Quanto mais o vírus circular, maior o risco de mutações do coronavírus.
Em dezembro/2020, um grupo de cientistas ingleses se reuniu para falar sobre Kent, condado no sudeste do país. Estavam preocupados com a disseminação aumentada do Sars-CoV-2 na região, enquanto no resto do país o número de casos se mantinha estável.
Como não encontraram explicações nos locais de trabalho nem no comportamento dos habitantes, as atenções se voltaram para o genoma do vírus. A revista “Science” descreve os resultados e as implicações desses estudos.
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Eles revelaram que cerca da metade dos casos ocorridos no condado era causada por uma variante específica do novo coronavírus (B.1.1.7), até então desconhecida. Ao analisar o padrão de disseminação da doença, verificaram que essa linhagem tornava o vírus mais adaptado à transmissão de uma pessoa para outra.
Foi a identificação dessa linhagem que levou o primeiro-ministro da Inglaterra a anunciar novo lockdown rigoroso. Justificou a necessidade, porque a variante seria até 70% mais contagiosa do que as demais no Reino Unido.
Apesar de não haver demonstração de que B.1.1.7 seja mais letal, vários países fecharam as fronteiras aos viajantes ingleses. Rapidamente, no entanto, ela foi detectada em vários países europeus e nos Estados Unidos. No Brasil, até o momento em que escrevo, surgiram quatro casos suspeitos, dois dos quais acabam de ser confirmados.
A probabilidade de uma linhagem se tonar resistente à vacinação ou à resposta imunológica de quem já teve a doença é pequena, uma vez que a imunidade natural ou adquirida tem como alvo diversas partes do vírus.
A emergência de B.1.1.7 trouxe à tona uma preocupação que não nos afligia, até agora: a evolução do vírus, processo através do qual os vírus acumulam mutações que podem modificar seu comportamento no decorrer de uma epidemia. Surgirão linhagens mais letais? E outras com mutações que as tornarão mais resistentes às vacinas?
A linhagem identificada em Kent emergiu com 17 mutações adquiridas, que alteraram a sequência de aminoácidos nas proteínas do vírus de uma só vez, fenômeno nunca visto num coronavírus. Oito delas ocorrem no gene que codifica uma proteína da coroa, crucial para a entrada do vírus nas células.
Embora novas linhagens virais emerjam com frequência nas epidemias, a maioria delas não leva a aumento da letalidade nem à facilidade de disseminação. Por isso o cuidado das autoridades inglesas em considerar mais contagiosa a linhagem identificada em Kent, conclusão só divulgada depois da constatação de que a atual linhagem substituía rapidamente as demais na população geral.
A probabilidade de uma linhagem se tonar resistente à vacinação ou à resposta imunológica de quem já teve a doença é pequena, uma vez que a imunidade natural ou adquirida tem como alvo diversas partes do vírus. Sarampo e poliomielite são flagelos milenares em que os vírus jamais conseguiram escapar da vacina. Porém, o aumento do número de pessoas infectadas por uma linhagem mais contagiosa, estará associado a maior número de hospitalizações e mortes, inevitavelmente.
O artigo da “Science” termina com uma advertência: “Quanto mais o vírus circula, maiores as oportunidades para sofrer mutações. Estamos num jogo muito perigoso”.