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Como conversar sobre educação sexual com crianças?

Orientações sobre sexualidade devem acontecer em casa e na escola e ajudam na prevenção de abusos sexuais.
Publicado em 30/10/2024
Revisado em 30/10/2024

Orientações sobre sexualidade devem acontecer em casa e na escola e ajudam na prevenção de abusos sexuais.

A educação sexual é um tema cercado de tabus e estigma, e muitas pessoas não entendem qual o seu propósito ou acreditam que ela tem a ver com erotização ou sexualização de crianças e adolescentes – o que não corresponde à realidade. 

A cartilha Caminhos para a construção de uma educação sexual transformadora, elaborada pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), reúne informações sobre o tema e defende que a educação sexual seja integrada em casa e nas escolas, além de destacar a importância de se discutir tópicos como desigualdades de gênero, diversidade sexual e direitos reprodutivos.

“A palavra sexual não faz referência ao sexo, mas à sexualidade. A educação sexual é o processo de ensino e aprendizagem da sexualidade humana, abrange informações sobre o corpo e também envolve fatores emocionais, sociais, culturais e prevenção às violências”, explica Nathalie Lima, pedagoga pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e especialista em orientação de pais.

Por que falar sobre educação sexual?

“Os estudos científicos nacionais e internacionais corroboram a relevância da educação sexual desde a infância, proporcionando às pessoas informação sobre sexualidade, algo imprescindível, uma vez que contribui para mitigar os mitos, os tabus e a desinformação”, afirma a Profa. dra. Andreza Marques de Castro Leão, livre-docente em educação sexual e docente do Centro de Pesquisas da Infância e da Adolescência (CENPE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Segundo a especialista, a educação sexual:

  • Ajuda na formação de pessoas cientes de sua sexualidade, tendo ciência de seus direitos e deveres, entre os quais, de respeitar a si próprio como ao outro;
  • Contribui para que as crianças saibam diferenciar toques de carinho e de higiene de toques invasivos ao corpo;
  • Mune as crianças de formação para ação, auxiliando-as a identificar situações suspeitas, dizer não e a recorrer a alguém que possa as acolher;
  • Ajuda na formação emancipatória e consciente da sexualidade. 

“Você já notou como as mulheres que têm a necessidade de pedir um absorvente higiênico às outras fazem isso de forma totalmente escondida, como se estivessem cometendo um crime? Isso é sinal da falta de educação sexual. Tratam o desenvolvimento da sexualidade como um tabu. A menstruação, por exemplo, é um fato da natureza humana. É por situações assim que reafirmo a necessidade da educação sexual desde a infância, para que possamos tratar com naturalidade aquilo que é natural. Quando as crianças têm acesso a esse tipo de conteúdo, com conversas desde muito pequenas, elas percebem que as pessoas tratam desse assunto de forma natural e crescem com esse sentimento de que o corpo é importante e está sempre em desenvolvimento”, afirma Nathalie. 

Orientações sobre sexualidade devem acontecer em casa e na escola e ajudam na prevenção de abusos sexuais.

Como o assunto deve ser abordado

Existem muitos tópicos que devem ser abordados com as crianças dentro desse contexto, como: diversidade dos corpos, anatomia (incluindo as partes íntimas), respeito aos corpos, emoções, sentimentos, autoestima, autovalor, consentimento, intimidade, privacidade, sinais de violência sexual, toques adequados e inadequados, prejuízos da pornografia e uso seguro da internet, entre outros. 

Os diálogos devem ocorrer de acordo com a idade da criança e esse processo pode ser iniciado desde o nascimento. “No momento da troca de fralda, você fala para essa criança que vai cuidar do seu corpo, que vai trocar a fralda, que o corpo dela é importante e especial, que vai manter o corpo limpinho. À medida que ela cresce, você também vai aumentando o repertório. Durante os banhos, é possível falar sobre a importância da higiene, dar exemplos, explicar que as nossas partes íntimas são tão importantes que têm até uma roupa especial: a roupa íntima! Tudo deve ser feito de forma natural. À medida que essa criança cresce [mais], você consegue ampliar essa conversa e falar sobre os toques adequados e inadequados, consentimento, valorização dos corpos e etc.”, esclarece Nathalie. 

Além disso, a curiosidade é algo característico das crianças e quando elas fazem perguntas de cunho sexual, é recomendado respondê-las de maneira clara, elucidativa e respeitando as particularidades da idade. Andreza explica que não se deve criar fantasias ou mitos, como, por exemplo, associar o nascimento às cegonhas, pois isso pode instigar ainda mais a curiosidade e gerar ansiedade. 

“Os pais podem usar livros voltados ao assunto, bonecos, contação de histórias e inúmeras estratégias, devendo se ater sempre a verdade, se colocando, de fato, como pessoas a quem as crianças podem recorrer para manifestar suas dúvidas, de modo que se sintam de fato respeitadas e aceitas, a despeito das questões que trazem”, explica ela. 

O ideal é responder às dúvidas sem gerar repressão ou medo e nem tratar o tema como um tabu. Por exemplo, uma criança de 5 anos pergunta de onde vêm os bebês. Como respondê-la? “Você pode usar uma literatura, e você vai explicar para ela que os adultos têm esse carinho, que é um carinho de adultos e eles ficam bem juntinhos, mas o enfoque disso não é a biologia, não é o encontro dos corpos e nem o encontro de um óvulo com espermatozóide, o foco de tudo isso é a afetividade. Então, o grande segredo para os pais, sempre que eles precisam dar uma resposta, é focar muito na afetividade, caprichar nessas características do afeto, do amor e trazer essa resposta, uma resposta correta, coerente e nunca mentir. As perguntas começam muito cedo, mas vão aumentando a profundidade. Com 4 anos eles já podem perguntar como foram parar na barriga”, conta Nathalie. 

Veja também: Meu filho está consumindo pornografia. E agora?

Como se informar sobre o tema

Por se tratar de um assunto que gera desconforto em famílias e educadores, a dica é começar com as literaturas infantis sobre o tema – Nathalie, inclusive, escreveu o livro infantojuvenil “Turma da Aninha em A Brincadeira que Protege”, que fala sobre educação sexual para prevenção de abusos em crianças de forma lúdica. 

“Por meio dos livros você fala dos personagens e não de uma criança específica. A literatura não constrange, existe leveza para tratar de um assunto que às vezes é pesado. Iniciando pelas literaturas, as pessoas vão ganhar confiança e depois podem alcançar profundidade no assunto. Além disso, existe muito conteúdo gratuito e de qualidade na internet. É possível assistir vídeos de profissionais sérios, por exemplo. No meu canal do YouTube eu ensino de forma prática sobre sexualidade e prevenção. Vale a pena começar, pois educação sexual salva vidas”, afirma a pedagoga. 

As questões levantadas pelas crianças são muitas e por isso é preciso os pais estarem atentos, de modo a responder prontamente e, no caso de dúvidas, a recomendação é recorrer a materiais sobre o tema.

“Tem-se artigos, livros, capítulos de livros, entre outros veiculados de informação que podem os subsidiar neste sentido. No trabalho de prevenção ao abuso sexual podem fazer uso destes materiais e de outras estratégias, sendo importante, dentro disso, explicar sobre corporeidade, direitos, limites, consentimentos, entre outros aspectos afins a este assunto”, diz Andreza. 

Livros para falar sobre educação sexual com crianças

Prevenção da violência sexual

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, o Brasil registra 1 estupro cada 6 minutos, e a imensa maioria (76%) dos casos são estupros de vulneráveis, ou seja, quando as vítimas são menores de 14 anos ou incapazes de consentir o ato por qualquer motivo. 

Diante desse cenário, são necessárias ações para prevenir e proteger as crianças de casos de abuso sexual. E a educação sexual é uma das ferramentas para isso. Por meio dela, as crianças podem aprender desde cedo a diferenciar toques invasivos de toques de afeto ou de cuidados de higiene e, além disso, entender que têm o direito de recusar situações que lhe causem incômodo ou constrangimento. 

Para Nathalie, a educação sexual é importante para dar nome às coisas e comportamentos inapropriados e, dessa forma, ajudar as crianças a saberem como se defender.

“Como você descobriu o nome das coisas? Como você sabe que televisão se chama televisão? Que computador se chama computador? Com certeza, desde que você era criança conseguiu ouvir de alguém essas palavras. As pessoas nomearam para você os objetos. Essa é a valiosa contribuição da educação sexual para a prevenção de abuso e violência sexual em qualquer faixa etária. Se a criança ouve falar sobre esse assunto, se ela toma consciência de que aquilo existe, ela vai conseguir nomear, se defender e pedir ajuda. Eu ouço muitos relatos de adolescentes e adultos abusados afirmando não saber o que estava acontecendo porque ninguém nomeou. Ouço de mulheres adultas que sentiam incômodo com comportamentos de determinada pessoa, mas nem sabiam que aquilo era crime. Assim, a educação sexual vai nomear comportamentos inapropriados, explicar e mostrar às crianças como se defender. Educação sexual é autoproteção”, afirma ela. 

“A educação sexual vai nomear comportamentos inapropriados, explicar e mostrar às crianças como se defender. Educação sexual é autoproteção”

Nathalie Lima

Veja também: Educação sexual ajuda a diminuir vulnerabilidades das mulheres | Coluna

Educação sexual deve estar na escolas 

Ainda de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, quase 85% dos casos de estupro são praticados por familiares ou conhecidos da família, e quase 62% deles acontecem dentro de casa.

“A escola é um lugar de segurança para prevenir e identificar as violências. Além disso, é na escola que as crianças aprendem a viver em sociedade, a respeitar o outro, a consentir ou não, a colocar limites nas outras pessoas, por isso é tão importante que a educação sexual formal aconteça nas escolas”, diz Nathalie. 

Para Andreza, a educação sexual é uma urgência educativa. “Esta educação traz inúmeros contributos, entre os quais, contribui para erradicar os preconceitos, mitos, tabus, a misoginia, o machismo, o sexismo, a homofobia, o adultocentrismo, entre outros. Auxilia também no combate ao abuso sexual, à violência no namoro, à violência contra a mulher, ao bullying, ao cyberbullying, ao sexting, à pornografia infantil, entre outros. Além disso, muni as pessoas de informação, cientes de sua sexualidade, sabedores de seus direitos e deveres. Enfim, auxilia a se ter uma sociedade mais harmônica, equânime, igualitária e acolhedora em que os direitos das pessoas sejam de fato considerados.”

Orientações sobre sexualidade devem acontecer em casa e na escola e ajudam na prevenção de abusos sexuais.

No entanto, existem algumas barreiras que dificultam a difusão desse conhecimento nas escolas. A primeira delas, segundo Nathalie, é a lacuna na formação profissional, já que as licenciaturas, de forma geral, não abordam essa temática na formação inicial. “Quando chegam às escolas esses profissionais, inevitavelmente, terão que lidar com as manifestações sexuais das crianças e dos adolescentes. Por isso, eu defendo educação sexual na formação inicial e continuada de professores, bem como educação sexual nos projetos político pedagógicos das escolas.”

Outra barreira que os professores enfrentam é a resistência dos pais, que desconhecem o tema. “Muitas famílias acreditam que a educação sexual vai motivar o interesse das crianças sobre sexo, porém as pesquisas apontam que a realidade é totalmente contrária. Quando crianças e adolescentes têm acesso a conteúdos adequados, é possível minimizar a curiosidade e elas iniciam a vida sexual mais tarde. Para que a educação sexual seja uma realidade nas escolas é necessário primeiro cuidar da formação docente e, na sequência, trazer os pais para perto”, completa a pedagoga. 

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