Doação de medula óssea | Entrevista

Dra. Carmen Vergueiro é hematologista e trabalha na Santa Casa de São Paulo. Dra. Juliana Serro é advogada, membro da AMEO (Associação de Medula Óssea). postou em Entrevistas

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Publicado em: 9 de janeiro de 2012

Revisado em: 11 de agosto de 2020

Embora simples e possível de ser feito, a doação de medula óssea esbarra num grande problema: o organismo tem a capacidade de rejeitar tecidos que lhe são estranhos. Veja entrevista sobre o assunto.

 

Muita gente confunde transplante de medula óssea com transplante da medula espinhal. Infelizmente, não se domina ainda a tecnologia necessária para transplantar um fragmento que seja da medula espinhal, isto é, da porção do sistema nervoso central que passa por dentro do canal localizado na coluna vertebral.

Quando se fala de transplante de medula óssea, estamos nos referindo a um procedimento clínico que possibilita retirar parte da medula alojada na cavidade interna de vários ossos, aquela parte que no esqueleto dos bovinos, por exemplo, chamamos de tutano.

A medula óssea é formada por tecido gorduroso no qual são fabricados os elementos figurados do sangue: hemácias ou glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas.

No entanto, ela pode entrar em falência e não ser mais capaz de produzir as células do sangue ou pode ser destruída completamente durante o tratamento de determinados tipos de câncer que exigem altas doses de medicamentos quimioterápicos e/ou de radioterapia. Em situações como essas, o transplante alógeno de medula óssea pode ser a única maneira de salvar muitas vidas. O procedimento é bastante simples. Colhe-se uma pequena quantidade de células progenitoras da medula óssea do doador e injeta-se no sangue periférico, na veia do receptor. Através da circulação, essas células atingirão o interior dos ossos, lugar onde mais gostam de viver, começarão a multiplicar-se e retomarão a atividade de produzir os componentes do sangue. Em pouco tempo, o doador terá recomposto completamente sua medula óssea e, se quiser, estará apto para uma nova doação.

Embora simples e possível de ser feito, esse procedimento esbarra num grande problema. Como se sabe, o organismo tem a capacidade de rejeitar tecidos que lhe são estranhos. No caso específico do transplante de medula óssea, essa rejeição tem características muito especiais que dificultam encontrar um doador compatível.

 

DOADORES COMPATÍVEIS

 

Drauzio – Que chance tem de conseguir um doador a pessoa que necessita de um transplante de medula óssea?

Carmen Vergueiro – A possibilidade maior é encontrar um doador entre os irmãos. Como se trata de herança genética, a chance de ser compatível é de 25% por irmão. Portanto, quanto mais irmãos houver, maior a probabilidade de um encontrar um doador nesse grupo familiar.

Atualmente, porém, a tendência é existirem famílias cada vez menores. Por isso, entre 60% e 70% dos pacientes que necessitam de um transplante de medula óssea não encontram doadores entre os familiares e precisam tomar outras providências.

 

Drauzio – Pai e mãe não servem?

Carmen Vergueiro – Não servem. Como o pai passa metade da herança genética e a mãe outra metade, eles são o que se chama de haploidênticos, pois têm apenas metade da informação genética do filho.

 

Drauzio – E os primos ou outros parentes mais próximos podem ajudar?

Carmen Vergueiro – Se fizer uma pesquisa em toda a família, a chamada busca na família estendida, a chance de encontrar alguém totalmente compatível é de 7% a 10%.

 

ENXERTO VERSUS HOSPEDEIRO

 

Drauzio – Nos outros transplantes, o receptor rejeita o órgão que não é totalmente compatível com seu organismo. Nos transplantes de medula óssea, o processo de rejeição tem características opostas. Você poderia explicar o que acontece quando o paciente recebe uma medula que não é inteiramente compatível?

Carmen Vergueiro – A medula óssea tem uma característica diferente porque é ela que produz os glóbulos brancos e o sistema imune. Toda a nossa resposta imune vem da medula óssea. Como no transplante de medula o paciente recebe um novo sistema imune, os glóbulos brancos do doador reconhecem como estranho o organismo do receptor e passam a agredi-lo. É o que se chama de doença enxerto versus hospedeiro, responsável pela maior causa de mortalidade nesse tipo de transplante, e que tem enorme impacto na sobrevida dos pacientes.

Por isso, é indispensável que a compatibilidade entre doador e receptor seja absoluta para minimizar, o máximo possível, os danos que essa doença pode provocar.

 

Drauzio – Nesse sentido, o transplante de medula óssea é completamente diferente dos outros transplantes. Não é o receptor que rejeita o transplante. É a medula do doador que rejeita o hospedeiro. Na clínica, quais são os quadros associados a essa reação adversa?

Carmen Vergueiro – A agressão se manifesta em lesões de pele, de pulmão, de fígado, no trato gastrintestinal, enfim todo o organismo pode ser agredido. Além disso, pode ocorrer um retardo na recuperação do paciente e na produção dos glóbulos brancos responsáveis pela defesa do organismo.

 

DOADORES VOLUNTÁRIOS

 

Drauzio – Você disse que a chance de conseguir um irmão como doador compatível é de 25%. Portanto, em cada quatro irmãos apenas um teria medula compatível. Se estendermos a busca entre os parentes, de 7% a 10% dos doentes conseguem encontrar um doador adequado. O que acontece com os outros?

Carmen Vergueiro – Os outros têm de recorrer aos registros de doadores voluntários, pessoas que se dispõem a doar uma pequena parte de sua medula óssea para qualquer paciente que necessite de um transplante desde que seja compatível com ele.

 

Drauzio – O que precisa fazer um doador voluntário de medula óssea?

Carmen Vergueiro – Primeiro, o doador voluntário precisa preencher um cadastro e colher uma amostra de sangue para um teste de compatibilidade (HLA). O resultado obtido por meio de um exame de laboratório bastante comum é colocado num banco de dados do Ministério da Saúde, o Redome (Registro dos Doadores de Medula), no Rio de Janeiro. Sempre que houver um paciente que necessite de transplante e não tenha encontrado doador na família, os médicos podem consultar esse registro. Uma vez localizada uma pessoa compatível, ela será convocada para realizar novos exames de sangue e para uma avaliação clínica a fim de saber se pode de fato doar a medula.

 

Drauzio – A pessoa doa uma amostra de sangue, preenche um cadastro e volta para casa, mas pode acontecer que nunca seja chamada.

Carmen Vergueiro – Imagina-se que em cada 10 mil pessoas registradas, apenas uma será doadora, porque a probabilidade de encontrar alguém compatível fora da família é muito pequena.

 

Drauzio – Vamos supor que eu necessite de um transplante de medula óssea. Você testa as pessoas de minha família e não encontra nenhum doador compatível. Qual a minha chance de conseguir uma medula compatível na população como um todo?

Carmen Vergueiro – Varia de uma para 10 mil a uma para 1  milhão, dependendo de sua herança genética. Se for um tipo mais frequente, sua chance é uma em 10 mil. Se for raro, será uma em 1 milhão. De qualquer modo, é sempre difícil encontrar um doador compatível.

 

Drauzio – Para montar esse arquivo, o sangue dos doadores voluntários é colhido no Brasil inteiro?

Carmen Vergueiro – O sangue é colhido nos hemocentros dos diversos estados. O processo é bem simples. O doador vai ao hemocentro mais perto de sua casa, colhe uma amostra de sangue e preenche um cadastro. Essa amostra é enviada para um laboratório de histocompatibilidade, que faz um exame e envia o resultado e os dados do doador para o Redome, no Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, onde fica centralizada a informação obtida no Brasil inteiro. Se um paciente precisar de transplante, realiza-se uma busca nesse cadastro para ver se existe alguém compatível.

 

Veja também: Banco de medula óssea precisa de doadores

 

PROCEDIMENTO DA DOAÇÃO

 

Drauzio – Vamos levantar uma hipótese. Eu doo uma amostra de sangue e meu nome vai para esse cadastro. Passam-se dois anos e alguém me telefona dizendo: “Estamos precisando de sua medula, porque ela é compatível com uma pessoa que precisa de transplante no Pará”. Qual é o procedimento burocrático daí em diante?

Carmen Vergueiro – Você irá doar sua medula no centro de transplantes mais próximo de sua casa. Se morar em São Paulo, num dos centros de transplante registrados nessa cidade. O doador não precisa locomover-se até o local do transplante. É a medula que vai congelada num saco como se fosse sangue. Além disso, não existe nenhum custo para o doador. Tudo é pago pelo Ministério da Saúde, pelo SUS.

 

Drauzio – Chegando ao hemocentro mais próximo de minha casa, qual será o procedimento seguinte?

Carmen Vergueiro – Numa primeira etapa, será feita uma avaliação clínica do doador para saber se está em condições de doar a medula sem correr nenhum risco e serão repetidos os exames de sangue. As sorologias são feitas só nesse momento. Não é como na doação de sangue comum que elas são feitas imediatamente para verificar casos de hepatites, sífilis, HIV, etc.

 

MÉTODOS DE DOAÇÃO

 

Drauzio – Como se doa a medula óssea?

Carmen Vergueiro – Existem duas formas de doar a medula óssea: por punção de veia periférica para filtração das células-mãe, as células progenitoras, através de um aparelho ou puncionando a medula diretamente da cavidade do osso.

 

Drauzio – Como é feita a doação por punção da veia periférica?

Carmen Vergueiro – É um procedimento parecido com o de doar plaquetas do sangue. Antes o doador recebe um medicamento que estimula a produção de células brancas, principalmente de células progenitoras imaturas, que migram da medula óssea para as veias. Cinco dias depois, seu sangue passa por uma máquina semelhante à de diálise, onde é filtrado para coletar essas células. Em média quatro horas de filtração bastam para conseguir a quantidade necessária de material que será processado e levado para o paciente que precisa do transplante.

 

Drauzio – Esse procedimento dura, em geral, quatro horas. O doador sente algum desconforto?

Carmen Vergueiro – Algum desconforto pode ocorrer quando ele faz uso do estimulante para produzir mais células progenitoras. São sintomas semelhantes ao de uma gripe, um mal-estar que cede com qualquer analgésico.

 

Drauzio – Durante a filtração das células progenitoras, o doador corre algum risco?

Carmen Vergueiro – Não corre nenhum risco nem sente qualquer desconforto. É um procedimento realizado há mais de 20 anos, e nunca houve nenhum acidente com o doador.

 

Drauzio – Você disse que são dois métodos. Um é retirar as células progenitoras do sangue periférico. E o outro?

Carmen Vergueiro – O outro é puncionar diretamente a medula óssea do osso, do tutano, como você disse. Usando seringa e agulha, são feitas punções no osso do quadril para aspirar o material que contém as células progenitoras do sangue. Nesse caso, o doador é anestesiado para que não sinta dor. Esse procedimento dura 40 minutos.

 

Drauzio – Quem pode ser doador de medula óssea?

Carmen Vergueiro – Qualquer pessoa entre 18 e 55 anos, em bom estado de saúde, pode ser doadora de medula óssea. Não existe nenhum outro critério para exclusão.

 

Drauzio – Não são excluídas pessoas que tiveram hepatite nem as portadoras do vírus HIV?

Carmen Vergueiro – A princípio, não. Pede-se apenas que a pessoa tenha boa saúde. A sorologia não é importante no momento em que entra no programa, pois a probabilidade é que, em cada 10 mil, só uma seja doadora, talvez vários anos depois de ter-se inscrito como voluntária.

O importante é saber como ela está clinicamente na hora de doar. Só, então, se irá avaliar, por exemplo, se a hepatite representa um risco tão grande quanto o benefício de receber um transplante de medula óssea.

 

COMPORTAMENTO DOS DOADORES

 

Drauzio – Como os potenciais doadores se comportam ao saber que basta tirar uma amostra de sangue e preencher um cadastro para fazer parte do REDOME?

Carmen Vergueiro – O desconhecimento sobre a doação de medula óssea é enorme. Quando as pessoas são informadas de como é fácil ser doador voluntário ficam surpresas. Não podiam imaginar que doar a medula óssea fosse simples nem que pudesse ser feita em vida. Não sabiam que ela se reconstitui, se regenera em pouco tempo. Nesse campo, a falta de informação é o principal problema.

 

Drauzio – Que tipo de abordagem vocês fazem para motivar a população para doar a medula óssea, uma vez que o ideal seria que todas as pessoas entre 18 e 55 anos fossem doadoras, pois a chance que os doentes têm de encontrar uma medula fora da família é muito pequena?

Carmen Vergueiro – Em geral, as pessoas só se sensibilizam quando veem o desespero e o sofrimento de uma família que procura um doador para alguém muito próximo. Por isso, temos feito um trabalho com doentes e familiares que passaram por essa experiência na vida. Formamos com eles um grupo que divulga material informativo, distribui folhetos, faz palestras, visita faculdades para conseguir doadores voluntários.

Se soubermos que numa cidade alguém precisa de transplante e não encontra doador, vamos para lá e iniciamos uma campanha de esclarecimento. Assim, além de informar corretamente a população, conseguimos registrar muita gente que se solidariza conosco e se engaja na campanha.

 

Drauzio – Você faz uma ideia do número de doadores inscritos nesse programa?

Carmen Vergueiro – No Redome há atualmente em torno de 45 mil pessoas registradas. Os Estados Unidos têm 5 milhões. Portanto, no Brasil é muito pequena a possibilidade de achar um doador compatível. Já nos Estados Unidos, em média, é de mais ou menos 50%. Dependendo do tipo de herança genética, se for das mais frequentes, a chance de achar alguém no registro americano é de 80% e, se for uma herança mais rara, de 30%. Nós, brasileiros, podemos recorrer aos registros americanos e europeus, mas como nossa herança genética é muito miscigenada, o mais provável é encontrar um doador no nosso país.

 

Ameo (Associação de Medula Óssea)

 

Drauzio – Dra. Juliana Serro é advogada, depende de um transplante de medula óssea e não tem doador compatível na família. Vamos pedir-lhe que fale um pouco sobre sua experiência à espera de um doador compatível.

Juliana Serro – Descobri que tenho leucemia há mais ou menos um ano e meio. Tenho duas irmãs, mas nenhuma das duas é compatível comigo. Por isso me cadastrei no Redome, esperando localizar um doador. Como dra. Carmen disse, minha chance é muito pequena. Tomo medicamentos que conseguem controlar a doença, mas não curam.  Para quem tem leucemia ou outras doenças do sangue, a cura depende do transplante de medula óssea.

Ao perceber a falta de informação a respeito do assunto, entrei em contato com o Hemocentro da Santa Casa de São Paulo, o único lugar da cidade que, no momento, cadastra doadores de medula e, unindo pacientes e voluntários, formamos uma associação que se chama Ameo (Associação de Medula Óssea), cujo objetivo é aumentar o número de doadores voluntários inscritos.

Esse trabalho deixou evidente que o problema é a falta de informação. As pessoas são muito solidárias. Quando ficam sabendo que doar medula óssea é um procedimento bastante simples, a grande maioria vai se cadastrar.

 

À espera do transplante

 

Drauzio – No seu caso particular, como é o tratamento que está fazendo depois que a doença foi diagnosticada?

Juliana Serro – Graças a Deus, sou portadora de leucemia crônica, uma doença que, por enquanto, estou conseguindo controlar com medicamentos.

 

Drauzio – Você consegue conviver bem com a medicação?

Juliana Serro – O medicamento tem alguns efeitos colaterais. Tenho muito sono, um pouco de inchaço e de retenção de líquido, mas são efeitos adversos com os quais consigo conviver e me deixam levar vida normal. No entanto, isso não acontece com a maioria das leucemias. Nesse aspecto, a leucemia crônica é quase uma exceção. Muitas pessoas têm leucemia aguda e não dispõem de muito tempo de vida para encontrar um doador. Por isso me envolvi nesse trabalho que tem surtido efeito, aumentando a esperança de quem precisa de um transplante de medula óssea.

 

Drauzio – ­Como você disse há dois tipos de leucemia. A leucemia aguda, uma doença mais agressiva e de evolução muito rápida, e a leucemia crônica que, embora não seja curada com medicação, responde ao tratamento durante muito tempo. Nesses casos, o transplante de medula óssea representa um tratamento de choque capaz de curar definitivamente a doença. Como você se sente sabendo que, de certa forma, depende da boa vontade das pessoas em doar uma amostra de sangue para encontrar a medula óssea capaz de salvar sua vida?

Juliana Serro – É bastante complicado. Normalmente, encaro o problema com bastante esperança e continuo fazendo meu trabalho nessa campanha, tentando aumentar cada vez mais o número de doadores. Entretanto é óbvio que há ocasiões em que me desespero porque acho que estamos longe de conseguir um banco, um Redome, com muitos doadores o que aumentaria nossa chance de cura. Na maior parte do tempo, porém, acho que as pessoas são muito solidárias e que, se a informação chegar até elas, estarão dispostas a colaborar com nossa causa.

 

Drauzio – Na Ameo, há pessoas que estão numa situação parecida com a sua. Você já acompanhou casos de pessoas que faleceram antes de conseguir uma medula compatível para transplante?

Juliana Serro – Já tivemos duas pessoas que faleceram enquanto procuravam doador. Eram pessoas próximas que participavam da campanha e tinham leucemia aguda. Como não podiam esperar mais, submeteram-se a um transplante autólogo, ou seja, da própria medula. Infelizmente, o tratamento não teve sucesso e elas faleceram

Tipos de transplante

 

Drauzio – Explique um pouco o que é um transplante autólogo.

Carmen Vergueiro – No transplante autólogo, usa-se a medula do próprio paciente. Parte dela é retirada para ser recolocada depois, porque o que restar dela no organismo do paciente será completamente destruído. A ideia é de que se pode preservar a medula, enquanto ele recebe altas doses de quimioterapia, na verdade um tratamento de choque para erradicar a leucemia. Depois, as células-mães retiradas são devolvidas para recompor a medula óssea.

Como a leucemia é uma enfermidade que está dentro da medula é muito difícil conseguir que essas células estejam absolutamente limpas, livres da doença. Pode acontecer, então, que elas se proliferem e a doença volte.

 

Drauzio – Quer dizer que a medula óssea é retirada e conservada adequadamente. A seguir, o paciente recebe altas doses de quimioterapia que destroem não só o câncer, mas atacam outros tecidos também, entre eles a medula óssea que permaneceu no corpo do doente. Depois, o material colhido antes de iniciar o tratamento é devolvido ao paciente, todavia ele pode estar levando consigo células leucêmicas?  

Carmen Vergueiro – Parte-se da ideia de que é possível conseguir uma medula tratada, com poucas células malignas, mas a experiência mostra que os transplantes autólogos estão relacionados com alto índice de recidivas, porque não conta com o efeito imunológico dos transplantes alogênicos. Quando se coleta a medula de um doador estranho, de certa forma ela protege o receptor contra a volta da leucemia, pois assim como reconhece o organismo do paciente como estranho, reconhece como estranhos o tumor ou a leucemia.

 

Drauzio – Isso quer dizer que as células competentes imunologicamente do doador não só vão rejeitar os tecidos do receptor, como vão rejeitar as células leucêmicas.

Carmen Vergueiro – Está aí um dos grandes benefícios dos transplantes alogênicos, isto é, que utiliza a medula de outra pessoa.

 

Drauzio – Nos transplantes de medula óssea, o doente é tratado com doses maciças de quimioterápicos e radioterapia que destroem completamente sua medula. Passada essa fase de bombardeio, devolve-se a medula que foi retirada previamente (transplante autólogo) ou transplanta-se a medula de um doador (transplante alogênico). O que acontece com o paciente nesse período?

Carmen Vergueiro – Nessa fase se faz a mieloablação, ou seja, um tratamento que inclui altas doses de quimioterapia, o paciente para de produzir glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas e fica totalmente sem defesa. Esse é o grande perigo. Quando ele recebe de volta a própria medula ou a que foi doada por outra pessoa, por meio de uma simples transfusão de sangue, as células da medula vão migrar até os ossos onde funcionarão como um enxerto e levará tempo (mais ou menos duas semanas) para que sejam produzidas as novas células do sangue. Nesse intervalo, até que o paciente recupere a produção de glóbulos brancos, plaquetas e hemácias, seu estado é grave e ele precisa de grande suporte médico-hospitalar, porque não tem sistema de defesa e o risco que corre é alto.

Reação dos doadores

 

Drauzio – Juliana, quando vocês tentam convencer as pessoas a se cadastrarem como doadoras de medula óssea, quais são as dúvidas mais frequentes?

Juliana Serro – As pessoas costumam confundir medula óssea com medula espinhal e temem ficar paraplégicas caso façam uma doação da medula óssea. Outra dúvida é se a medula óssea pode ser doada mais de uma vez. Explicamos que, como a medula se recompõe após a doação, a pessoa pode doá-la tantas vezes quantas sejam necessárias, o que não é comum tendo em vista a dificuldade de servir como doadora.

No entanto, se doar pelo Redome e, mais tarde, descobrir que um parente seu precisa de sua medula, ela pode doar novamente sem nenhum problema.

 

Drauzio – Na verdade, essa medula que foi doada não faz falta nenhuma para o doador.

Juliana Serro – Não há prejuízo nenhum para o doador, já que a medula se recompõe em poucos dias.

 

Drauzio – O que deve fazer uma pessoa que deseja doar a medula óssea?

Juliana Serro – Em São Paulo, a pessoa deve dirigir-se ao Hemocentro da Santa Casa de Misericórdia e dizer que deseja doar a medula. Uma enfermeira ou um médico vão explicar-lhe como funciona e qual é o procedimento da doação de medula óssea e elucidar possíveis dúvidas.

Depois disso, se a pessoa quiser realmente ser doadora, irá preencher um cadastro e coletar uma pequena amostra de sangue para um exame de tipagem do sangue, ou seja, um exame de compatibilidade, cujo resultado será encaminhado ao Redome.

 

Drauzio – A pessoa perde muito tempo para fazer isso?

Juliana Serro – Não perde. Em 15, 20 minutos no máximo a pessoa consegue cadastrar-se como doadora. É rápido e o horário de atendimento bastante amplo. Vai das 7 horas da manhã às 18 horas durante a semana e, aos sábados, das 7 às 15 horas. É muito pouco tempo diante do benefício que ela estará prestando a quem depende do transplante de medula óssea para viver.

 

Drauzio – Já aconteceu de alguém se ter cadastrado e desistido na hora em que foi convocado para doar a medula?

Juliana Serro – Às vezes, acontece. As pessoas se cadastram por impulso sem estar bem informadas e conscientes do que estão fazendo. Algumas, quando são reconvocadas dizem – “Ah, pensei melhor… acho que vou desmaiar ou minha mãe não me deixa…”.

Por isso nosso esforço é para que as pessoas se inscrevam sabendo o que estão fazendo e tendo consciência da importância gesto. Como demora em média três meses o processo de busca até chegar ao doador e coletar a medula, a desistência pode representar a perda de um tempo que o paciente não mais dispõe na vida.

 

Drauzio – É importante deixar claro que a doação de medula é desprovida de qualquer complicação e que podemos doá-la sem que nos faça nenhuma falta.

Carmen Vergueiro – Doar a medula óssea é um procedimento simples que pode salvar vidas. A doação não traz nenhum risco para o doador, pois em pouco tempo sua medula estará completamente regenerada.

 

INFORMAÇÃO IMPORTANTE

 

Para obter maiores informações, basta entrar em contato com a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo – (11) 3224-0122 ou (11) 3226-7528, ramal 5989 ou solicitar que a ligação seja transferida para o Hemocentro.

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