O tratamento contra a obesidade é considerado clínico, ou seja, é necessário que ocorra a reeducação na forma física, psicológica e nutricional.
Nos últimos anos, a medicina propõe tratar cirurgicamente os casos de obesidade grave, a chamada obesidade grau 3, com o intuito de reduzir a capacidade do estômago e dificultar a absorção de um número exagerado de calorias. Não estamos nos referindo às pessoas que engordaram dez, vinte quilos. Estamos falando daquelas que chegam a pesar 150 kg, 200 kg e correm risco de morte por complicações cardiovasculares, respiratórias, infecções e muitas outras enfermidades.
Do aparelho digestivo fazem parte diversos órgãos com funções especificas: a faringe que comunica a boca com o esôfago, que desemboca no estômago, que é separado do duodeno por uma válvula denominada piloro. O duodeno é a região inicial do intestino delgado (as outras são jejuno e íleo). Depois, vem o intestino grosso que termina no reto e no ânus.
Existem várias intervenções que podem ser feitas no sistema digestivo com o objetivo de reduzir o peso dos obesos grau 3. Uma delas emprega um balão vazio, que é colocado dentro do estômago por via endoscópica. Depois de cheio com solução fisiológica colorida com azul de metileno, ele preenche parte da cavidade estomacal diminuindo o espaço destinado aos alimentos. Essa técnica tem importância relativa porque o balão intragástrico não deve permanecer no estômago mais do que seis meses.
Em 1967, o cirurgião Edward Mason descreveu uma técnica cirúrgica restritiva para a reduzir a capacidade do estômago que consistia em cortar e suturar verticalmente o estômago. Na extremidade inferior da sutura, era colocado um anel. Acima dele sobrava apenas uma pequena porção do órgão para receber os alimentos; todo o resto era transformado num compartimento fora do circuito.
Outra técnica restritiva é a banda gástrica regulável colocada por videolaparoscopia na porção superior do estômago. Numa das extremidades, ela possui um dispositivo que implantado debaixo da pele permite regular o tamanho do estômago.
As operações comuns incluem vários procedimentos de bandas, que restringem a quantidade de comida que entra no estômago, o RYGB, o interruptor duodenal (DS) / GS, ou o BPD. As modificações da função gastrointestinal após estas cirurgias que reduzem o compartimento do estômago, induzem a perda de peso e melhora metabólica. As operações puramente disabsortivas – que retiram grande parte do intestino delgado, atualmente são poucos utilizadas devido suas complicações a longo prazo. As melhores repostas cirúrgicas são com os métodos que associam a técnica restritiva e disabsortiva.
Existem dois tipos de abordagem cirúrgica. A abordagem aberta — aquela em que é feita uma incisão no abdômen — e a videolaparoscópica. Nesta última, é introduzida uma câmera no abdômen a fim de que o médico visualize o procedimento cirúrgico por um monitor, o que permite melhor evolução pós-operatória e rápida recuperação.
O tratamento contra a obesidade é considerado clínico, ou seja, é necessário que ocorra a reeducação na forma física, psicológica e nutricional. Pacientes submetidos ou que vão submeter-se a essas cirurgias necessitam de acompanhamento multidisciplinar cuidadoso.
TRATAMENTO CLÍNICO
Drauzio – Uma pessoa com 200kg precisa ingerir quatro ou cinco mil calorias por dia para manter esse peso, mas deve sentir-se mal e com muitas limitações físicas. Para ela, a cirurgia pode representar a única forma de emagrecer. Como vocês orientam o caso quando ela chega no ambulatório pela primeira vez?
Alessandra Rascovski – Na avaliação inicial, tenta-se localizar algum fator desencadeante que justifique o ganho de peso e que possa ser corrigido sem cirurgia. Portanto, a primeira indicação é o tratamento clínico que inclui orientação alimentar, atividade física, se possível, e uso de medicação. Atualmente, do ponto de vista endocrinológico, desde que bem indicado, medicamentos para emagrecer desempenham papel importante nesse processo e, em muitos casos, podem ser usados cronicamente para manter o peso.
Existem pacientes que respondem bem ao tratamento clínico. Entretanto alguns não conseguem manter um acompanhamento monitorado com a periodicidade adequada, principalmente quando recorrem ao serviço público, e param de tomar o remédio que custa caro e não é oferecido pelo hospital a não ser para os participantes de algum protocolo de estudo.
CONDUTA PRÉ-CIRÚRGICA
Drauzio – Imagine uma pessoa com excesso de peso que não tenha respondido ao tratamento clínico e seja candidata à cirurgia. Quais são os passos que antecedem o procedimento cirúrgico?
Alessandra Rascovski – O primeiro passo é orientá-la a respeito da restrição alimentar a que se submeterá depois de operada. O segundo é fazer uma avaliação psicologia e psiquiátrica cuidadosa. Pacientes com obesidade grau 3 apresentam prevalência maior, por exemplo, de depressão e não vão melhorar com a cirurgia. Por outro lado, muitas vezes, a compulsão alimentar está relacionada com um distúrbio químico de base que precisa ser tratado logo. Regular a química cerebral a fim de melhorar o humor, a depressão ou compulsividade é fundamental no acompanhamento desses pacientes.
Em geral, nossa postura é não contra-indicar a cirurgia porque a pessoa pode estar deprimida por causa do excesso de peso que a impede de viver normalmente, mas ela será observada mais de perto do que outra sem quadros depressivos.
O mais surpreendente é que, às vezes, recebo pacientes com complicações no pós-operatório que comprometeram sua qualidade de vida e lhes pergunto: “Você se arrependeu de ter feito a cirurgia?”. Nunca escutei um não.
INFORMAÇÕES AO PACIENTE
Drauzio – Sempre fico curioso em saber como reage a pessoa capaz de comer três pratos de feijoada diante do que poderá comer depois da cirurgia. Como vocês lhe explicam isso?
Alessandra Rascovski – Nós lhe mostramos o copinho que servirá de medida para suas refeições. O interessante, porém, é a rede de comunicação que se estabelece entre esses pacientes. Há uma troca permanente de informações. Quem já foi operado passa dados, relata as experiências. Muitos dizem que fica mais fácil comer menos porque perderam a fome. Na verdade, o que muda é o padrão da vontade de comer. Nós mesmos da equipe médica aprendemos muito com eles, porque a cirurgia da obesidade é um procedimento novo, tem apenas 25 anos aqui no Brasil.
Emagrecer 20kg com dieta, exercícios e medicação exige disciplina, assim como exige disciplina o pós-operatório da cirurgia da obesidade, mas essas pessoas têm sempre a perspectiva de melhorar a qualidade de vida.
AÇÃO DA ADRENALINA
Drauzio – Por que as pessoas emagrecem, mas voltam a ganhar peso?
Alessandra Rascovski — Menos de 20% dos adultos que perdem peso são capazes de manter uma redução de 10% do peso inicial por no mínimo 1 ano. 1/3 dos que emagreceram, tendem a retornar ao peso dentro do 1° ano e a maioria reganha em 3 a 5 anos, ou seja, após cinco anos de peso mantido, diminui muito a chance de voltar a ser gordinho. Se o peso é mantida por 2 anos, o risco de reganho fica em torno de 50%. Há algum tempo foi descrito que a grelina, um hormônio produzido nas células do estômago, tem a capacidade de regular a vontade de comer e a sensação de saciedade no cérebro. Como o nível desse hormônio sobe antes das refeições e cai depois que nos alimentamos, é como se sinalizasse – Pronto! Acabou a fome!
No entanto, os estudos mostram que nos pacientes que emagreciam com dieta, a grelina não mantém esse padrão de funcionamento. É como se o organismo desenvolvesse um mecanismo recuperar o peso perdido. Por isso, é frequente encontrar pessoas que emagreceram muito e voltaram a engordar muito.
Temos, também, o papel da insulina e leptina é mais complexo já que refletem os estoques de gordura só quando há balanço energético. Quando o desbalanço ocorre, leptina e insulina refletem o estado metabólico (anabolismo ou catabolismo) do tecido adiposo, ou seja, se ele vai depositar ou mobilizar energia. Quando se super alimenta novamente, leptina e insulina aumentam conforme o peso é ganho. Contudo, quando se permite comer a vontade após a dieta, tanto leptina, quanto insulina sobem muito mais rápido do que quando o excesso de peso foi perdido.
Drauzio — O cérebro entende que a perda de peso é uma ameaça para a integridade do organismo. Por que nas pessoas que fizeram cirurgia a fome diminui?
Alessandra Rascovski – Especialmente nas cirurgias restritivas, a diminuição da fome é um efeito comum. Segundo o estudo que já mencionei, isso acontece porque a produção de grelina cai para níveis anormais e perde a capacidade de regulação, o que se transforma num mecanismo eficaz para manter o peso.
NUTRIÇÃO DEPOIS DA CIRURGIA
Drauzio – O doente foi preparado para a cirurgia e operado. Daí em diante, como é orientada sua nutrição?
Alessandra Rascovski – No primeiro dia depois da cirurgia, o paciente é mantido no soro. No dia seguinte e durante uma semana inteira, ingere uma xicrinha de café (entre 30mL e 50mL) de líquidos como água, água de coco, gelatina diet. Na segunda semana, são introduzidos suquinhos coados, livres de qualquer resíduo. Na terceira e quarta semanas, dependendo da aceitação, acrescentam-se caldo de carne e uma sopa de legumes muito rala, aguada mesmo, como se fosse preparada para um bebê.
No final do primeiro mês, são liberados alimentos de consistência pastosa e o paciente é orientado a testar como os aceita. Quando passa para a alimentos sólidos, tudo deve ser bem picado e os volumes muito pequenos. Qualquer exagero provoca sintomas limitadores da alimentação: ânsia de vômito, engasgo, mal-estar.
Drauzio – O que acontece com a pessoa que comia três pratos de feijoada, bebia uma cerveja e tomava um pote de sorvete quando tem que se contentar com um cálice de sopa?
Alessandra Rascovski – No início, o processo é eufórico e estimulante, mesmo porque a sensação de fraqueza, tontura e cansaço só aparecem depois do terceiro, quarto ou quinto mês. Além disso, vale lembrar que esses pacientes têm reservas muito boas.
Drauzio – Eles conseguem trabalhar nessa fase?
Alessandra Rascovski – No primeiro mês, não. Aliás, muitos já não trabalhavam impedidos pela limitação social e física que o excesso de peso representava. A partir do segundo mês, vão retomando as atividades e, depois do sexto, são estimulados a praticar atividade física.
NOVOS HÁBITOS ALIMENTARES
Drauzio – O que é possível comer quando o estômago fica reduzido a um tamanho tão pequeno?
Alessandra Rascovski – Os pacientes submetidos a cirurgias restritivas precisam reaprender a alimentar-se. A técnica cirúrgica se chama restritiva porque, reduzindo o tamanho do estômago, diminui a quantidade de comida que eles conseguem ingerir. Se forçarem, sentirão ânsia de vômito, mal-estar, empachamento e, às vezes, dor. Num primeiro momento do pós-operatório, são oferecidos só líquidos. Depois, a alimentação vai se tornando pastosa e, por último, são permitidos alimentos sólidos, o equivalente a uma xicrinha de café. Como o estômago é uma câmara que se distende com o tempo, sua capacidade aumenta um pouquinho, para o dobro talvez.
Drauzio – Seria uns 100 mL?
Alessandra Rascovski – Embora não se consiga mensurar exatamente, o certo é que varia muito a capacidade alimentar de cada paciente. Há os que falam – Como uma colherinha de arroz e só depois de três horas consigo comer um pedacinho de frango ou um ovo.
No entanto, dados obtidos no ambulatório do Hospital das Clínicas e que coincidem com os registrados na literatura médica indicam que certas limitações se manifestam em mais ou menos 60% dos pacientes, por exemplo, a intolerância à carne. Isso implica complicadores: a deficiência de vitaminas em geral, da vitamina B12 , de cálcio e de ferro pela carência de alimentação e como resultado da técnica cirúrgica que exclui do circuito um pedaço do estômago, o duodeno e uma porção do jejuno. Felizmente, há maneiras de compensar esse déficit.
Esse tipo de tratamento para emagrecer tem um cunho meio mágico. Independentemente do que a pessoa faça, no primeiro ano depois da cirurgia, vai emagrecer, só que pode emagrecer bem ou mal.
Drauzio – O que significa emagrecer bem ou mal?
Alessandra Rascovski – Costumamos dizer que as pessoas passam por um processo de desnutrição assistida depois da cirurgia. No passado, elas eram acompanhadas só pelo cirurgião, que tem um enfoque diferente do médico clínico. O fato de perderem cabelo até o sétimo mês do pós-operatório era considerado absolutamente natural e previsível. Hoje, isso não acontece mais, porque a deficiência nutricional é corrigida pela alimentação e pela reposição de vitaminas.
Drauzio – As pessoas emagrecem muito depois da cirurgia?
Alessandra Rascovski – Elas perdem 40% do peso total no primeiro ano. A estimativa é que uma pessoa com 200 kg perca 80 kg. No segundo ano, pode ocorrer um pequeno ganho de peso e é isso que o médico e os pacientes mais temem. Acompanhamento mais a longo prazo mostra que 25% deles ganham peso novamente. Não que voltem aos níveis anteriores. No entanto, se a pessoa chegou aos 100 kg, mas voltou a pesar 140 kg ou 150 kg, deixou de usufruir os benefícios que o emagrecimento tinha trazido para sua saúde, como o controle da pressão arterial ou do diabetes.
Veja também: Cirurgia bariátrica no controle do diabetes
COMPORTAMENTOS COMPULSIVOS
Drauzio – Nos primeiros meses, qual a média de calorias que o paciente consegue ingerir?
Alessandra Rascovski – Em média, quando começam a realimentar-se com comida normal, esses pacientes ingerem 600 kcal por dia, muito menos do que as 10.000 kcal que alguns estavam acostumados a comer. Do sexto mês em diante, passam para 1200 kcal/1500 kcal diárias. Essa é uma fase em que pode surgir um problema sério: a ingestão de álcool e de doces. Doce desce fácil, apesar de na cirurgia de Capela (a comida passa direto do estômago para o intestino) provocar um sintoma terrível chamado dumping que se caracteriza por mal-estar muito grande, taquicardia, sudorese e sensação de morte iminente. Costumamos brincar que se trata de um efeito colateral bem-vindo porque funciona como limitador para a ingestão de doces, pois muitos pacientes compulsivos comiam latas e latas de leite condensado. Não se sabe por que, porém, em alguns esse efeito não se manifesta.
Em relação ao álcool, as coisas ocorrem de outra maneira. Os pacientes são orientados para não beber líquido junto com a comida para não ocupar espaço no estômago. O que acontece, então? Alguns começam a ingerir álcool nos intervalos, em volumes menores, mas com mais constância e desenvolvem dependência. A compulsão que tinham por comer desviam para a bebida.
É importante registrar que alguns pacientes transferem essa compulsão para as compras. No Hospital das Clínicas, encontro pessoas de baixo poder aquisitivo que desestruturam o orçamento familiar porque compram, não importa o que, compulsivamente. Por isso, é preciso permanecer alerta ao acompanhar esses pacientes.
COMPLICAÇÕES
Drauzio – Quais são as complicações que essas cirurgias podem provocar?
Alessandra Rascovski – Antes de falar das complicações, é preciso relembrar a avaliação do estado geral do paciente candidato à cirurgia no pré-operatório. São feitos exames clínicos e laboratoriais para diagnosticar possíveis casos de diabetes, alterações do colesterol, hipertensão ou deficiência de ferro e cálcio e encaminhar para tratamento previamente. Mulher na menopausa com osteoporose grave não pode ser tratada da mesma maneira que outra sem o problema.
Pedem-se também exames de imagem (raios X de tórax e ecocardiograma) porque, às vezes, o paciente já é portador de insuficiência cardíaca ou relaxamento do músculo cardíaco. Outro exame importante é a endoscopia digestiva para pesquisa do Helicobacter pylori, uma bactéria transmitida pela água ou por verduras mal lavadas. Essa bactéria acomete 70%, 80% dos obesos mais graves.
Embora não haja consenso sobre a conduta no Hospital das Clínicas, para as pessoas com peso normal o tratamento só é indicado nos casos de úlcera, mas precisa ser prescrito para pacientes que serão submetidos à cirurgia, porque parte do estômago ficará de difícil acesso para exame endoscópico. A pesquisa dessa bactéria é repetida no pós-operatório.
Outro problema é o cálculo de vesícula. A perda rápida de peso, faz cair a motilidade da vesícula e a secreção fica mais espessa o que propicia a formação de cálculos. Por isso, alguns cirurgiões optam por extrair a vesícula preventivamente no ato cirúrgico para evitar crises de colicistite aguda, um quadro infeccioso grave.
CIRURGIAS COMPLEMENTARES
Drauzio – Nas pessoas que perderam 40% do peso corpóreo, haverá sempre sobras de tecido. Como se resolve esse problema?
Alessandra Rascovski – Essas pessoas são encaminhadas para cirurgias plásticas, depois de um ano, um ano e meio em que mantiveram o novo patamar de peso. Às vezes, só com a retirada da pele que sobrou no abdômen e que chega até o joelho, perdem mais três ou quatro quilos. Braços, coxas e mamas também devem ser reconstruídos para que possam aproveitar todos os benefícios que lhe trouxe o emagrecimento.