Além de sintomas como tontura, problemas de fala e dificuldade para tomar decisões, muitos soldados de guerra apresentam queixas de irritabilidade, depressão e deficiências de memória que podem estar associados a danos cerebrais.
Os soldados se queixavam de perda de memória, tonturas, problemas de fala e dificuldade para tomar decisões, mas não apresentavam ferimentos. Em Belgrado, durante a guerra dos Bálcãs, na década de 1990, a doutora Ibolja Cernak verificou que esses pacientes apresentavam algo em comum: haviam sobrevivido a explosões em campo de batalha, sem sofrer ferimentos na cabeça.
A ressonância magnética, no entanto, mostrava indícios de danos nas áreas mais internas do cérebro, observação em desacordo com a teoria de que os órgãos mais danificados nas explosões seriam aqueles cheios de ar, como os pulmões e os intestinos. Cernak decidiu, então, testar em ratos o impacto das bombas. Os resultados confirmaram que elas podem, de fato, destruir neurônios.
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Tais estudos receberam pouca atenção até dois anos atrás, quando americanos e ingleses retornaram do Iraque com queixas semelhantes, e a questão ganhou prioridade militar. Somente o Departamento de Defesa americano investiu U$ 150 milhões no primeiro ano de pesquisas sobre os traumas provocados pelas ondas de choque, pelo calor e/ou pelas radiações magnéticas irradiadas por bombas de guerra.
Segundo Cernak, hoje pesquisadora na Universidade Johns Hopkins, as ondas de choque originadas na explosão atingem os grandes vasos do tronco e se irradiam para o cérebro. A energia cinética transferida por elas provoca oscilação rápida da pressão nos vasos cerebrais, causando destruição de neurônios e deficiências neurológicas de progressão lenta. Nesse caso, os capacetes não ofereceriam proteção.
Para confirmar a hipótese, ela estudou 1.300 soldados com ferimentos perfurantes na parte inferior do corpo, mas não na cabeça. Mais da metade fora atingida por explosões, e o restante por tiros. Entre os primeiros, 36% apresentavam padrões alterados de atividade elétrica cerebral, contra 12% no grupo ferido por projéteis. Queixas de insônia, tonturas e perda de memória também foram mais frequentes no primeiro grupo.
Como provar que um ex-soldado de 70 anos portador da doença de Alzheimer não esteja nas fases finais do dano cerebral causado por um explosivo?
Depois das publicações de Cernak, médicos americanos identificaram casos semelhantes em sobreviventes de explosões no Iraque e Afeganistão. Havia soldados incapazes de efetuar somas e subtrações simples, de recordar os alimentos do almoço e de manter a atenção. Alguns estimam que 10% a 20% dos militares em serviço nesses países apresentam algum tipo de deficiência cognitiva.
A teoria tem causado polêmica. Muitos ex-combatentes que se queixam de perda de memória e de outras dificuldades cognitivas, costumam ser considerados mentalmente fracos ou recebem o diagnóstico de estresse pós-traumático.
Embora tenha havido maior aceitação da existência de déficits neurológicos associados a explosões, os trabalhos da doutora Cernah são considerados controversos. Alguns pesquisadores não concordam com a teoria da transmissão das ondas de choque através dos grandes vasos. Acham mais lógico comparar o trauma com a aceleração e desaceleração característica dos desastres automobilísticos, ocasiões em que o cérebro é sacudido com tanta violência que os neurônios são destruídos. De acordo com essa concepção, os capacetes realmente exerceriam função protetora.
Segundo a revista “Science”, que resume a discussão, as implicações econômicas da identificação de soldados feridos em explosões no Iraque e no Afeganistão são imensas. Pesquisadores de Harvard calculam que existam 25 mil militares nessa condição, e que os custos envolvidos no tratamento deles chegarão a U$ 14 bilhões, nos próximos 20 anos.
Entretanto, se forem considerados os combatentes de guerras anteriores, como a do Vietnã, muitos dos veteranos com queixas de irritabilidade, depressão, e deficiências de memória poderão pleitear indenizações e cuidados especializados. Como provar que um ex-soldado de 70 anos portador da doença de Alzheimer não esteja nas fases finais do dano cerebral causado por um explosivo?