Os riscos do uso do cigarro eletrônico são ignorados por jovens que acreditam que o dispositivo não faz tão mal à saúde quanto o cigarro convencional.
Descontada a escravidão, o cigarro é o maior crime já praticado pelo capitalismo internacional.
Ele nada mais é do que um dispositivo projetado para administrar nicotina, droga que causa a mais escravizadora das dependências químicas. A experiência clínica em cadeias tem me ensinado que é mais fácil largar do crack. Não é à toa que cerca de 20% da população mundial caíram nas garras dos fornecedores: em sua maioria empresas multinacionais que fabricam 6 trilhões de cigarros por ano.
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Tamanho sucesso de público é explicado pelo fato de que, 15 segundos depois de uma tragada, cerca de 25% da nicotina chega aos neurônios dos centros de recompensa do cérebro. Está provado que, quanto mais rápido o pico de ação de uma substância psicoativa, maior é o risco de dependência.
Causador de grande número de doenças graves, o cigarro causa cerca de 6 milhões de mortes por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Se somarmos a esse contingente de desafortunados os que conseguem parar, entenderemos por que a indústria do tabaco adota estratégias de marketing tão perversas: a necessidade de repor a clientela perdida. À custa de quem? Das crianças e dos adolescentes – os mais vulneráveis -, um em cada três dos quais irá sofrer e morrer por causa do fumo.
Por essa razão, a OMS classificou o tabagismo “no grupo dos transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substâncias psicoativas”. Razão pela qual deve ser “considerado como doença crônica e epidêmica, transmitida por meio da publicidade e propaganda nas quais a indústria do tabaco exerce o papel de vetor”.
Neste momento, a Anvisa sofre o impacto do lobby milionário da indústria tabaqueira para liberar a comercialização dos eletrônicos. O parecer do corpo técnico da agência é contrário.
A partir dos anos 1990, a prevalência do fumo, no Brasil, caiu de forma sustentada. Em minha adolescência, cerca de 60% dos rapazes fumavam (inclusive este que vos escreve); hoje, a prevalência entre nós está abaixo de 10%. Fumamos menos do que os norte-americanos e do que em todos os países da Europa, resultado inimaginável no passado, obtido numa população bem menos letrada do que a europeia e a americana.
Com muito esforço, conseguimos destruir a imagem fake do cigarro que a publicidade construiu durante décadas, com recursos imorais. Ele deixou de estar associado ao sucesso de homens maduros, a caubóis indômitos, aos esportes radicais e às mulheres lindas e livres, para ficar reduzido ao que realmente é: um vício chinfrim, que dá mau hálito, mau cheiro no corpo, acessos de tosse com expectoração acinzentada, além de deixar a pele envelhecida e o rosto com aparência doentia.
Sempre atenta à queda nas vendas, a indústria foi atrás dos dispositivos eletrônicos para administração de nicotina, droga que fez a fortuna das grandes companhias. O pretexto era o da redução de danos: seria melhor fumar a nicotina “limpa” retirada das folhas do fumo, sem o alcatrão e demais impurezas do amaldiçoado cigarro.
Passaram, então, a defender os eletrônicos como tratamento para os que pretendem se livrar do fumo. Que gente generosa, não? Propõem disponibilizar um dispositivo para curar você da doença provocada por outro, fabricado por eles mesmos.
A verdade é que a tal redução de danos nunca foi comprovada no caso dos eletrônicos. Há pouquíssimos estudos publicados; os existentes são de baixa consistência e contém erros metodológicos graves. Da mesma forma, dizer que não fazem mal é negar as evidências científicas em contrário.
No outro lado da moeda, reside o vil interesse da indústria: a legião de crianças e adolescentes da geração que não fumaria cigarros comuns, mas que adere aos eletrônicos por julgá-los seguros. Para os fabricantes, tanto faz qual dos dois o usuário prefere, desde que fique dependente de nicotina pelo resto da vida. É à custa da dependência química dos nossos filhos e netos que essa gente faz dinheiro.
Neste momento, a Anvisa sofre o impacto do lobby milionário da indústria tabaqueira para liberar a comercialização dos eletrônicos. O parecer do corpo técnico da agência é contrário. Sugere a implementação de campanhas educativas para conscientizar crianças e adolescentes sobre os riscos dos eletrônicos, entre outras medidas preventivas.
Seria um ato inconsequente da nossa Anvisa a liberação dos eletrônicos, sem levar em conta o incentivo para criar uma multidão de crianças e jovens fissurados por nicotina. Vamos andar para trás também nessa área?