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O enigma da monogamia | Artigo

close de mão de casal dadas. razões genéticas da monogamia podem ser questionadas
Publicado em 28/04/2011
Revisado em 11/08/2020

Embora faltem pesquisas sobre a dissonância entre monogamia social e genética em seres humanos, laboratórios que estudam a incidência de doenças hereditárias nos países ocidentais têm demonstrado que pelo menos 10% das crianças não foram concebidas por aqueles que se consideram pais delas.

 

Monogamia social é uma coisa, monogamia genética é outra. A social acontece quando dois indivíduos de sexo oposto se unem para formar um casal. Já a genética é a monogamia sexual; para ocorrer, cada membro do par precisa garantir exclusividade de acesso sexual ao outro.

Monogamia social é fenômeno raríssimo entre os animais. Monogamia genética, então, nem se fala. Até nos pássaros que formam pares amorosos, como o joão-de-barro (acusado injustamente de emparedar no ninho a fêmea infiel), o DNA dos filhos muitas vezes não bate com o do pai social.

Veja também: A imposição sexual

Na evolução, o enorme esforço exigido na construção do ninho conferiu vantagens reprodutivas aos pássaros que dividiam essa tarefa com suas fêmeas. Os folgados, que deixavam a fêmea trabalhar sozinha, podiam não ter o ninho pronto no momento propício ou serem preteridos por machos mais cooperativos. Por isso, os cientistas acreditavam que um macho só investiria energia na arrumação do ninho na certeza de que seus genes seriam transmitidos aos descendentes. Estudos recentes de DNA abalaram essa convicção, entretanto.

Um trabalho conduzido na Universidade da Geórgia com 180 espécies diferentes de pássaros cantores acasalados mostrou que apenas 10% deles eram sexualmente monogâmicos. Para a surpresa dos pesquisadores, nem os pássaros azuis americanos, tradicionais modelos de fidelidade conjugal, escaparam: 15% a 20% dos filhotes são concebidos em encontros fortuitos das fêmeas com machos da vizinhança.

Nos mamíferos, diferentemente do que ocorre com os pássaros, a própria monogamia social é um acontecimento inusitado: apenas 3% a 10% formam casais que repartem os cuidados com a prole. No entanto, os estudos de DNA mostram que, mesmo entre estes, casamento não é sinônimo de monogamia sexual.

Embora faltem pesquisas sobre a dissonância entre monogamia social e genética em seres humanos de diferentes culturas, os laboratórios que estudam a incidência de doenças hereditárias nos países ocidentais têm demonstrado que pelo menos 10% das crianças não foram concebidas por aqueles que se consideram pais delas.

Para usarmos um exemplo próximo da espécie humana, vejamos o caso dos chimpanzés, animais que formam grupos sociais e possuem cerca de 99% de genes iguais aos nossos. Em todas as comunidades de chimpanzés já estudadas, os testes de DNA demonstram que boa parte dos filhotes é concebida por machos de comunidades alheias. A discordância genética entre pais sociais e genéticos chega a mais de 60%, em alguns casos. O fato é relevante não apenas pela proximidade genética conosco, mas pelos riscos que as fêmeas correm nessas escapadas às comunidades vizinhas numa espécie machista como a dos chimpanzés.

A fêmea se arrisca, porque os chimpanzés costumam matar premeditadamente os membros de grupos estranhos – única espécie, além do homem, capaz dessa façanha. As fêmeas que conseguem se afastar disfarçadamente do grupo natal e se aproximar dos vizinhos sem despertar reação violenta levam duas vantagens reprodutivas: acesso a genes que aumentarão a diversidade da prole (portanto, a probabilidade de sobrevivência) e proteção em caso de ataque (chimpanzés não costumam matar fêmeas com quem mantiveram relações sexuais).

Fenômeno raro, mas disperso na escala animal, a monogamia sobreviveu até nossos dias. Quando um acontecimento natural persiste por tanto tempo e em espécies tão diversas quanto a nossa e as dos passarinhos, é porque está apoiado em sólida base bioquímica. De fato, esse é o caso da monogamia.

Existe nas montanhas da Califórnia um pequeno roedor, pouco maior do que um rato, que contraria a regra geral de poligamia dos mamíferos. Durante dois anos, um grupo da Universidade do Texas testou o DNA de 28 famílias desses roedores em liberdade e não encontrou um só caso de discordância do DNA paterno.

Nesses roedores, o trabalho conjunto do casal é absolutamente imprescindível para a sobrevivência dos descendentes. A mãe dá à luz sempre na época mais fria do inverno, e os dois ou três filhotes que nascem de cada vez precisam ser aquecidos dia e noite pelo pai e pela mãe ao mesmo tempo, para não morrerem de frio. Se o macho sai de perto, a fêmea abandona imediatamente o ninho ou mata as crias.

Um grupo da Universidade de Maryland estudou a bioquímica envolvida no relacionamento sexual desses roedores monogâmicos. Seu comportamento sexual é caracterizado pelo grande número de relações mantidas no primeiro encontro amoroso. Como consequência dessa atividade frenética, os ovários da fêmea produzem um hormônio chamado ocitocina (existente em todos os mamíferos), ligado à lactação e ao comportamento maternal. Na circulação dos machos, é liberado outro hormônio, a vasopressina (presente em todos os mamíferos), associado à agressividade e ao comportamento paternal.

Ao chegarem ao cérebro, esses hormônios vão ligar-se a minúsculos receptores situados em estações de neurônios que ficam nas áreas que controlam as emoções e o comportamento sexual. Injeções de bloqueadores da produção de ocitocina e da vasopressina impedem que os casais formem laços de união depois do acalorado encontro inicial. Administração de drogas que impedem o acesso dos hormônios citados aos seus receptores cerebrais provoca exatamente o mesmo efeito.

Embora faltem pesquisas sobre a dissonância entre monogamia social e genética em seres humanos de diferentes culturas, os laboratórios que estudam a incidência de doenças hereditárias nos países ocidentais têm demonstrado que pelo menos 10% das crianças não foram concebidas por aqueles que se consideram pais delas.

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