O caminho das células-tronco | Artigo - Portal Drauzio Varella
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O caminho das células-tronco | Artigo

microscopio laboratorio
Publicado em 07/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Apesar da expectativa da comunidade científica, o caminho das célula-tronco até se tornarem tratamentos acessíveis ainda é longo.

 

Raras descobertas em medicina geraram tanta expectativa quanto a das células-tronco. De fato, a possibilidade de regenerar tecidos lesados por meio do transplante de células capazes de diferenciar-se em qualquer outra talvez venha a representar para as doenças degenerativas típicas do século 21 um avanço semelhante ao dos antibióticos para as moléstias infecciosas no século passado.

Para situar a discussão, vamos lembrar que existem dois tipos de células-tronco: as adultas e as embrionárias. As adultas estão presentes na maioria dos tecidos e apresentam capacidade limitada de diferenciação, isto é, conseguem formar apenas alguns tipos de células. As embrionárias são totipotentes, ou seja, podem diferenciar-se em qualquer tipo de tecido.

Células-tronco adultas são utilizadas nos transplantes de medula óssea (que nada tem a ver com medula espinhal) em casos de leucemia, por exemplo. Depois de administrar doses altíssimas de quimioterapia e radioterapia que matam as células cancerosas, mas destroem também as células responsáveis pela produção de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, infundimos na veia do paciente células-tronco retiradas de um doador compatível. Ao chegar à medula dos ossos, essas substituem as que morreram e produzem novos glóbulos sanguíneos e plaquetas.

 

Veja também: Leia uma entrevista sobre as pesquisas com células-tronco

 

Já as embrionárias são imaturas, obtidas nas primeiras divisões de um óvulo fecundado, portanto muito mais versáteis. Enquanto as células-tronco presentes na medula óssea de um adulto conseguem formar apenas glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, as embrionárias podem formar neurônios, músculos, tecido hepático, pulmonar ou qualquer outro.

Embora alguns defendam o emprego de células-tronco adultas em lugar das embrionárias para regenerar tecidos, os argumentos utilizados não encontram respaldo na comunidade científica que se dedica à área. Não há mais dúvida de que a capacidade de diferenciação daquelas é muito inferior e que ninguém sabe como fazer células-tronco da medula óssea de um adulto regenerarem neurônios num paraplégico ou músculo cardíaco num coração enfartado.

Infelizmente, essa questão foi envolvida numa polêmica inglória: de um lado, alguns religiosos interessados em proibir a pesquisa com elas, por considerar que a vida humana se inicia no momento em que o espermatozoide penetra o óvulo; de outro, os que concordam com os cientistas que propõem o aproveitamento de óvulos fecundados e congelados nas clínicas, mas desprezados por serem de má qualidade para a fertilização.

Entre os que defendem o uso de células embrionárias existe uma multidão de crianças portadoras de doenças hereditárias que afetam os músculos e impedem a deambulação, paraplégicos, portadores de Parkinson, Alzheimer, doenças cardíacas, esclerose múltipla, diabetes dependente de insulina e seus familiares aflitos. O drama vivido por essas pessoas criou pressão irresistível para a aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias no parlamento brasileiro e de outros países.

Para deixar clara minha posição, defendo o direito de acesso ilimitado aos benefícios que essas pesquisas trarão. Os que, por razões religiosas, são contrários a elas, por julgarem que descongelar óvulos fecundados, inúteis, que nunca serão implantados em útero algum, é assassinato, merecem todo respeito. A eles deve ser assegurado o pleno direito de recusar submeter-se a esse tipo de tratamento (quando estiver disponível), tal como Testemunhas de Jeová recusam transfusões de sangue, mas não o de criar dispositivos legais para impor ditatorialmente suas convicções aos que não pensam da mesma forma.

Enquanto a maioria dos pesquisadores estimava que os primeiros tratamentos estariam disponíveis em cinco a dez anos, a Geron, uma companhia da Califórnia, anuncia na revista Science que seus estudos conduzidos em animais sugerem que o tratamento com células embrionárias pode ser seguro e eficaz num grupo selecionado de pacientes.

Pesquisadores da Geron apresentaram os dados de suas pesquisas ao FDA (Food and Drug Administration), a rigorosa agência americana que controla a liberação de medicamentos, com a esperança de conseguir autorização para iniciar um estudo-piloto em portadores de traumatismos de medula espinhal em meados de 2006.

Mesmo os cientistas céticos, cautelosos quanto às possíveis consequências nefastas que a aplicação apressada de tratamentos ainda pouco testados possam trazer aos pacientes, estão de acordo com a escolha do alvo: neurônios lesados em acidentes medulares são mais fáceis de regenerar do que células produtoras de insulina nos diabéticos ou neurônios cerebrais inativos em pacientes com Parkinson.

O caminho que as células embrionárias deverão percorrer antes de entrar na prática médica será árduo. É preciso provar que as células transplantadas irão alojar-se no local adequado, que elas se diferenciarão nas células que desejamos e que seu crescimento ficará sob controle para que não formem tumores.

Os dados experimentais sugerem que os três objetivos têm sido alcançados pelos pesquisadores da Geron e por outras equipes. Pela tradição do FDA, o início do estudo jamais será autorizado enquanto seus técnicos não estiverem convencidos de que os pacientes não correrão riscos.

Esse primeiro estudo estabelecerá as normas de segurança para os que virão a seguir. A expectativa na comunidade científica é muito grande.

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