Estudos têm demonstrado os benefícios do café na prevenção de doenças que atingem o fígado.
O café é bebida milenar originária do Oriente Médio e da Etiópia. O seu consumo mundial diário é estimado em 2,25 bilhões de taças em todos os continentes, ou seja, 7 milhões de toneladas por ano. O Brasil se destaca como um dos principais produtores e também como mercado consumidor.
O café contem a cafeína, uma meta-xantina também encontrada em chás e outras plantas. Faz tempo que se conhecem as propriedades estimulantes da cafeína para o cérebro humano, como também a possibilidade de gerar insônia ou arritmia cardíaca em alguns indivíduos que consomem a bebida em excesso ou possuem suscetibilidade genética a estes efeitos. Por outro lado, recentemente, o café foi cientificamente estudado quanto aos seus efeitos em outros órgãos e sistemas.
No fígado, os estudos científicos têm demonstrado os benefícios desta bebida na prevenção de doenças hepáticas e também no tratamento adjuvante de diversos agravos hepáticos.
No tratamento da hepatite C, o consumo de duas a cinco xícaras de café por dia é recomendado por especialistas, pois foi observado melhor chance de resposta ao tratamento antiviral.
Mais recentemente, observou-se que a cafeína se liga aos receptores de uma molécula chamada adenosina. Esse aspecto faz reduzir o mecanismo de fibrogênese hepática gerada por agressões – de qualquer natureza – às células do fígado. Torna-se, portanto, um agente possivelmente antifibrosante, reduzindo assim a evolução das doenças hepáticas para a cirrose.
O NIH (Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos), importante órgão de pesquisa médica, estudou 219 indivíduos e observou uma relação inversa entre o consumo de café e a mortalidade. Isso significa que aqueles que consumiam o café viviam mais do que os que não o consumiam. Comparando-se o consumo de café e de chá verde em pacientes consumidores de álcool, observou-se que o café melhorava as taxas do fígado, enquanto o chá verde não tinha qualquer efeito.
Outro estudo com 1.176 trabalhadores mostrou que os níveis de GGT (enzima hepática) estavam reduzidos naqueles que consumiam moderadamente café comparado aos que não o consumiam. Já em 740 pacientes com doença do fígado pelo consumo exagerado de álcool, demonstrou-se que aqueles que bebiam café tinham significante redução no risco do desenvolvimento de cirrose hepática.
Em outro estudo, o consumo regular do café em pacientes obesos com outro tipo de doença hepática associada à obesidade e a dislipidemia, chamada esteato-hepatite não alcoólica (NASH), muitas vezes associada ao diabetes, revelou que a esteatose hepática é menor nos que consumiam café comparado àqueles que não o consumiam.
Nos pacientes que submeteram à cirurgia bariátrica, aqueles que consumiam café tinham um escore de fibrose hepática menos avançada do que aqueles não o consumiam.
Na hepatite C, um estudo longitudinal envolvendo 776 pacientes tratados em longo prazo com baixa dose de interferon com intuito de reduzir a evolução da doença hepática, o consumo do café associou-se com menor resistência insulínica e lesão hepática mais leve na avaliação das biopsias do fígado.
Comparando-se aqueles que consumiam mais de três xícaras de café por dia com aqueles não consumiam café, havia uma nítida relação positiva do uso do café no menor risco de evolução da doença. Essa relação também foi estudada com o chá verde e com o chá preto, todavia não se encontrou evidências positivas no uso dessas duas bebidas. Aliás, há farta documentação implicando o chá verde em toxicidade, sobretudo quando prescrito em formulações ou consumido em excesso.
Mais recentemente, usando-se um moderno método de avaliação da fibrose hepática, chamado Fibroscan (método não invasivo que substitui a biopsia do fígado), observou-se que o consumo do café em portadores de hepatite B associou-se ao menor escore de fibrose no Fibroscan.
Num estudo no Japão, envolvendo mais de 20 mil pacientes com doença hepática crônica, foi observado que aqueles que consumiam café tinham o seu risco de câncer primário de fígado reduzido.
Uma meta-análise envolvendo 16 estudos confirmou que o risco do desenvolvimento do câncer de fígado entre aqueles que consumem café é reduzido comparado aos que não o consumiam.
Assim sendo, não há qualquer evidencia científica que demonize o café como inimigo do fígado como, infelizmente, circula na internet ou em algumas práticas médicas dissociadas da ciência.
Como medicina não é seita, medicina é ciência, todos os jargões que santificam o chá verde e demonizam o café não passam de práticas sem crivo científico e que precisam ser coibidas no nosso país. Infelizmente, a fácil circulação de informações na internet e outros meios de comunicação geram falsos conceitos e fazem vítimas entre indivíduos de boa fé.
Enquanto alguns alardeiam os benefícios do chá verde, a literatura médica é repleta de casos de toxicidade por esta bebida, pois o seu princípio ativo, a catequina, é comprovadamente tóxica para o fígado, inclusive porque é um agente pró-oxidante e não antioxidante como dizem aqueles que não respeitam a medicina baseada em evidencia cientifica. Já o café, basta ter acesso às fontes confiáveis de ciência médica para observar que não existem justificativas para tratá-lo como um “ inimigo do fígado”.
Bibliografia recomendada
- Saab e cols.– Impacto do Café nas Doenças Hepáticas. Liver International, 2013.
- Cronstein e cols: Receptores de Adenosina e Fibrose do Fígado. Um Estudo Translacional. Biology Rep. 2011.
- Jangs e cols: Efeito do Café, Cigarro e Álcool nos Testes de Função Hepática. Gastroenterology, 2012.
- Kaneha e cols: Tratamento da Esteato Hepatite Não Alcoólica e Consumo de Café. Liver International, 2013.
- Sasaky e cols: Efeito das Bebidas Contendo Cafeína nas Aminotransferases em Pacientes com Hepatite C. Plos Wan, 2013.
- Schuppe e cols: Carcinoma Hepatocelular. Tendências Epidemiológicas e Fatores de Risco. Digestive Desease, 2009.
- Freedman e cols: Consumo do café é inversamente proporcional à Mortalidade. New England Journal of Medicine, 2013.