Estudo revela que parasitoses podem comprometer o desenvolvimento da inteligência. Há milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no mundo, sem saneamento e, portanto, expostas a infecções parasitárias.
Se medir a inteligência de alguém já é tarefa inglória, imagine estimar seus valores médios em populações inteiras. Talvez não exista na Biologia campo mais sujeito a interpretações contraditórias, preconceituosas e apaixonadas.
Em 1990, foi descrito o efeito Flynn, segundo o qual ocorrem aumentos significantes das médias do quociente de inteligência (QI) em curtos intervalos de tempo, à medida que as nações se desenvolvem.
Em 2001, Lynn e Vanhanen fizeram a primeira tentativa de relacionar inteligência com desenvolvimento econômico, ao publicar um estudo sobre o QI médio dos habitantes de 81 países.
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Em 2005, N. Broder levantou a hipótese de que a inteligência, como outros traços psicológicos, é altamente plástica, portanto adaptável ao ambiente. Como consequência, tende a crescer com a escolaridade e com os desafios cognitivos impostos pelo meio, como os que surgem na migração do campo para a cidade.
Baseado no fato de que os níveis nacionais de QI são menores nos países com mortalidade infantil elevada e naqueles em que os bebês nascem com baixo peso, Broder concluiu que saúde e nutrição podem afetar a inteligência.
O que esses estudos não esclarecem, no entanto, é se existe relação de causa e efeito entre essas variáveis, isto é, se a instrução ativa a inteligência ou se indivíduos mais inteligentes estudam mais. O mesmo vale para os que abandonam a agricultura para tentar a sorte na cidade.
Diversos trabalhos demonstraram que infecções parasitárias e QI trilham caminhos opostos. Um deles, realizado no Brasil pelo grupo de Jardim-Botelho, mostrou que crianças escolares com ascaridíase apresentam performance mais medíocre nos testes de capacidade cognitiva.
Duas conclusões retiradas de vários estudos dão ideia da complexidade dessas interações:
1) O QI de uma população é menor nos países em que as temperaturas permanecem mais altas durante o inverno. Tem certa lógica: frio e neve exigem maior criatividade para sobreviver.
2) Como regra, quanto mais distante da Etiópia estiver o país, mais alto o QI de seus habitantes. Tem a mesma lógica: quanto mais se afastou da terra natal, mais desafios adaptativos o homem foi obrigado a vencer.
A você, leitor que resistiu com bravura à introdução, está reservada a cereja do bolo.
Cristopher Eppig e colaboradores escreveram um artigo na prestigiosa “Proceedings of The Royal Society”, propondo uma explicação unificadora, daquelas que nos deixa a sensação do porquê não pensei nisso antes.
Segundo eles, as causas apresentadas estão por trás de uma variável bem mais relevante: as infecções parasitárias.
Do ponto de vista energético, o cérebro é o órgão do corpo humano que mais consome energia: 87% no recém-nascido, 44% aos 5 anos; 34% aos 10; 23% nos homens e 27% nas mulheres adultas.
As infecções parasitárias interferem com o equilíbrio energético: 1) alguns micro-organismos se alimentam de tecidos humanos que precisam ser reparados; 2) outros vivem nos intestinos e prejudicam a absorção de nutrientes; 3) para multiplicarem-se, os vírus dependem da maquinaria de reprodução da célula, processo que exige energia; 4) o hospedeiro infectado precisa investir energia para ativar o sistema imunológico por longos períodos, nas infecções crônicas.
As diarreias na infância têm custo energético especialmente elevado. Primeiro, por causa da alta prevalência – estão entre as duas principais causas de óbitos em menores de 5 anos. Depois, porque dificultam o aproveitamento de nutrientes.
Quadros diarreicos de repetição durante os primeiros cinco anos de vida, podem privar o cérebro das calorias necessárias para o desenvolvimento pleno e comprometer a inteligência para sempre.
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Diversos trabalhos demonstraram que infecções parasitárias e QI trilham caminhos opostos. Um deles, realizado no Brasil pelo grupo de Jardim-Botelho, mostrou que crianças escolares com ascaridíase apresentam performance mais medíocre nos testes de capacidade cognitiva. E mais: naquelas parasitadas por mais de um verme intestinal, os resultados são piores ainda.
A hipótese de que infecções parasitárias prejudicariam o desenvolvimento da inteligência explica por que a média do QI aumenta rapidamente quando um país se desenvolve (efeito Flynn), por que o QI é mais alto nas regiões em que o inverno é mais frio (menos parasitoses) e por que nos países pobres os valores médios do QI são mais baixos.
No Brasil, existem 38 milhões de residências sem esgoto.