Pela primeira vez na história, o número de crianças com obesidade no mundo supera o de crianças com subnutrição, de acordo com um relatório divulgado no último dia 10 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O documento “Alimentando o lucro: como os ambientes alimentares estão falhando com as crianças” baseou-se em dados de mais de 190 países e revelou que a prevalência de subnutrição entre crianças de 5 a 19 anos caiu desde 2000, de quase 13% para 9,2%, enquanto as taxas de obesidade aumentaram de 3% para 9,4%.
Veja também: 1 em cada 8 crianças brasileiras consome ultraprocessados
A obesidade agora supera a subnutrição em todas as regiões do mundo, exceto na África Subsaariana e no Sul da Ásia.
Enquanto 1 a cada 5 crianças e jovens nessa faixa etária está acima do peso indicado para a idade, o que significa 391 milhões de jovens ao redor do mundo, cerca de 1 a cada 10 pessoas em idade escolar tem obesidade, totalizando aproximadamente 188 milhões de crianças e jovens.
Segundo os pesquisadores, o que causou o aumento da obesidade nessa faixa etária foram as mudanças na dieta, que hoje inclui uma grande quantidade de produtos ultraprocessados e hipercalóricos.
Má-nutrição
O termo “crianças malnutridas” em geral era utilizado para se referir às crianças que estavam com baixo peso, por falta de acesso a alimentos.
Hoje isso mudou. Atualmente, há crianças e jovens malnutridos que estão com sobrepeso ou obesidade. Isso significa que apesar de terem acesso a alimentos, eles não consomem os nutrientes adequados para uma boa nutrição.
Embora a subnutrição continue um grave problema de saúde entre crianças com menos de 5 anos nos países de baixa e média renda, ela vem diminuindo. “Quando falamos de má-nutrição, não estamos mais falando apenas de crianças com baixo peso”, disse Catherine Russell, diretora-executiva do Unicef.
Atualmente, a maioria das crianças malnutridas está com sobrepeso ou obesidade, doença relacionada ao aumento do risco, na vida adulta, de diabetes, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer, entre outros problemas de saúde.
Dieta e obesidade na infância
A dieta indicada para as crianças inclui vegetais, frutas e proteínas para garantir o crescimento, o desenvolvimento cognitivo e a saúde de um modo geral.
No entanto, esses alimentos têm sido substituídos por produtos ultraprocessados, com altas taxas de sódio, açúcar, amido, gorduras saturadas e aditivos, que são mais baratos.
O relatório alerta que alimentos ultraprocessados e fast foods estão presentes na dieta das crianças por meio de ambientes alimentares prejudiciais, e não por escolha pessoal.
O problema é especialmente grave em países de alta renda: no Chile, por exemplo, 27% das crianças e jovens de 5 a 19 anos vivem com obesidade. Nos Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos, a porcentagem é de 21%.
“A obesidade é uma preocupação crescente que pode impactar a saúde e o desenvolvimento das crianças. Os alimentos ultraprocessados estão substituindo cada vez mais frutas, vegetais e proteínas, justamente quando a nutrição desempenha um papel crítico no crescimento, desenvolvimento cognitivo e saúde mental das crianças”, afirmou Catherine.
Brasil
No Brasil, a obesidade também superou a subnutrição como o tipo de má-nutrição mais comum desde antes do ano 2000, quando o percentual de crianças e adolescentes de 5 a 19 anos com obesidade era de 5%. Esse número triplicou até 2022, quando chegou a 15%. Já o número de meninos e meninas em desnutrição aguda (baixo peso para altura) diminuiu de 4% para 3% no mesmo período.
O percentual de crianças e adolescentes com sobrepeso no país também cresceu, dobrando de 18%, em 2000, para 36% em 2022.
Apesar disso, o Brasil foi citado como exemplo no relatório. Entre as ações elogiadas, destacam-se o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – que restringe a compra de ultraprocessados nas escolas -, os esforços adotados no país para limitar a propaganda de alimentos não saudáveis para crianças, a implementação da rotulagem frontal e o banimento de gorduras trans em alimentos industrializados.
Hora de agir contra a obesidade
O Unicef alerta para os impactos na saúde e na economia da inação. Se nenhuma intervenção for feita para prevenirmos a obesidade, em 2035, de acordo com o relatório, o impacto econômico do sobrepeso e da obesidade no mundo poderá chegar a 4 trilhões de dólares (mais de 20 trilhões de reais) por ano.
O relatório destaca medidas positivas adotadas por governos, como a proibição e distribuição de bebidas açucaradas e produtos ultraprocessados em escolas públicas do México. O país tem alta prevalência de obesidade entre crianças e adolescentes, que consomem 40% das calorias diárias por meio desses produtos alimentares.
Para transformar os ambientes alimentares e garantir que as crianças tenham acesso a alimentos saudáveis, o Unicef faz um apelo urgente aos governos, à sociedade civil e aos parceiros para que:
- Implementem políticas abrangentes e obrigatórias para transformar os ambientes alimentares para crianças e adolescentes, incluindo rotulagem de alimentos, restrições à publicidade e impostos/subsídios sobre alimentos;
- Adotem iniciativas sociais e de mudança de comportamento que empoderem famílias e comunidades a exigir ambientes alimentares mais saudáveis;
- Proíbam a oferta ou venda de alimentos ultraprocessados e industrializados nas escolas, bem como a publicidade e o patrocínio de alimentos nesses ambientes;
- Estabeleçam salvaguardas rigorosas para proteger os processos de políticas públicas da interferência da indústria de alimentos ultraprocessados;
- Reforcem programas de proteção social para combater a pobreza monetária e melhorar o acesso financeiro a alimentos saudáveis para famílias vulneráveis.
“Alimentos saudáveis e acessíveis devem estar disponíveis para todas as crianças, para apoiar seu crescimento e desenvolvimento. Precisamos urgentemente de políticas que apoiem pais e cuidadores a acessarem alimentos saudáveis e nutritivos para seus filhos”, finalizou Catherine.