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executivo assinando documento. troca-troca de ministros prejudica a área da saúde
Publicado em 03/05/2018
Revisado em 11/08/2020

Troca-troca de ministros prejudica a área da Saúde, colocando políticas e programas públicos em risco.

 

A volúpia dos partidos por cargos na administração pública desconhece limites. No Brasil, os critérios para a escolha dos ministros são trancados sob sete chaves.

Aceitamos, com passividade bovina, que o primeiro escalão da administração federal seja entregue a pessoas tecnicamente desqualificadas, mas com costas quentes entre os parlamentares que formam a hidra de sete cabeças, que esconde seu hálito venenoso sob o codinome de “base de sustentação”.

 

Veja também: Dr. Drauzio comenta, em vídeo, o sistema de saúde no Brasil

 

Se é chocante ver um ministro da Fazenda executar políticas econômicas desastrosas ou um ministro da Agricultura ignorante das necessidades do campo, assistir à nomeação de homens despreparados para as pastas da saúde e da educação deveria nos revoltar.

Vou me ater à da Saúde.

Desde o ano 2000, já passaram pelo Ministério da Saúde 12 ministros. Nos últimos cinco anos, foram seis; tempo médio de permanência: dez meses.

A troca a cada dez meses explica por que nossa política pública de saúde não é digna desse nome. Ainda que o titular do cargo fosse o mais competente dos sanitaristas, dotado de habilidade circense para lidar com o Congresso que temos, seria viável implantá-la em prazo tão exíguo?

Vejam o exemplo atual: o último ministro afastou-se para disputar as próximas eleições. Como o cargo faz parte da “cota” do partido com o maior número de investigados pela Lava-Jato, a hidra, monstro mitológico que sempre regenera a cabeça decepada, impôs um novo titular ligado à agremiação. Quem foi o ungido? O presidente da Caixa Econômica Federal.

Você, leitor de inteligência limitada como a minha, consegue compreender a lógica?

O mal não é apenas a falta de competência para a função e o desconhecimento das contradições e dificuldades enfrentadas pelo SUS, mas as consequências dessas indicações obedientes a arranjos políticos opacos na execução dos programas de saúde e na definição de prioridades, além do desalento que provocam no espírito dos técnicos do Ministério.

Nos quadros do Ministério da Saúde há profissionais altamente qualificados, formados nas melhores universidades do país, com pós-graduação em centros internacionais, gente comprometida com o aperfeiçoamento e a universalização do SUS. A mudança do mandatário da pasta traz com ela a nomeação dos ocupantes para os malfadados “cargos de confiança”.

Gente que pretende usar o Ministério da Saúde para defender interesses partidários inconfessáveis e alçar voos eleitorais, deveria ser impedida de chegar perto do estacionamento do prédio.

Quando muda o ministro da Saúde na Alemanha, Japão ou Inglaterra, ele tem à disposição meia dúzia de cargos para formar a nova equipe; os demais são profissionais de carreira mantidos em suas posições para garantir a continuidade dos serviços. No Brasil, o novo ministro tem autoridade para nomear centenas de pessoas e para alterar as chefias de departamento que bem entender.

Imagine como você se sentiria, prezado leitor, caso trabalhasse numa empresa privada em que, a cada dez meses, o presidente fosse substituído por alguém sem experiência no setor, com autoridade para mudar todos os diretores e gerentes, selecionados não pela competência, mas para acomodar interesses políticos e patrimoniais. Que possibilidade de sobrevivência teria uma empresa com essas características?

Como o exemplo vem de cima, governadores e prefeitos municipais agem da mesma forma. Além das verbas insuficientes, o SUS precisa lidar com dirigentes sem conhecimentos mínimos de administração em saúde, ignorantes a ponto de fazer o que lhes dá na telha na contramão de pareceres técnicos, já que a burrice é ousada.

A consequência é que constroem hospitais em cidades que não terão condições de arcar com os custos para mantê-los, compram aparelhos caríssimos que permanecerão encaixotados, montam unidades básicas de saúde e de pronto atendimento em currais eleitorais e usam os cargos disponíveis como cabides de emprego para correligionários. O atendimento médico à população só lhes interessa na medida em que lhes rende votos.

Gente que pretende usar o Ministério da Saúde para defender interesses partidários inconfessáveis e alçar voos eleitorais, deveria ser impedida de chegar perto do estacionamento do prédio.

Nós, médicos, ficamos chocados a cada troca suspeita de ministros. Adianta reclamar pelos corredores? É preciso que órgãos representativos, como os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Medicina, se manifestem para pressionar prefeitos, governadores e o presidente da República a tratar com mais respeito a saúde dos brasileiros.

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