É possível que tenhamos de vacinar a população toda, mas essa estratégia deverá ser implementada de modo ordenado segundo critérios técnicos. Leia artigo do dr. Drauzio sobre febre amarela.
Ameaças de epidemia causam pânico desde a Antiguidade. Pior quando são disseminadas por contágio inter-humano, transmitidas por insetos ou agentes desconhecidos.
Se você, leitor, está assustado com esses casos de febre amarela em São Paulo, preste atenção.
Navegadores que visitaram as costas da África, no tempo das caravelas, falavam de “uma febre misteriosa com calafrios, dores, delírios e vômitos negros capazes de levar o forasteiro à morte em poucos dias”.
Descrições como essa fizeram acreditar que a febre amarela teve sua origem no continente africano, suposição consistente com a constatação de que o Aedes aegypti, um dos mosquitos transmissores do arbovírus causador da enfermidade, provir da África.
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A partir do século 16, o mosquito emigrou repetidas vezes para as Américas, nos porões dos infames navios negreiros, em promiscuidade com mulheres e homens com apresentações pouco sintomáticas da doença. Ao chegar ao Novo Mundo, o arbovírus encontrou condições ideais para a disseminação: água parada e populações virgens de contato com ele.
A partir do século 18, ocorreriam epidemias recorrentes nas cidades das Américas, Europa e Ásia. José P. Rego estima que uma delas tenha atingido 90 mil dos 266 mil habitantes do Rio de Janeiro, apenas no ano de 1872.
Mais tarde, ficou evidente existirem duas formas idênticas da enfermidade: a silvestre, transmitida por mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que se infectam ao picar macacos doentes, e a urbana, transmitida pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue, zika etc.
Além dessas deficiências, faltam investimentos para desenvolvermos vacinas mais seguras, preparadas pela tecnologia de DNA recombinante. Com os avanços da biotecnologia e cientistas de alto nível no país, faz sentido o maior produtor mundial de vacinas contra a febre amarela continuar a produzi-las em ovos embrionados?
O último caso de febre amarela urbana no Brasil foi descrito em 1942. As formas silvestres, no entanto, continuaram a emergir, porque não há como eliminar a doença entre os macacos nem a transmissão ocasional para quem invade territórios habitados por eles.
Estamos vivendo uma epidemia urbana na cidade de São Paulo e adjacências? Claro que não. Todos os casos relatados até hoje são silvestres.
Esses doentes poderão infectar os Aedes e se disseminar pela cidade? Acho muito difícil. As autoridades sanitárias do nosso estado têm sido eficazes no registro dos pacientes e na vacinação das populações das áreas de risco.
Nada justifica o desespero de uma pessoa da zona sul deslocar-se para a zona norte atrás da vacina. Não é ético sobrecarregar os serviços de saúde locais com gente que não corre risco, em prejuízo daqueles que vivem em áreas nas quais apareceram macacos infectados.
Como agir? É simples: siga as orientações da Secretaria da Saúde do Estado. Dá para confiar? Temos um argumento forte: o último caso de transmissão urbana ocorreu há 76 anos.
É possível que, no final, tenhamos de vacinar a população toda, mas essa estratégia deverá ser implementada de modo ordenado segundo critérios técnicos. Não dá para ser feita na correria do salve-se quem puder.
Isso quer dizer que as autoridades sanitárias brasileiras têm adotado as medidas necessárias para combater a forma silvestre?
Não. Embora no estado de São Paulo a prevenção esteja bem organizada, em vários pontos do Brasil ela é precária. Num país que troca ministros e secretários da Saúde em subserviência a acordos políticos, que enfrenta a falta crônica de recursos, que esvaziou a Fundação Nacional de Saúde, responsável pelo combate às endemias rurais, que não estocou quantidade suficiente das vacinas que agora fazem falta e que não acompanha com estudos-sentinela rigorosos as migrações dos macacos doentes, ficamos expostos a situações como a atual.
Além dessas deficiências, faltam investimentos para desenvolvermos vacinas mais seguras, preparadas pela tecnologia de DNA recombinante. Com os avanços da biotecnologia e cientistas de alto nível no país, faz sentido o maior produtor mundial de vacinas contra a febre amarela continuar a produzi-las em ovos embrionados?
Em resumo, caríssimo leitor: se você mora na Vila Mariana, na Penha, na Mooca, no Tatuapé ou em qualquer bairro em que não tenham aparecido macacos mortos pela doença, aguarde a orientação da Secretaria do Estado. Não perca tempo nas filas. A vacinação desnecessária para você neste momento poderá faltar para quem realmente precisa dela.