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Copa do mundo | Artigo

Publicado em 31/03/2011
Revisado em 11/08/2020

Jogadas da Copa do Mundo trazem à memória cenas da infância relacionadas ao futebol. Leia mais no artigo abaixo.

 

Quando a bola bateu no travessão, caiu para dentro do gol e veio para as mãos do goleiro da Alemanha, lembrei da final da Copa de 1966 no estádio de Wembley.

Naquela tarde, o lugar que consegui na arquibancada estava alinhado com as traves alemãs. Sentei tão perto do campo, que ouvi o som da bola de couro contra o travessão e vi, com estes olhos que a terra há de comer, que ela bateu no chão sem ultrapassar a linha de gol.

Enxerguei o lance com tanta clareza que fiquei até preocupado ao ver o juiz e o bandeirinha correr para o meio do campo validando o gol inglês. Imaginei que a torcida da Alemanha fosse invadir o gramado em protesto contra o empate fraudulento. Faltavam poucos minutos para a Copa terminar com a vitória de seu país por 2 a 1, e não havia alambrado ao redor do campo, apenas uma cerca metálica de um metro de altura.

Foi minha segunda surpresa naquela disputa. A primeira havia acontecido quando os alemães marcaram o primeiro gol e a torcida inglesa aplaudiu, depois de alguns segundos de hesitação. Que povo era aquele capaz de comemorar um gol do adversário em final de Copa do Mundo?

 

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Comparei a reação anglo-saxônica com a que presenciei aos sete anos no armazém Simões lotado de torcedores, na esquina da Henrique Dias com a Rodrigues do Santos, no bairro do Brás, na decisão da Copa de 1950.

Não existia televisão. Escutei a irradiação sentado numa pilha alta de sacos de arroz que só consegui escalar com a ajuda de meu primo Flavio, já moço. Fiquei ali todo importante, ouvindo a narração no meio dos rapazes mais velhos, astros das disputas futebolísticas na calçada da fábrica em frente de casa, nas tardes de sábado, período em que começava a folga de fim semana dos operários.

Futebol pelo rádio era emoção arrebatadora: “Leônidas mata no peito, baixa na terra, passa por um, dribla o segundo, invade a área, fulmina, e é gol”. O grito interminável de gol. Em minha imaginação, o homem que matava no peito, invadia a área e fulminava o inimigo tinha os poderes do Super-Homem e do Capitão Marvel.

Foi uma decepção quando meu tio Odilo me levou pela primeira vez ao Pacaembu para assistir a São Paulo versus Nacional, time escolhido a dedo para não desiludir o coração tricolor do sobrinho fanático. Achei bonito o gramado, as bandeiras da torcida e me emocionei com o som dos fogos, quando o São Paulo entrou em campo. Os jogadores de carne e osso, porém, deixaram a desejar: erravam passes, chutavam para fora e perdiam gols feitos, exatamente como a molecada na rua.

Além de maldosos, porque empurravam uns aos outros e davam caneladas, ainda eram mal educados, xingavam e cuspiam no chão, prática que minha avó considerava a pior das grosserias, responsável pela transmissão da tuberculose.

O mais grave, é que faziam de tudo para confundir o juiz. No futebol que jogávamos na porta da fábrica havia honestidade: quando a bola batia na mão de um menino, ele era o primeiro a parar o jogo; nas faltas cometidas, acontecia o mesmo. No Pacaembu, eles chutavam a bola para fora e se apressavam para bater o lateral como se o adversário tivesse sido o último a tocá-la, caíam simulando pênaltis e, quando flagrados em infrações clamorosas, reclamavam do juiz com a veemência dos injustiçados.

Mesmo sem ter consciência, naquela partida aprendi que futebol é um esporte no qual mentira, dissimulação, violência física e mau caratismo são partes inseparáveis do jogo.

A venda de seu Simões quase veio abaixo quando Friaça marcou o gol do Brasil, em 1950. Todos se abraçavam e pulavam com os braços para cima. No segundo tempo, os uruguaios empataram, mas os presentes continuaram com a certeza de que seríamos campeões do mundo.

A desgraça entrou no armazém pelos pés de Gighia. Silêncio sepulcral; no ar apenas a voz do rádio e o cheiro dos sacos de mantimentos.

Quando o locutor anunciou o fim da partida, ficaram todos de cabeça baixa, ninguém falava nem se movia, parecia brincadeira de como está fica. Em procissão, os homens foram saindo, alguns com lágrimas nos olhos. Encostado na carroceria de um caminhão, seu Isidoro, funcionário do Gasômetro, soluçava feito criança. Foi a primeira vez que vi homem chorar sem ninguém ter morrido.

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