Ansiedade aeroportuária

homem em aeroporto, sentado ao lado de mala de viagem, olha no relógio em sinal de ansiedade para pegar o avião

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Publicado em: 11/06/2024

Revisado em: 11/06/2024

Se não fizer a mala antes de ir para a cama, minha noite será de sobressaltos. Acordarei diversas vezes pensando nos objetos e nas roupas que preciso levar e passarei em revista as que esqueci em viagens anteriores. Se a viagem for curta, para uma palestra em outra cidade, tudo mais ou menos bem, mas se for para um congresso no exterior é melhor levantar da cama e arrumar a mala de uma vez.

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Nesses casos, em que os voos costumam ser noturnos, ainda consigo tocar razoavelmente a rotina da manhã – lembrando sempre que preciso rever a bagagem, porque deve ter faltado uma peça de roupa, a gravata para a reunião formal, o creme de barbear, o carregador do celular, o adaptador para o tipo de tomada do país de destino; maldigo as de três pontas, que não servem sequer na minha casa — e checo pela primeira vez se os cartões de crédito e o passaporte estão na divisória a eles destinada na mala de mão.

Luiz Nasser, amigo querido, disse uma vez que as viagens de avião começam três horas antes da decolagem. Estivesse ainda entre nós, eu lhe diria que estava enganado. As minhas começam pelo menos cinco horas antes, quando estou vestido, com o cadeado da mala fechado, os cartões, o dinheiro e o celular nos bolsos certos, o computador junto aos livros que não conseguirei ler. E já verifiquei pelo menos duas vezes se o passaporte não desapareceu da mala de mão.

Acesso o Waze para saber em quanto tempo vou chegar no aeroporto. Ele mostra 50 minutos. É muito cedo, o voo é às nove e meia, ainda são quatro. Ainda assim não fico tranquilo: e se na hora de sair a previsão mudar? Lembro que 20 anos atrás levei três horas até Guarulhos. E se o táxi atrasar? E se na hora de passar pela Polícia Federal os funcionários estiverem numa operação tartaruga, como aconteceu há 15 anos?

Procuro relaxar, será chato passar quatro horas junto ao portão de embarque, melhor sair às cinco, é tempo mais do que suficiente. Pego o celular para responder os emails e os WhatApps que atormentam minha caixa postal. Fico com um olho na tela e o outro no relógio que custa a andar.

O máximo que consigo esperar são 40 minutos. Chamo o táxi. Antes de entrar no elevador, confiro pela terceira vez o passaporte, os cartões e o dinheiro. Repito a operação quando o taxista coloca a bagagem no porta-malas. Sento ao lado dele, posição na qual posso acompanhar o tráfego em tempo real. Lembro que uma vez quase perdi o voo por causa de uma absurda corrida de ciclistas a cinco quilômetros do aeroporto.

O medo que um imprevisto como aquele interrompa a estrada só passa quando chego ao destino. Pego a bagagem, dou a quinta olhada no passaporte e corro para o check-in. Pode haver fila, aconteceu de perder mais de uma hora para despachar a mala, não me lembro quando. Preocupado com uma improvável traição informática, verifico se o cartão de embarque ainda está na tela do celular, providência que tomei bem antes de sair de casa.

Vou para a fila da esteira de fiscalização, tiro o computador da mala de mão, o celular, o relógio, o cinto, a caneta e maldigo os terroristas que deram origem a esse clima de desconfiança persecutória para todos, no mundo inteiro. Como os demais companheiros de infortúnio, faço tudo correndo. Para que mesmo tanta correria?

Para acessar o guichê da Polícia Federal, só pego a fila de prioridades se estiver muito curta, ali as pessoas são lentas e me deixam mais nervoso.

Quando chego ao portão de embarque, confiro a imagem do cartão na tela, toco pela sexta ou sétima vez no passaporte, pego o computador no colo e retorno ao texto que estou devendo. Ficaria mais tranquilo se não se intrometessem em meus pensamentos todos os voos que atrasaram em minha vida, inclusive os cancelados na última hora.

Quando o avião começa a percorrer a pista, no entanto, sou tomado por uma paz celestial, pego no sono antes de levantar voo.

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