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A regeneração do tecido cardíaco é um sonho antigo da medicina, por viabilizar a recuperação total das vítimas de infarto.
Publicado em 23/04/2011
Revisado em 29/03/2021

A regeneração do tecido cardíaco é um sonho antigo da medicina, por viabilizar a recuperação total das vítimas de infarto.

 

A regeneração do tecido cardíaco é um sonho antigo da medicina. A possibilidade de uma pessoa que sofreu infarto regenerar espontaneamente as células perdidas e recuperar a função cardíaca normal, evitaria sofrimento e os altos custos dos cateterismos e das pontes de safena.

Ao contrário de órgãos como o fígado, que cortado ao meio regenera a outra metade em poucos meses, a sabedoria convencional ensinava que os miócitos (células do músculo cardíaco) não reparavam o tecido morto por serem incapazes de se dividir.

Sem possibilidade de multiplicar suas próprias células, quando submetido a um excesso de demanda (miocardiopatias, infarto, hipertensão), ao músculo cardíaco só restaria a oportunidade de aumentar o tamanho de cada uma delas para hipertrofiar-se.

A hipertrofia, no entanto, tem seus limites. Sem contar com células novas para fazer frente ao esforço excessivo, o coração não consegue crescer indefinidamente para vencer a resistência aumentada do sistema hidráulico e bombear sangue para as regiões mais distantes do corpo. Como consequência, surge a insuficiência cardíaca, que evolui com aumento do tamanho do coração, cansaço, falta de ar aos esforços, inchaço e falência de múltiplos órgãos.

 

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Além disso, as células musculares hipertrofiadas não se contraem e relaxam durante os batimentos com a mesma eficiência das normais, tornando o coração predisposto ao aparecimento de arritmias que podem levar ao colapso do sistema e à parada cardíaca.

Piero Anversa e colaboradores do New York Medical College publicaram em 2001, na revista The New England Journal of Medicine, um estudo realizado com material colhido por biópsia de miocárdio imediatamente depois de ocorrido o infarto. Com técnicas elegantes, os pesquisadores conseguiram demonstrar a presença de miócitos em divisão celular nas regiões adjacentes à área infartada. Foram as primeiras evidências de que células cardíacas também tinham a propriedade de se dividir em resposta à morte celular imposta por um insulto (o infarto, nesse caso).

Na mesma revista, agora, o grupo de Anversa estudou oito casos de transplante cardíaco em que mulheres com morte cerebral doaram os corações para homens. Como os homens apresentam o cromossomo Y não encontrado no sexo feminino, o experimento ofereceu oportunidade ímpar para discriminar a origem das células que povoavam o coração transplantado.

Os autores demonstraram que 14% a 20% de todos os miócitos presentes no coração feminino transplantado eram positivos para o cromossomo Y, isto é, derivavam do receptor e não da doadora do órgão. E, mais, as células vasculares responsáveis pela formação de novos capilares e arteríolas encarregados de irrigar a musculatura cardíaca também eram de origem masculina em 14% dos casos.

Surpreendentemente, esses 14% a 20% de novas células cardíacas (musculares e vasculares) provenientes do receptor do transplante colonizavam o coração num intervalo de tempo bastante curto: em média, 53 dias. Num dos pacientes, falecido no quarto dia pós-transplante, muitos miócitos e arteríolas de origem masculina presentes no coração já se encontravam em estágio de plena maturidade celular e eram indistinguíveis das demais células cardíacas de origem feminina.

O achado dá ideia da rapidez com que o miocárdio, lesado pela falta de oxigênio inerente à manipulação do coração durante o procedimento de transplante, orienta a chegada de células primitivas para se diferenciarem em músculo e vasos sanguíneos a fim de reparar o defeito e repor as células perdidas por causa da manipulação cirúrgica.

O que o trabalho não esclarece definitivamente é se essas novas células, que invadem o coração transplantado, são células primitivas circulantes do receptor dotadas da capacidade de se diferenciar em qualquer outra do organismo, ou se elas se originam em células precursoras contidas no fragmento do coração do receptor que é suturado ao órgão doado.

Mas, como em Biologia se sabe que células precursoras se multiplicam muito mais depressa do que as células primitivas, (e em poucos dias surgiram células novas masculinas no coração feminino transplantado), os autores supõem que existam células precursoras residentes no coração, prontas para migrar às regiões cardíacas que necessitarem de reparação.

A descoberta da existência de células primitivas que se diferenciam em miócitos e vasos sanguíneos abre a perspectiva de atraí-las para as regiões do coração que foram lesadas por infarto, doença hipertensiva ou miocardiopatias com a finalidade de reparar os tecidos destruídos. Para tanto, será preciso conhecer melhor o comportamento dessas células primitivas e identificar quais são os fatores de crescimento que estimulam sua multiplicação e migração para a área afetada.

O trabalho do grupo de Nova York derrubou mais um paradigma da Biologia: o de que as células cardíacas seriam incapazes de multiplicar-se para reparar defeitos, e abre perspectivas que revolucionarão a cardiologia dos próximos anos.

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