A influência da indústria de fórmulas infantis na amamentação

mulher amamentando o filho. Ações da indústria das fórmulas infantis afeta amamentação

Compartilhar

Publicado em: 16 de fevereiro de 2023

Revisado em: 16 de fevereiro de 2023

Revista científica faz alerta sobre a atividade da indústria das fórmulas infantis para reduzir as taxas de amamentação. Leia na coluna de Mariana Varella.

 

Não há dúvidas quanto à importância da amamentação para a saúde da mãe e do bebê. Nas últimas décadas, diversos estudos científicos demonstraram que amamentar traz inúmeros benefícios à saúde do lactente, como redução da mortalidade infantil, da desnutrição e do risco de obesidade no futuro. Para as mulheres, ajuda a diminuir a probabilidade de câncer de mama e de ovário, diabetes tipo 2 e doença cardiovascular.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a amamentação exclusiva previne doenças infectocontagiosa, melhora a digestão e as cólicas, reduz o risco de doenças alérgicas e fortalece a arcada dentária do bebê, além de fortalecer o vínculo entre mãe e filho.

Veja também: Principais dúvidas sobre amamentação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que os bebês sejam amamentados exclusivamente até os seis meses de idade, e que mesmo após a introdução de outros alimentos, sigam sendo amamentados até pelo menos os 2 anos. No entanto, ainda segundo a OMS, menos de 50% dos bebês do mundo são amamentados de acordo com as recomendações da organização.

No Brasil, as Pesquisas Nacionais de Prevalência de Aleitamento Materno realizadas entre 1999 a 2008 revelaram que a taxa de menores de quatro meses que eram amamentados com exclusividade subiu de 35,9% em 1999 para 51,2% em 2008. Esse aumento é resultado, ao menos em parte, da Política Nacional de Promoção e Apoio ao Aleitamento Materno, que permite uma série de medidas, como alojamento conjunto nas maternidades e a interrupção de fornecimento de produtos substitutos à amamentação pelos hospitais.

Apesar disso, muitas mães acabam deixando de amamentar pelo tempo necessário. Um dos motivos é o fato de que muitas mulheres precisam retomar o trabalho após os quatro meses de licença-maternidade, que em algumas empresas pode chegar a seis meses, ou até antes disso.

Mesmo que as leis trabalhistas garantam a licença-maternidade, muitas mulheres são autônomas ou trabalham no mercado informal, o que dificulta a amamentação.

São inúmeras as mães que não contam com uma rede de apoio que inclua o pai do bebê e outros parentes e amigos que possam apoiar a amamentação, que no início pode ser muito difícil. A livre demanda, recomendada pelas sociedades médicas e organizações de saúde, exige dedicação exclusiva à amamentação, mas é comum que as mães precisem cuidar da casa e do resto da família no pouco tempo que lhes sobra entre uma mamada e outra.

O resultado é que, exaustas e com muitas tarefas a cumprir, muitas mulheres acabam desistindo da amamentação. Além disso, até que a amamentação se torne mais regrada, são necessárias semanas, tempo em que muitas mães ainda estão se recuperando do parto e das alterações hormonais inerentes a esse período, enquanto se ajustam à nova rotina.

Ao contrário do que nos mostram os filmes e comercias de televisão, nem sempre a amamentação se dá de forma tranquila. É comum que a mãe sinta dor, que o leite se acumule nas mamas até que o ritmo entre as mamadas esteja estabelecido e que o bebê demore para conseguir sugar o leite de forma a ficar satisfeito.

Pouco se fala nisso, e o resultado é que o número de mulheres frustradas no início da amamentação é alto. As poucas que podem contar com orientação acabam superando essa fase, mas boa parte desiste e passa às fórmulas infantis ou leites artificiais.

 

Indústria das fórmulas infantis

A revista “The Lancet” lançou uma série de artigos e um editorial na semana passada chamando a atenção para as estratégias utilizadas pela indústria das fórmulas para lactentes. Segundo o editorial, essa indústria movimenta cerca de 55 bilhões de dólares por ano, e gasta 3 bilhões anuais com ações de marketing que exploram as preocupações e os receios dos pais durante momento tão vulnerável.

Os artigos mostram como comportamentos normais, que são parte do desenvolvimento do recém-nascido, como choro, agitação e sono agitado foram abordados e explorados pela indústria das fórmulas como atitudes patológicas que servem de motivos para a introdução da amamentação artificial.

Os fabricantes desses produtos vendem a ideia de que as fórmulas podem aliviar o incômodo e promover noites mais bem dormidas para o bebê e os pais, além de melhorar o desenvolvimento do cérebro e a inteligência das crianças – o oposto do que afirmam as evidências científicas acumuladas a favor da amamentação.

O fato de muitas marcas oferecerem produtos para todas as fases do desenvolvimento (recém-nascido, primeira e segunda infância) ajuda a tornar os pais fiéis aos produtos e a burlar as restrições de propaganda para fórmulas para recém-nascidos.

As ações da indústria incluem lobby contra leis de proteção e incentivo à amamentação e contra ações que visem a dificultar a propaganda de fórmulas infantis, como a distribuição de amostras de produtos às mães ainda na maternidade e a proibição de financiamento de congressos científicos por parte da indústria. Essas medidas foram adotadas por vários países, como o Brasil.

O autor de um dos artigos, Nigel Rollins, da ONU, afirma que para aumentar as taxas de amamentação são necessárias medidas como compromisso político, investimento econômico e apoio da sociedade civil às mães e famílias para que a amamentação se torne uma responsabilidade coletiva. Além disso, pede o fim da influência da indústria de fórmulas e produtos para substituir a amamentação nas políticas internacionais e regulações mais rígidas de propaganda, incluindo a digital.

O editorial da “The Lancet” termina com um recado muito contundente: as mulheres devem ser apoiadas em suas decisões, sejam quais forem, considerando que elas as tomam com base na informação que recebem e dentro das possibilidades que têm. Culpá-las não é a solução.

Assim, as informações sobre amamentação devem ser precisas, independentes, com base nos benefícios à saúde e sem a influência de práticas predatórias da indústria de produtos que visem substituir o aleitamento materno. Por fim, a sociedade em todas as suas esferas deve apoiar a mãe que amamenta.

 

Veja mais