Embora a indústria do álcool tenha difundido a ideia de que o uso moderado da substância poderia fazer bem à saúde, evidências mostram que não há nível seguro de consumo de bebidas alcóolicas.
Durante muito tempo, acreditou-se que doses moderadas de álcool protegeriam a saúde do coração. A indústria de bebidas, em especial a do vinho, explorou essa crença com afinco. Embora alguns cientistas concordem que certas substâncias encontradas no vinho tinto possam ajudar a aumentar as taxas de HDL (o colesterol bom), estudos recentes parecem derrubar por terra a ideia de que o consumo de álcool pode ser benéfico à saúde.
Primeiro, é necessário dizer que estudos nutricionais são difíceis de conduzir. É preciso confiar nas informações obtidas dos participantes, visto que é muito complicado realizar estudos randomizados controlados, em que as pessoas são separadas de forma aleatória em um ou mais grupos que recebem intervenção (um medicamento, por exemplo) e outro, placebo. As evidências mais confiáveis em geral surgem desse tipo de estudo, conhecido como padrão-ouro das pesquisas científicas.
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A maioria dos estudos nutricionais é observacional, sem intervenções dos pesquisadores, e as informações a respeito dos hábitos alimentares dos participantes, que variam de indivíduo para indivíduo, são obtidas por meio de questionários preenchidos por eles mesmos. Dessa forma, além das variações na alimentação dos pesquisados (impossível que todos consumam exatamente a mesma dieta), erros e omissões são comuns.
Em geral, os estudos observacionais na área de nutrição costumam mostrar associação entre o consumo de determinado alimento e uma doença, por exemplo, mas não comprovam causa e efeito.
Assim, é difícil afirmar, nesse tipo de estudo não randomizado e não controlado, se o consumo moderado de álcool poderia trazer benefícios à saúde de fato ou se as pessoas que bebem pouca quantidade de álcool têm boa saúde porque também adotam outros hábitos saudáveis, como praticar atividade física, manter uma alimentação equilibrada e não fumar.
Uma pesquisa publicada em novembro de 2022 nos Estados Unidos mostrou que o uso excessivo da substância causa aproximadamente 140 mil mortes por ano no país. Cerca de 40% desses óbitos são provocados por acidentes, intoxicação e homicídios, mas a maioria ocorre por condições crônicas atribuídas ao consumo de álcool, como doenças cardiovasculares e hepáticas e câncer.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define como dose padrão 10 g de etanol puro. No Brasil, uma dose de bebida alcoólica contém, em média, 14 g de etanol, segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), o que corresponde a 350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado. Em 2010, a OMS estabeleceu como excessivo o consumo de mais de 20 g de álcool por dia ou a ingestão da substância mais de 5 vezes na semana. Além disso, definiu como bebedor pesado episódico o indivíduo que consumiu 60 g (cerca de 4 drinques) ou mais em pelo menos uma ocasião, no último mês.
No entanto, a própria OMS reforça que não existe nível seguro de consumo de álcool, embora haja maneiras de reduzir o risco atendo-se às doses citadas. Ainda de acordo com a organização, existem mais de 60 doenças relacionadas ao consumo de bebidas e para quase todas há uma estreita relação dose-resposta, o que significa, em outras palavras, que quanto mais você beber, mais risco correrá.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA, “apesar de estudos anteriores terem indicado que o consumo moderado de álcool tem efeitos protetores benéficos à saúde, estudos recentes mostram que isso pode não ser verdade. […] é impossível concluir se esses melhores resultados se devem ao consumo moderado de álcool ou a outras diferenças de comportamento ou genética entre aqueles que bebem com moderação e pessoas que não bebem”.
O que se sabe, com base em evidências de vários estudos bem desenhados, é que o uso de álcool está diretamente relacionado a vários tipos de câncer, como de cabeça e pescoço, esôfago, fígado, mama e colorretal.
Alguns cânceres, como o de fígado e colorretal, estão associados ao uso excessivo de álcool, mas o risco de câncer de mama e esôfago, por exemplo, aumenta mesmo que o consumo seja moderado.
Importante salientar que há outros fatores que podem tornar as pessoas mais ou menos propensas a desenvolver câncer e problemas cardiovasculares, como sedentarismo, alimentação, idade, tabagismo, doenças pré-existentes e, claro, genética.
Assim, para interpretar o aumento de risco de uma pessoa desenvolver determinada doença, deve-se sempre considerar os fatores de risco individuais.
Bom, mas o que isso tudo quer dizer, na prática? Que não existe nível seguro de consumo de álcool, uma substância que, levando em conta apenas a saúde, não deveria ser ingerida. Contudo, o ser humano nem sempre é racional, e também leva o prazer em consideração, ao tomar decisões. Além disso, ao contrário do cigarro, a maioria das pessoas que consome álcool consegue fazê-lo de forma moderada, o que já reduz o risco de doenças.
Portanto, se for beber, não ultrapasse os limites estabelecidos. Não há dúvidas de que o consumo excessivo aumenta consideravelmente o risco de várias doenças graves.