O uso de anfetaminas para emagrecer leva a uma série de consequências não relacionadas ao peso. Conheça a partir de uma história pessoal.
Anfetaminas eram usadas inicialmente como drogas para manter soldados mais despertos durante a Segunda Guerra Mundial. Esse uso ainda é corrente, principalmente por profissionais que passam por longas jornadas que requerem atenção, como é o caso dos caminhoneiros, por exemplo.
Quando comprovou-se que outro efeito da substância era inibir o apetite, foi um pulo para que ela começasse a ser usada para perda de peso. O problema é que anfetaminas têm uma série de efeitos colaterais que podem ser graves. Veja o relato de uma mulher que fez uso da substância para emagrecer.
Drauzio – Por que você começou a tomar anfetaminas?
Patrícia Rocco – Porque me achava gorda. Hoje, pegando fotos antigas, vejo que não era. Acontece que fui fazer um cursinho para modelo – naquela época, eles estavam muito em moda – e o professor exigiu que eu emagrecesse. Segundo seus cálculos, quem media 1,58 cm, deveria pesar 48 kg. Como eu, aos 11 anos, já pesava 58 kg, o único jeito que encontrei para emagrecer foi tomar anfetaminas.
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No começo, minha mãe até me incentivou a seguir esse caminho. Ela mesma já tinha usado anfetaminas e achava que essa era a maneira mais fácil e mais rápida de emagrecer. Por isso, me levou a um endocrinologista que prescreveu a medicação.
Drauzio – O que você sentiu quando começou tomar anfetaminas tão jovem ainda?
Patrícia Rocco – No início, senti algum desconforto físico, boca seca, palpitação, mas não julguei que fossem efeitos colaterais graves. Na bula do remédio, estava escrito que poderiam aparecer. Por outro lado, eles se confundiam com os sintomas das mudanças que ocorrem normalmente na adolescência.
Notei, porém, que estava ficando antissocial. Até então, tinha sido sempre a primeira da classe. Líder dentro da escola, exercia inúmeras atividades no grêmio estudantil e participava de congressos, porque tinha a intenção de cursar Direito e Pedagogia. De repente, fui perdendo a vontade de continuar agindo assim. Eu queria ficar quieta num canto, sem ninguém que me incomodasse por perto.
Drauzio – Nessa fase, você emagreceu?
Patrícia Rocco – No começo, emagreci bastante. Cheguei a pesar os 48 kg que o professor queria, mas fiquei muito abatida. Depois de algum tempo, porém, comecei a engordar de novo, mesmo tomando o remédio.
Drauzio – Como você reagia ao aumento de peso?
Patrícia Rocco – Eu mudava de médico, porque tinha vergonha de não conseguir fazer as dietas que eles mandavam: duas colheres de arroz, uma de feijão, um bifinho na chapa, no almoço, outro no jantar, e duas bolachas de água e sal pela manhã. Eu nunca comi pouco assim, por isso achava que o problema era a minha incompetência em seguir o regime e não o remédio. Quando questionava o médico a respeito, ele dizia que o remédio era só para me ajudar a fazer a minha parte, mas eu não conseguia fazer a minha parte, e acabava procurando outro médico. Só depois de muito tempo nessa peregrinação me dei conta de que todas as vezes que me dirigia a um novo médico estava maior, mais pesada.
Drauzio – A anfetamina tem uma ação excitante, que dura algumas horas. Depois, vem o efeito rebote, depressivo. Você sentia essa variação?
Patrícia Rocco – Sentia. Os momentos de euforia eu não percebia tanto, talvez porque fossem curtos. Agora, de alguns momentos de depressão me recordo até hoje. Lembro que, quando completei 16 anos, no dia do meu aniversário, pensei em suicídio. O fato de algumas pessoas que considerava muito não estarem presentes representou para mim um sinal de extrema rejeição e fui me desligando cada vez mais.
Minha família achava que era estresse: “Você está se desgastando, porque inventa muita coisa ao mesmo tempo. Ainda mais agora, com a preocupação do vestibular”. Nada explicava, porém, o sentimento tão forte de incompetência e insegurança que tomava conta de mim. Para o senhor ter uma ideia, entrei na USP, em sétimo lugar, sem cursinho, aos 17 anos e só me formei oito anos mais tarde, porque eu patinava, patinava sempre no mesmo lugar.
Drauzio – Você atribui esse comportamento ao uso das anfetaminas?
Patrícia Rocco – Atribuo, porque chegou o momento em que não dei mais conta do estudo. Não sei o que fazia do meu tempo e comecei a ficar muito atrapalhada. Lembro que, ao receber o convite de um professor para fazer pós-graduação, não acreditei que tivesse capacidade para enfrentar o desafio, nem tive coragem de arriscar. Afinal, se não desse certo, eu poderia tentar outra coisa, mas o medo era tanto que eu me sentia emburrecendo, sem forças para me desenvolver como sempre tinha feito antes.
Drauzio – Você tinha déficit de memória?
Patrícia Rocco – Não, minha memória sempre foi muito boa. Tinha dificuldade de concentração. Até hoje não me concentro direito. Noto que levo mais tempo para completar o serviço do que meus colegas. Ainda tenho dificuldade para dar prosseguimento ao meu trabalho.
Drauzio – Você usou anfetaminas dos 16 aos 30 anos porque queria emagrecer. O que a fez decidir que tinha chegado a hora de abandoná-las ?
Patrícia Rocco – Foram os efeitos colaterais que eu não suportava mais. O que mais me doía era falta de concentração e ver o meu retrocesso profissional, porque não exerço nenhuma das profissões para as quais me formei. Fui ficando tão insegura e com tamanho sentimento de incompetência que tinha a sensação de que estava andando para trás.
Gostaria de dizer que, se nunca consultei endocrinologistas sem colher antes referências, também nunca passei por um que realmente me examinasse. Eu saía da primeira consulta já com a receita de uma fórmula na mão. Apesar de me pedirem a bateria de exames de praxe, só se inteiravam dos resultados quando eu voltava para pegar nova receita da fórmula. Aí, davam aquela passadinha de olho, diziam que estava tudo bem e, se eu reclamava de algum efeito colateral – “Estou ansiosa, irritada, dando murro em ponta de faca” –, aumentavam a dose do tranquilizante. Se me queixava de que não estava emagrecendo, aumentavam o hormônio da tireoide. E eu ia tomando aqueles coquetéis malucos até ficar completamente apática. Por sorte, acabei indo a um clínico geral que desconfiou do que estava realmente acontecendo. Ele e um acupunturista de renome em São Paulo.
Drauzio – O que mudou na sua vida, quando deixou de tomar as fórmulas? Teve algum sinal de dependência?
Patrícia Rocco – No começo, senti medo de engordar e, muitas vezes, me perguntei se estava fazendo a coisa certa. Nessa época, encontrei muita gente que me incentivava a continuar tomando as fórmulas.
Particularmente, senti dó ao abandonar a última fórmula que tomei, porque eu emagrecia rápido, mesmo comendo besteira. Lembro que em 15 dias perdi 3kg apesar de ter comido trufas. Que coisa maravilhosa! Emagrecer comendo doce era tudo o que eu queria.
Drauzio – Que diferença existe entre a Patrícia de hoje e aquela que tomava anfetamina para emagrecer?
Patrícia Rocco – Hoje, não tomo anfetaminas nem que me paguem. Não tomo de jeito nenhum. Está claro que os resultados da reeducação alimentar são demorados, mas o bem-estar que sinto por saber que o peso que tenho é fruto do meu esforço, não há o que pague. Vá lá que de vez em quando cometo alguns deslizes, dou uma descambada mesmo, mas acredito em mim, sei o que tenho de fazer e retomo o caminho da alimentação equilibrada. Descobri algumas coisas que me ajudam a manter o controle. Por isso, tenho evitado ao máximo o café e alimentos estimulantes. Chocolate é o meu fraco, como de vez em quando. Faço também caminhadas e exercícios físicos. Alíás, foram os exercícios que me ajudaram a combater os quadros graves de ansiedade.
Drauzio – Levando em consideração o que sentia quando tomava anfetaminas, como você se sente hoje?
Patrícia Rocco – Melhorei, mas ainda tenho sequelas do tratamento com anfetaminas para emagrecer. Estou ainda pagando um preço alto por tê-las usado por tanto tempo. Agradeço muito a meus pais que sempre me deram força, sempre me encorajaram. Eles nunca deixaram que eu ficasse em casa. Aquele empurrão fundamental para continuar me empenhando, eu tive dentro de casa. Nunca perdi um dia de trabalho em 16 anos e consegui concluir dois cursos universitários. Graduei-me em Direito e Pedagogia e continuo estudando para manter a cabeça ativa. No entanto, até hoje, em alguns momentos, tenho recaídas.