso ocorre?

Lin Tchie Yeng – Normalmente, a dor da fibromialgia aparece num ponto determinado. A pessoa se queixa, por exemplo, de dor no braço e o médico suspeita de tendinite ou LER (lesões por esforços repetitivos). No outro dia, ela reaparece no ombro ou nas regiões lombar e cervical. É uma dor migratória que, na ausência de diagnóstico e tratamento adequado, pode espalhar-se por todo o corpo.

 

Drauzio – Você poderia explicar o que é LER?

Lin Tchie Yeng – LER (lesões por esforços repetitivos), ou DOT (distúrbios osseomusculares relacionados ao trabalho), é uma doença bastante comum atualmente. Estima-se que, em São Paulo, de 5% a 8% dos trabalhadores apresentem dor no braço ou na região cervical como consequência de suas atividades profissionais. No Hospital das Clínicas, mais ou menos 30% das pessoas com tendinite provocada pela repetição contínua de certos movimentos, sofrem também de fibromialgia e isso causa diagnósticos e tratamentos equivocados.

Não se sabe ainda explicar, porém, se a falta de tratamento adequado faz com que essa dor de início localizada se irradie por todo o corpo. O que se sabe é que nessas pessoas o sistema supressor da dor, que coordena a relação entre dor e analgesia, não funciona direito.

 

DOR TÍPICA DA FIBROMIALGIA

 

Drauzio – Quando você atende um paciente que se queixa de dor no braço ou nas costas que persiste por alguns dias quando escreve no computador por mais tempo, o que a faz suspeitar de que esse sintoma não seja resultado da má postura e da repetição dos movimentos, mas indique um processo de fibromialgia em desenvolvimento?

Lin Tchie Yeng — Sabe-se que 70% a 80% das pessoas já sentiram, em algum momento, dor nas costas. Essas dores, no entanto, são benignas e costumam melhorar espontaneamente, sem tratamento. As dores da fibromialgia duram pelo menos três meses e, em geral, não apresentam resposta satisfatória aos tratamentos clássicos com analgésicos, anti-inflamatórios e fisioterapia. Por isso, quando a dor for crônica, é importante procurar um especialista para diagnóstico preciso e indicação de tratamento adequado.

 

Drauzio – Você acha que talvez muitos médicos ainda menosprezem esse tipo de quadro de dor migratória e generalizada?

Lin Tchie Yeng – Nos Estados Unidos, até aproximadamente quatro anos atrás, apenas 25% dos profissionais reconheciam a existência de fibromialgia. No Brasil, a tendência maior tem sido atribuir a causa dessa dor a fatores de ordem psicológica ou familiar. Assim, é comum receber pacientes tratados sem sucesso durante cinco ou seis anos e aos quais foi indicado consultar um psicólogo ou psiquiatra.

 

OUTROS SINTOMAS DA FIBROMIALGIA

 

Drauzio – Quando a dor está localizada em um único ponto, o que a faz suspeitar de fibromialgia?

Lin Tchie Yeng – A dor é apenas um sintoma e é preciso descobrir suas possíveis causas. Se a pessoa se posiciona mal diante da escrivaninha ou do computador, usa travesseiros inadequados, ou dorme de mau jeito, pode sentir dores no pescoço ou nas costas que tendem a desaparecer quando eliminados os fatores desencadeantes. No entanto, se a dor não melhora ou melhora pouco, é recidivante e não responde de maneira satisfatória aos tratamentos convencionais, médico e paciente devem levantar a possibilidade de um caso de fibromialgia.

Outro indício da doença é existirem, quase sempre, vários pontos dolorosos. Algumas vezes, a dor predomina numa região, mas podem doer todos os músculos do corpo. No exame clínico, o paciente só não se queixa de dor na testa; o resto dói tudo. Além desses, a presença de sintomas como cansaço, falta de energia e ausência de sono reparador deve ser levada em conta para o diagnóstico da doença.

 

ESPECIFICIDADE DO EXAME CLÍNICO

 

Drauzio — Como deve ser o exame clínico de um paciente com suspeita de fibromialgia? 

Lin Tchie Yeng – O primeiro passo é fazer um exame físico e neurológico para afastar a possibilidade de algumas miopatias, problemas neurológicos que podem induzir cansaço e fraqueza muscular. Depois, é feita uma avaliação das estruturas musculares, ósseas e dos ligamentos. Esses exames são fundamentais para descartar outras doenças. Por fim, apalpam-se os 18 pontos dolorosos já mencionados para fechar o diagnóstico. Alguns autores defendem que, havendo de nove a 11 pontos dolorosos, a doença está caracterizada.

 

MULHERES SÃO MAIS VULNERÁVEIS

 

Drauzio – Como explicar que as mulheres representem 90% dos casos da doença?

Lin Tchie Yeng – São várias as razões. O sistema nervoso das mulheres produz menos serotonina e por isso elas também estão mais propensas à depressão. Além disso, por questões hormonais, durante a tensão pré-menstrual, tudo fica mais sensível na mulher. Outro fator repousa na dupla jornada de trabalho feminina. Hoje, as mulheres trabalham fora, mas continuam responsáveis pela execução de tarefas dentro de casa. Sobrecarregadas, pouco tempo lhes sobra para o repouso, o que facilita a incidência maior de dor pelo corpo. Cefaleia e dor nas costas, assim como as manifestações psicossomáticas, também são mais comuns entre as mulheres. Todos esses fatores somados justificam a maior incidência de fibromialgia entre elas.

 

PROCESSAMENTO INADEQUADO DOS ESTÍMULOS AMBIENTAIS

 

Drauzio – Você disse que a fibromialgia não provoca apenas dores musculares. Há alterações de sono e no funcionamento dos intestinos, por exemplo. Essas alterações associadas à dor muscular estão sempre presentes?

Lin Tchie Yeng – Não necessariamente, mas entre 50% e 80% dos casos algumas dessas queixas estão associadas à dor muscular. Na verdade, essas alterações sugerem que não está havendo um processamento adequado dos estímulos dolorosos que vêm do ambiente. A dor piora se vai chover ou faz frio e o estresse também aumenta a vulnerabilidade à dor.

 

Drauzio – Qual é o peso da falta de sono reparador nessa patologia?

Lin Tchie Yeng – Existe uma relação muito próxima entre dor e falta de sono, uma vez que ela é uma das principais causas da alteração do sono e que quem dorme mal fica mais susceptível à dor.

 

LIMIAR MAIS BAIXO DA DOR

 

Drauzio – O mecanismo da dor é absolutamente necessário à sobrevivência e evoluiu para que ela impeça agressões ao funcionamento do corpo. Pode-se dizer, então, que os doentes com fibromialgia têm um limiar mais baixo de dor?

Lin Tchie Yeng – Perfeitamente. Numa pessoa saudável, por exemplo, não geraria desconforto na região lombar ficar sentada por algum tempo numa postura errada, porque o sistema supressor de dor funciona a contento usando endorfinas e a serotonina produzidas pelo organismo.

Para as pessoas com fibromialgia, esses estímulos são processados de forma diferente e, em geral, resultam em dor. Além de o limiar ser mais baixo, o sistema supressor de dor funciona menos.

Sabe-se, atualmente, que nas mulheres existe uma predisposição genética familiar não verificada nos homens. Mulheres com fibromialgia, se pesquisarem em suas famílias, descobrirão parentes próximos com queixas semelhantes de dor pelo corpo. A soma desses fatores é responsável pelos quadros de dor crônica.

 

POSSIBILIDADES DE TRATAMENTO

 

Drauzio – Pessoas com fibromialgia possuem mecanismo do estímulo nervoso alterado e percepção em certas áreas do sistema nervoso central também alterada. Como o tratamento pode equilibrar mecanismos tão diversos e complexos como esses?

Lin Tchie Yeng – Prescrever apenas analgésicos não é o suficiente. O tratamento clássico envolve antidepressivos em doses menores do que as indicadas para a depressão, uma vez que os neurotransmissores da dor e da depressão no sistema nervoso são muito similares ou, às vezes, os mesmos. Quando se receitam esses medicamentos, os pacientes precisam ser informados de suas propriedades específicas para garantir a adesão ao tratamento.

Atividade física também é um elemento importante para melhorar o sistema supressor da dor, pois estimula a sensação de plenitude, conforto e satisfação. 

 

ASSOCIAÇÃO DE MEDICAMENTOS

 

Drauzio – Isoladamente, os anti-inflamatórios cujo uso contínuo acaba apresentando efeitos colaterais indesejáveis não resolvem o problema da dor e por isso devem ser associados aos antidepressivos?

Lin Tchie Yeng – Com o uso exclusivo de anti-inflamatórios, a dor melhora por uns tempos, mas torna a aparecer. No tratamento da fibromialgia, medicação ajuda, mas não é o suficiente. É importante trabalhar com o lado físico e psicológico do paciente. Por isso, os antidepressivos representam uma primeira e conveniente opção. Associados aos analgésicos e anti-inflamatórios, diminuem os sintomas da dor. No entanto, pacientes com fibromialgia ou dores crônicas requerem abordagem multidisciplinar para que o tratamento apresente resultados mais eficientes.

 

Drauzio – Fazer o diagnóstico de fibromialgia e prescrever medicamentos antidepressivos associados a anti-inflamatórios pode ser uma conduta apenas parcial, porque esses pacientes exigem uma abordagem mais ampla. O que você aconselha nesses casos?

Lin Tchie Yeng – Nos casos de espasmos ou tensão muscular, por exemplo, há necessidade de um tratamento específico. Massagens e acupuntura podem ser métodos interessantes, só que não adianta tornar os pontos dolorosos inativos se não forem feitos exercícios de alongamento e para corrigir a postura. Posteriormente, deve ser indicado ainda um programa de condicionamento físico. Todos os trabalhos demonstram que sozinha a medicação, em geral, é insuficiente como medida terapêutica. Ela precisa estar associada a atividades físicas permanentes.

É também importante estar atento às alterações de sono desses pacientes. Os antidepressivos têm a vantagem de regular os períodos de sono. Alguns deles, porém, os mais modernos, devem ser tomados de manhã, porque interferem em determinadas fases do sono o que não acontece com os tricíclicos, como a amitriptilina, que podem ser tomados à noite porque contribuem para o relaxamento muscular e ajudam a dormir.

 

EXECÍCIOS FÍSICOS E ACUPUNTURA

 

Drauzio – Que tipo de exercício físico é mais indicado para esses pacientes?

Lin Tchie Yeng – Todos esses pacientes precisam ser avaliados individualmente. Entretanto, de maneira geral, os exercícios de relaxamento e alongamento são muito importantes, como é importante orientar a postura no trabalho, em repouso, nas atividades de lazer e o condicionamento físico para fortalecer o sistema cardiovascular. Carregar pesos costuma piorar a dor.

Vencida a fase dolorosa, além desse programa de exercícios, os médicos costumam recomendar ioga, hidroginástica e caminhadas.

 

Drauzio – Exercícios de maior impacto como levantamento de pesos, corridas, etc. são desaconselháveis para essas pessoas?

Lin Tchie Yeng – Para essas pessoas que apresentam maior sensibilidade à dor, é melhor indicar exercícios de menor impacto. Hoje, se fala muito em Pilates, um método de trabalho físico que envolve ou não alguns aparelhos. Na verdade, é muito parecido com alongamento global e condicionamento físico. A dança mostrou ser outra atividade interessante para os pacientes atendidos no Hospital das Clínicas. Eles ouvem música e vencem o medo de se mexer e sentir dor. Ali, a receptividade dessas aulas tem sido muito boa, porque os pacientes saem com a cabeça mais leve e o corpo mais relaxado.

 

Drauzio – Acupuntura ajuda nos casos de fibromialgia?

Lin Tchie Yeng – A acupuntura estimula o sistema supressor da dor. Alguns pacientes com fibromialgia, porém, precisam receber um número menor de agulhas, porque são mais sensíveis à dor das picadas.

 

CONTROLE E REMISSÃO DA DOENÇA

 

Drauzio – Fibromialgia é uma doença crônica. Como costuma evoluir no decorrer dos anos?

Lin Tchie Yeng – Alguns trabalhos mostram que o mais importante nessa doença é fazer o diagnóstico. Saber o que tem deixa a pessoa mais tranquila, pois é complicado sentir dores sem nenhuma causa aparente. Como a mídia tem tratado frequentemente do assunto, alguns pacientes se diagnosticam corretamente antes de ir ao médico. Todavia, eles precisam saber que têm uma disfunção de regulação da dor provocada por distúrbios físicos e psicológicos, e precisam aprender a lidar com ela visando à melhora de sua qualidade de vida. Precisam conhecer a proposta de tratamento que inclui medicação e atendimento psicológico e emocional.

 

Drauzio – Alguns doentes ficam curados?

Lin Tchie Yeng – A fibromialgia não é necessariamente uma doença crônica. É como o diabetes e a hipertensão arterial para os quais existe controle dos sintomas. Já foram registrados casos em que houve uma exacerbação da enfermidade por causa de um episódio de estresse agudo. A vida corria tranquila, mas algo aconteceu, quebrou o equilíbrio e veio a crise. Por outro lado, há pacientes que conseguiram a remissão seguindo corretamente o tratamento. Essa remissão, porém, não será definitiva se não houver a correção dos fatores desencadeantes.

 

Drauzio – Então, não há necessidade de manter a medicação indefinidamente como se faz com o diabetes e a hipertensão?

Lin Tchie Yeng – Pacientes que conseguem controlar os fatores que desencadeiam a dor e os que a suprimem podem necessitar de pequena dose de antidepressivos só para estimular o sistema supressor. Aqueles que conseguem manter o equilíbrio com outras atividades podem prescindir desses medicamentos.

É importante lembrar que episódios agudos podem ocorrer esporadicamente, mas isso não significa que tenha havido uma recaída séria. Às vezes, basta corrigir o fator que desencadeou o processo para que o equilíbrio seja retomado.

 

REPERCUSSÕES PSICOLÓGICAS

 

Drauzio – Dores diárias, constantes, acompanhadas de cansaço, mau funcionamento do intestino, sono irregular podem ter repercussões psicológicas sérias. Em que medida a psicoterapia ajuda essas pessoas?

Lin Tchie Yeng – A psicoterapia ajuda a pessoa a entender e reduzir os fatores desencadeantes. Hoje, em vez da psicoterapia clássica muito difundida no Brasil, defende-se a utilização das terapias cognitivo-comportamentais que buscam modificar a percepção do que acontece ao redor e o comportamento. Se o paciente compreender a causa da doença e desenvolver hábitos e comportamentos adequados, saberá lidar melhor com os episódios dolorosos.

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