Manter o colesterol sob controle é uma das medidas para prevenir complicações cardiovasculares.
Quando você faz um exame de colesterol, os resultados dão o valor do colesterol total e os de três frações: HDL, LDL e VLDL. Muitos chamam o HDL de colesterol “bom” e o LDL de “ruim”.
O mecanismo central da arteriosclerose é a deposição de colesterol na parede das artérias. Nesse processo, estão envolvidas praticamente todas as lipoproteínas, entre as quais as citadas acima: HDL, LDL e VLDL.
Nas pessoas saudáveis, essas lipoproteínas distribuem e reciclam o colesterol. A deposição do colesterol na parede das artérias envolve as frações LDL e VLDL. Ao contrário, sua retirada da parede arterial é executada pela fração HDL. Nosso objetivo, no momento, é ajudá-lo a controlar os níveis de colesterol como prevenção das doenças cardiovasculares, principal causa de morte nas sociedades industrializadas. Para isso é fundamental caracterizar dois parâmetros: os fatores de risco e os limites para os valores do colesterol.
Fatores de risco
Como as heranças patrimoniais, a genética não prima pela imparcialidade. Tive um doente de 64 anos que ingeria uma dúzia de ovos cozidos todos os dias, desde os 18 anos, e tinha colesterol total sempre abaixo de 150. Outros não podem sequer olhar para um vidro de maionese. Os genes que herdamos de nossos antepassados trazem com eles fatores de risco variáveis para doença cardiovascular.
De acordo com o National Cholesterol Education Program, os principais fatores de risco são:
- Idade – Homens: 45 anos – Mulheres: Depois da menopausa;
- Fumo;
- Hipertensão: Mesmo quando tratada;
- Diabetes;
- História de doença cardiovascular em paciente de 1º Grau: Doenças instaladas em parentes masculinos antes dos 55 anos de idade ou em parentes femininos com menos de 65 anos;
- Níveis de HDL abaixo de 35 mg por dl: Pela tabela, um homem aos 50 anos, cujo pai teve infarto do miocárdio aos 53 anos, tem dois fatores de risco: idade e parentesco. Se ele for fumante e tiver HDL = 30, passa para quatro fatores e dobra o risco, embora possa considerar-se gozando de saúde perfeita.
Para manter adequados os níveis de colesterol e reduzir o risco de ataques cardíacos ou de outras enfermidades circulatórias, há duas medidas universais: controle do peso corpóreo e prática de atividade física. Quando estas falham, os médicos aconselham reduzir a quantidade de gordura na alimentação e, eventualmente, prescrevem medicamentos.
A tabela abaixo estabelece a estratégia para indicar restrição de gordura na dieta e o momento em que o tratamento medicamentoso deve ser introduzido:
A combinação dos fatores com a tabela mostra que não há valores fixos para orientar o controle do colesterol. Um homem de 50 anos (ou mulher na menopausa), com colesterol total = 220 e LDL = 140, não precisa restringir gordura na dieta nem tomar medicamentos, desde que não tenha outro fator de risco.
Se for fumante, por exemplo, terá dois fatores de risco e cairá na faixa dos que necessitam de restrições dietéticas. Se for portador de doença cardiovascular, o mesmo homem de 50 anos (ou mulher na menopausa) irá para o grupo dos que devem tomar remédio.
Veja também: O colesterol não é tão ruim assim
Um exame de sangue para prevenir ataque cardíaco
A relação entre altos níveis de LDL, o “mau” colesterol, e de uma proteína chamada C-reativa no sangue fornecem as explicações mais convincentes sobre as principais causas para a instalação de placas nas artérias que irrigam o coração. Aprendi na faculdade que ataques cardíacos aconteciam quando as coronárias eram entupidas por placas de colesterol.
A arteriosclerose seria consequência mecânica da deposição de placas de gordura no interior das artérias, processo irreversível e contínuo que se iniciava a partir da adolescência. Pela teoria, quanto mais gordura no sangue, mais rápida a velocidade de formação da placa, maior a probabilidade de obstrução. Naquele final dos anos 1960, começava a adquirir popularidade a determinação das concentrações das frações HDL e LDL do colesterol no sangue e passava-se a atribuir a elas valor prognóstico: o HDL seria a fração protetora,ou o “bom” colesterol, e o LDL, o “mau”.
Quanto mais alto o LDL, maior o risco de infarto do miocárdio (ataque cardíaco), derrame cerebral e complicações vasculares. Esse conceito foi aceito pelos médicos apesar de evidentes contradições:
- Há pessoas que nunca infartam apesar de apresentarem placas extensas, que lhes obstruem significativamente a luz das coronárias. Outras, portadoras de placas insignificantes, com pequeno grau de obstrução, podem sofrer infartos extensos;
- Níveis altos de colesterol explicam apenas 50% dos episódios de infarto; a outra metade dos eventos ocorre em pessoas com colesterol normal;
- As estatinas, drogas que reduzem as concentrações de colesterol no sangue, administradas a pessoas com LDL elevado, diminuem a probabilidade de ataques cardíacos e derrames cerebrais. Mesmo indivíduos com níveis normais de LDL, no entanto, podem beneficiar-se do uso desses medicamentos. No início dos anos 1990, surgiu uma linha de pesquisa nos laboratórios da Universidade de Harvard, que apresentaria explicação racional para as contradições acima e, em poucos anos, revolucionará o campo da prevenção e do tratamento da arteriosclerose. Das pesquisas iniciadas por esse grupo, emergiu o conceito de que a arteriosclerose é um processo inflamatório.
Entendê-la e tratá-la como resultado do acúmulo passivo de colesterol nas artérias é uma visão simplista, que deve ser abandonada. A formação da placa é um processo ativo, consequência de uma inflamação que se estabelece no local. As partículas de LDL em excesso que se acumulam junto às paredes internas de uma artéria sofrem alterações químicas que induzem as células do revestimento interno do vaso a produzir certos mediadores, que atraem glóbulos brancos com a finalidade de digerir essas partículas alteradas.
Inicia-se, no local, uma cadeia de reações imunológicas que resultará na deposição de uma camada formada por gordura e glóbulos brancos. Como defesa, na superfície dessa placa gordurosa, forma-se uma cápsula protetora, densa, de tecido fibroso, com o intuito de isolá-la e mantê-la íntegra, emparedada na superfície do vaso, sem interferir significativamente no fluxo sanguíneo (embora estreite a luz do vaso).
O infarto acontece não porque a placa necessariamente ocluiu a artéria afetada, mas quando substâncias resultantes das reações inflamatórias que ocorrem no interior da placa digerem a cápsula protetora e provocam a formação de coágulos, que se desprendem e são levados pela corrente sanguínea. A caracterização da arteriosclerose como processo inflamatório tem implicações práticas da maior importância: as mesmas células e moléculas envolvidas nas inflamações, resposta a agentes infecciosos e ao trauma, estão intimamente ligadas à gênese do processo arteriosclerótico. Uma dessas moléculas é a proteína C-reativa, substância presente em pequenas quantidades no sangue de pessoas normais, mas cuja concentração pode aumentar cem ou mil vezes na vigência de processos inflamatórios. Como a molécula dessa proteína permanece estável por décadas no sangue estocado, nos últimos anos surgiu uma avalanche de estudos que estabeleceram relações bem definidas entre os níveis de proteína C-reativa e o risco de acidentes cardiovasculares.
Deles, emergiram explicações mais claras para as contradições ligadas ao colesterol:
- Níveis elevados de proteína C-reativa estão associados a ataques cardíacos e a derrames cerebrais mesmo em indivíduos com LDL baixo;
- Níveis elevados de proteína C-reativa guardam relação linear com o número de acidentes cardiovasculares, isto é, quanto mais altos os níveis, maior a probabilidade de acidentes;
- Pessoas com níveis baixos de LDL e de proteína C-reativa são as que menor risco de doença cardiovascular apresentam. Ao contrário, as que possuem LDL e proteína C-reativa elevados apresentam risco de seis a nove vezes maior;
- Indivíduos com LDL baixo, que mesmo assim se beneficiam com o uso de estatinas, são justamente aqueles portadores de níveis altos de proteína C-reativa, sugerindo uma ação antiinflamatória para essa classe de drogas. As concentrações de proteína C-reativa no sangue são coerentes com os demais fatores de risco para doenças cardiovasculares. Seus níveis se elevam com o fumo, com o aumento de peso, com o diabetes, com a hipertensão arterial e com o passar dos anos.
O álcool exerce efeito aparentemente paradoxal: os abstêmios apresentam níveis mais altos da proteína, que caem nas pessoas que tomam um ou dois drinques por dia e sobem significativamente nos que exageram na bebida (distribuição que acompanha exatamente o risco de infarto). Além do colesterol, é claro, é preciso controlar os níveis de proteína C-reativa em seus exames de rotina.
A alimentação faz diferença
Os níveis de triglicérides, ou gorduras, existentes no sangue variam de acordo com o tipo de alimentação adotada. Está cada vez mais claro para os estudiosos do problema que uma dieta rica em gordura é um dos mais graves fatores de risco para o funcionamento das artérias que irrigam o coração.
Há mais de 40 anos, foi demonstrado que níveis altos de triglicérides estão associados à doença das coronárias. No entanto, essas gorduras presentes no sangue têm sido consideradas menos importantes do que certas frações do colesterol, como HDL (o colesterol “protetor”) ou LDL (o “mau” colesterol). Em 1996, uma compilação de vários estudos demonstrou que, para cada aumento de 88,5 mg na dosagem de triglicérides sanguíneos, o risco de doença coronariana aumenta 37% em mulheres e 14% nos homens. Os médicos têm considerado aconselhável manter os níveis de triglicérides abaixo de 200, mas não há unanimidade em relação a esse valor. Em 1984, o National Institute of Health, dos Estados Unidos, aceitava como desejáveis valores até 250. Recentemente, o Baltimore Coronary Observation Program sugeriu que níveis acima de 100 devem ser considerados anormais. Já a American Heart Association aceita valores até 150. A dieta é fator crucial na relação entre triglicérides e doença coronariana.
Cada vez que ingerimos gordura, o nível de triglicérides no sangue aumenta. O grau de aumento depende dos níveis basais de triglicérides. Por exemplo, uma pessoa que em jejum tenha triglicérides igual a 80 e almoce cheeseburger com batata frita e milkshake, poderá experimentar uma elevação entre 15% e 20% em seus níveis.
Embora esses valores subam para 92 a 96, ainda estão dentro da normalidade. A mesma refeição, em outra pessoa com valores basais igual a 300, elevará os níveis para mais de 350 o que é absolutamente desaconselhável. Para obtermos resultados laboratoriais confiáveis dos níveis basais de triglicérides, é preciso estar pelo menos 12 horas em jejum quando o sangue for coletado.
Além disso, existe variabilidade de 5 a 10% nos resultados de um laboratório para outro, podendo haver até 15% de variação de acordo com a posição em pé ou deitada no momento da coleta. Esses índices pouco afetam os resultados daqueles que apresentam resultados dentro da faixa da normalidade, mas podem ser significantes para os demais. Por isso, recomenda-se jejum de 12 horas, no mínimo, e colher o exame na mesma posição e no mesmo laboratório, sempre que possível. Independentemente dessas variações, triglicérides abaixo de 100 não requerem tratamento. No entanto, indivíduos com níveis superiores a 200 devem ser tratados. Na faixa entre 100 e 200 existe controvérsia em relação à necessidade de tratamento.
Nesse caso, fatores como história de ataques cardíacos na família, concomitância de hipertensão, diabetes, vida sedentária, tabagismo e níveis de colesterol devem ser levados em consideração. Modificações da dieta são muito eficazes no controle dos triglicérides, porque ela afeta seus níveis de forma muito mais evidente do que os do colesterol. Enquanto evitar alimentos ricos em gorduras saturadas (frituras e gordura animal) reduz o colesterol em apenas 5% a 10%, os triglicérides caem de 20% a 30%. Para reduzir triglicérides é importante, também, diminuir a ingestão de açúcares, porque o glicerol neles presente forma o esqueleto químico das moléculas de triglicérides.
Embora o álcool pareça ter menor impacto nos níveis de triglicérides do que se imaginava, sua ingestão concomitante com gorduras e frituras pode aumentá-los substancialmente. O exercício físico aeróbico é fortemente recomendado para os que apresentam triglicérides elevados. Sua prática reduz os níveis de 10% a 20%.
Substâncias como os ácidos graxos ômega-3, presentes no óleo de peixes como o salmão, constituem fontes alimentares importantes para quem precisa reduzir triglicérides. Para que sejam ingeridas nas quantidades adequadas, entretanto, é preciso comer cerca de 300 gramas de salmão por dia. Por isso, estão sendo desenvolvidas cápsulas de ômega-3 que supram essa necessidade de forma menos enjoativa.
Para os sedentários em que os esforços dietéticos tenham fracassado, o tratamento farmacológico está indicado. Três tipos de drogas são utilizadas: niacina, estatinas e fibratos. A niacina reduz os níveis de triglicérides de 10% a 30%. Doses de um a dois gramas são eficazes também para aumentar os níveis de HDL (o colesterol “protetor”). Redução do LDL, porém, requerem doses mais altas do medicamento. As estatinas são usadas para reduzir LDL e, concomitantemente, os triglicérides. São especialmente eficazes quando os níveis basais de triglicérides ultrapassam 250, pois induzem 20% a 40% de redução (contra 5% a 10% de redução quando os níveis basais são menores do que 150).
Os fibratos podem reduzir os níveis de triglicérides de 20% a 60% nos pacientes com colesterol total normal (abaixo de 200). Recentemente, um grande estudo conduzido entre pessoas com colesterol normal (em média 175) e valores médios de triglicérides iguais a 161 demonstrou que os fibratos reduziram o número de eventos cardiovasculares em 22%, resultado expressivo, num grupo que os médicos raramente consideram necessário tratar.