Medicamentos para asma | Entrevista

Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas. Falta de ar, chiado no peito e cansaço  são sintomas característicos da doença.

Daniel Deheinzelin é médico pneumologista e integra o corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês. postou em Entrevistas

Bombinha de asma e potes de comprimidos sobre uma mesa.

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Publicado em: 10 de dezembro de 2011

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Leia entrevista sobre medicamentos para asma — como os corticoides, que geram muitas dúvidas no paciente — e efeitos do estresse e da poluição sobre a doença.

 

Asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas. Falta de ar, chiado no peito e cansaço  são sintomas característicos da doença. Apesar de ainda não se conhecer a cura  definitiva para a asma, é possível controlar as crises e levar vida normal, desde que o paciente receba o tratamento adequado.

 

DIFERENÇA ENTRE ASMA E BRONQUITE

 

Drauzio — Em certos aspectos, asma e bronquite provocam sintomas semelhantes. Qual a diferença básica entre bronquite e asma?

Daniel Deheinzelin — Do ponto de vista clínico, existe uma certa sobreposição de sintomas. A característica  básica da asma é ser uma doença que se manifesta em forma de  crises  provocadas por broncoconstrição, isto é, pelo fechamento das vias aéreas por inflamação  e contração da musculatura. Nos episódios de asma, o mal-estar é passageiro e, vencida a crise, a pessoa volta absolutamente ao normal. Já a  bronquite se distingue pela ocorrência de tosse produtiva crônica, com catarro, por mais de três meses num ano, durante dois anos consecutivos.

 

Veja também: Entrevista do nadador Cesar Cielo, portador de asma, ao dr. Drauzio

 

A confusão existe porque bronquite crônica também pode ocasionar broncoconstrição, que dificulta a respiração e produz sintomas semelhantes aos da asma como  falta de ar e  chiado.  A diferença fundamental, porém, é que a crise asmática é reversível. Às vezes, passa espontaneamente, embora sempre demande cuidados.  Para o controle da doença, existem dois tipos de tratamento:  o indicado para a manifestação aguda, o ataque de asma, e o tratamento de manutenção.

 

Drauzio — A asma é uma doença hereditária?

Daniel Deheinzelin — Provavelmente, a asma seja uma doença hereditária. Há estudos recentes apontando para os  genes da asma, apesar de não  se conhecer, ainda, sua capacidade de penetração. Parece certo, porém, não se tratar de um único gene e  possuí-lo não significa que a pessoa ficará doente. No entanto, se um dos pais for asmático, a probabilidade de o filho ser portador da doença aumenta. Se os dois forem asmáticos, esse risco cresce consideravelmente.

É preciso dizer que a herança genética não é a única causa responsável pelo aparecimento da doença. Continuada  exposição a certos fatores ambientais pode desencadear a crise. É o caso, por exemplo, das poeiras orgânicas,  dos resíduos de madeira, do feno e  de outras forrageiras usadas para alimentar gado. Nessas circunstâncias, porém,  trata-se de um tipo diferente de asma cuja crise é deflagrada por um mecanismo  semelhante ao das alergias de pele.

Sempre é válido repetir que existe distinção entre  asma alérgica, ou  extrínseca, e asma associada a características  individuais.  Exemplificando: há pessoas que entram em  crise quando fazem exercícios físicos e a respiração acelera. Ora, ninguém é alérgico a exercícios, logo  essas pessoas  demonstram maior predisposição  para  contrair a  doença. São hiperreativas.

E o que é hiperreatividade?  Todos nós, dependendo do estímulo,  vamos  apresentar fechamento dos brônquios,  porque esse é um mecanismo de defesa  natural do organismo que  impede a entrada de substâncias tóxicas nos pulmões. No asmático, essa reação é exagerada. Qualquer estímulo, que os outros nem notariam, neles detona  broncoespasmo e reação inflamatória. A hiperreatividade pode ser específica ou não, e  nisso se baseará o diagnóstico para classificar o tipo de asma.

 

EFEITOS DA POLUIÇÃO SOBRE A ASMA

 

Drauzio — Qual o peso da   poluição em doenças como a asma? Quando se fala em poluição, em geral estamos nos referindo à poluição química das grandes cidades. E a poluição do interior, das estradas poeirentas, também é prejudicial?

Daniel Deheinzelin — A poluição é um dos fatores que acionam o gatilho da asma. Existe, todavia, notável diferença entre poluição particulada e poluição gasosa. Quando o carro trafega por uma estrada sem pavimentação, levanta uma nuvem de poeira que sobrecarrega o ar com particulados cuja tendência é permanecer nos cílios maiores do sistema respiratório e não chegar aos pulmões. Isso não é poluição e não prejudica a saúde. Nas grandes cidades, porém, a poluição resulta da mistura de gases nocivos e de particulados, como a fuligem, resultantes ambos da combustão inadequada de certas substâncias. Como a exposição repetida  a tais  elementos  agride  o organismo,  essa poluição faz mal.

 

Drauzio — Sendo a asma uma doença crônica, que estilo de vida as pessoas devem adotar para evitar a repetição das crises?

Daniel Deheinzelin — Embora todos estejam empenhados em buscar a cura para a asma, não  se conhecem remédios capazes de combatê-la definitivamente. Enquanto isso não acontece, é preciso:

1. Aprender a conviver com a doença. Tratamentos alternativos não funcionam como panaceia universal, apesar do alarde a respeito;

2. Identificar quais são os fatores de risco para desencadear as crises e tentar evitá-los ao máximo. Todos sabem que poeira doméstica, pelos de animal, perfumes fortes, cheiro de certos produtos de limpeza induzem crises mais frequentes  nos asmáticos. Evitá-los pode ter o mesmo efeito dos medicamentos alopáticos no controle da doença, apesar de a característica de hiperreatividade permanecer inalterada;

3. Saber que toda crise requer cuidados imediatos para que não evolua, o que torna mais fácil controlá-la. Jamais se esqueça de que a asma é potencialmente fatal: quanto mais tarde  o tratamento tiver início, piores serão  os resultados. Se a pessoa já recebeu orientações médicas, deve usar o broncodilatador, procurar a provável causa desencadeante e afastar-se dela. É indispensável estar alerta para reconhecer  a gravidade da crise. Se ela desaparecer com o uso da bombinha ou do xarope, não há motivo para maiores preocupações. Se persistir e piorar, exige tratamento específico  com anti-inflamatórios derivados da cortisona.

 

MEDICAMENTOS PARA ASMA À BASE DE CORTISONA

 

Drauzio — Há pacientes que se recusam a tomar cortisona, alegando que ela  mais prejudica do que ajuda. Essa crítica procede?

Daniel Deheinzelin — A cortisona é o medicamento mais eficaz para controlar a crise de asma, mas deve ser usada criteriosamente, em baixas doses por curto período de tempo. Não representa  problema maior quem foge desse remédio. Causam preocupação os que o consideram perfeito para  evitar as crises, exageram nas doses e com isso se expõem mais a seus indesejáveis efeitos adversos. Nunca é demais repetir: cortisona só deve ser usada sob orientação médica e em quantidade e tempo absolutamente controlados.

Na prática, cortisona é a segunda medicação que se indica. Primeiro, tenta-se o broncodilatador, as famosas bombinhas que todo asmático conhece.  Se a  resposta não for satisfatória, entra-se com o corticoide. Atualmente, existem derivados da cortisona com menores efeitos colaterais e resultados excelentes.  Sob a forma de spray, eliminam as doses por via oral e, inalados, agem diretamente nos pulmões.

 

O USO DAS BOMBINHAS PARA ASMA

 

Drauzio — Sobre medicamentos para asma, muita gente afirma que usar bombinha com frequência vicia e há quem  relate casos de morte associados a seu uso. Isso realmente acontece?

Daniel Deheinzelin — Bombinha não vicia, mas as pessoas  acreditam nisso, porque seu uso pode não apresentar  o efeito esperado. O problema não está na bombinha, está na própria da doença: além do espasmo provocado pela contratura muscular, existe um processo inflamatório que requer tratamento específico, em geral,  com cortisona. Estudos realizados no Hospital das Clínicas de São Paulo demonstraram que 80% dos pacientes não sabem como manejar a bombinha corretamente e, às vezes, insistem em utilizá-la no momento errado, quando deveriam estar recebendo outro tipo de medicação.

Além disso, há remédios indicados para a prevenção da crise asmática  que nenhum efeito exercem na hora em que ela se manifesta.  Como consequência, a crise não regride e a pessoa pode morrer usando a bombinha, que leva a má fama, embora ainda represente a melhor solução  para administrar remédios contra a asma.

 

Drauzio — Qual seria, então, técnica correta de manuseio da bombinha?

Daniel Deheinzelin — É preciso usar o fluxo da bombinha para fazer o remédio chegar ao pulmão. A técnica correta é utilizar a boca como câmara de nebulização. O aparelho deve ser colocado a mais ou menos dois dedos de distância da boca aberta. A seguir, solta-se todo o ar dos pulmões, dispara-se a bombinha, respira-se fundo e devagar, prendendo o ar nos pulmões para dar tempo de o líquido impregnar os tecidos. Repete-se a operação seguindo os mesmos passos. Atenção, porém, muita atenção: se não houver melhora no prazo de uma hora, é indispensável procurar atendimento médico urgente para descobrir o real motivo da crise.

 

INFLUÊNCIA DE FATORES PSICOLÓGICOS SOBRE A ASMA

 

Drauzio — Há algo que ajude a prevenir ataques de asma? Natação, por exemplo, ajuda?

Daniel Deheinzelin — Nadar ajuda, uma vez que é um exercício que favorece o desenvolvimento da musculatura. Como a asma impõe resistência à entrada e saída do ar, o esforço para respirar acaba sendo maior. Com a musculatura fortalecida, o paciente suporta melhor a crise.

Não está cientificamente comprovado que praticar natação ajude a  diminuir a frequência das  crises, mas o asmático, em geral mais retraído, adquire segurança ao perceber que é  capaz de realizar  atividades para as quais se considerava incapaz. Talvez a natação reforce a autoconfiança, o que não é desprezível.

Não está provado, mas seguramente existe um fator psíquico ligado ao surgimento da crise. Havendo uma predisposição orgânica,  estados de grande ansiedade podem acionar o gatilho. É importantíssimo  deixar claro, porém, que situações de tensão podem desencadear crises, mas a asma não é uma doença psicossomática isolada, não é apenas uma manifestação. Por isso, é injusto atribuir ao paciente culpa e responsabilidade por ter recebido um gene errado. Não existe asmático no mundo que desenvolva a doença por mecanismo psicológico, para agredir os outros.

 

Drauzio — Um caso de asma na família cria muita ansiedade. Como orientar os familiares?

Daniel Deheinzelin –– Cria muita ansiedade, e a família precisa de esclarecimentos sobre a doença, suas causas, reversibilidade e tratamento. Precisa saber  reconhecer a gravidade de certos sintomas para procurar atendimento médico depressa, pois é comum o paciente não perceber que corre perigo. Por exemplo, o paciente necessita de socorro urgente se está com dificuldade respiratória, não consegue falar direito, ou para respirar usa a musculatura acessória, isto é, os músculos do pescoço, tem batimento das asas do nariz, ritmo cardíaco acelerado, sudorese abundante.

Além disso, como processos alérgicos podem desencadear crises, na casa de um asmático são desaconselháveis  objetos que acumulem poeira, como tapetes, carpetes e cortinas, o uso de produtos com cheiro forte e a presença de animais que soltem pelos. Panos úmidos podem substituir vassouras, espanadores e flanelas  na limpeza do ambiente.

 

RECOMENDAÇÕES PARA ASMÁTICOS

 

Drauzio — Sintetizando: que recomendações você faria  para os asmáticos?

Daniel Deheinzelin — Basicamente são as seguintes:

1) A asma não tem cura. É preciso aprender a conviver com a doença que tem algumas características gerais, mas muitas características individuais. Fique atento e tente identificá-las prontamente. Portanto,

2) Aprenda a usar corretamente os remédios. Não tenha medo deles, mas não os utilize sem orientação médica. Tanto as bombinhas quanto os corticoides, na medida e hora certas, ajudam a controlar a crise;

 

Veja também: Esportes podem ajudar a prevenir crises de asma

 

3) Identifique os fatores ambientais que promovem o aparecimento das crises e afaste-se deles o máximo que puder;

4) Procure levar uma vida absolutamente normal. Ter asma não impede ninguém de levar vida normal, desde que a pessoa saiba reconhecer e controlar sua doença;

5) Não fume sob nenhum pretexto. O cigarro é um veneno também para os pacientes com asma.

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