Famosos vapes podem causar prejuízos à saúde dos usuários; especialistas discutem impactos na fertilidade de mulheres
O consumo de cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, têm crescido de forma expressiva, especialmente entre as mulheres jovens. Um estudo publicado no CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, dos Estados Unidos) chegou a apontar uma prevalência maior entre as adolescentes americanas do que entre os adolescentes de mesma idade do sexo masculino.
Apesar de serem promovidos falsamente como uma alternativa mais “segura” ao tabaco tradicional, pesquisas recentes começam a apontar preocupações sobre os efeitos desses dispositivos na saúde reprodutiva feminina.
De acordo com a dra. Paula Fábrega, médica endocrinologista do Hospital Sírio-Libanês, o tabagismo afeta a concentração do hormônio folículo estimulante – FSH, que regula a maturação dos óvulos durante a idade fértil e, quando em quantidades elevadas, pode indicar a perda da função ovariana. E embora os dados sejam menos robustos, já há evidências sugerindo uma redução nos níveis do hormônio anti-mülleriano – AMH (uma proteína produzida pelos folículos ovarianos que serve como um marcador da reserva ovariana, ou seja, a quantidade de óvulos disponíveis nos ovários) entre as mulheres que fazem uso desses dispositivos.
Nessa mesma linha, outro estudo conduzido pela empresa especializada em fertilidade Hertility Health, que envolveu 325 mil mulheres, revelou que aquelas que usavam ‘vapes’ apresentavam níveis mais baixos de AMH em todos os grupos etários. São descobertas importantes, especialmente em um contexto onde a reserva ovariana já diminui naturalmente com o passar dos anos.
Além da queda do AMH, os vapes também afetam a qualidade do endométrio, tecido que reveste o útero e é crucial para a implantação do embrião. “Estudos¹ em roedores observaram retardo na implantação do embrião, diminuição da qualidade do endométrio para essa implantação e redução da saúde dos óvulos”, acrescenta a dra. Fábrega.
Esses fatores, somados, criam um cenário onde o uso de vapes pode comprometer seriamente a fertilidade feminina, especialmente entre as jovens que estão adiando a maternidade.
Substâncias tóxicas
Os cigarros eletrônicos contêm uma série de substâncias tóxicas, entre elas a nicotina, que é o principal componente do cigarro eletrônico e está associada à redução do fluxo sanguíneo para os órgãos reprodutivos, o que pode afetar negativamente a nutrição e a maturação dos óvulos. Além disso, metais pesados, como chumbo, cádmio e níquel, bem como substâncias como benzeno e formaldeído, também estão presentes nos vapes e podem ter impactos nocivos.
O dr. Pedro Augusto Araújo, membro da Comissão de Reprodução Assistida da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), destaca que “o propileno glicol e a glicerina vegetal, utilizados como base líquida nos vapes, podem trazer complicações sistêmicas, como inflamação pulmonar, que indiretamente pode contribuir para a infertilidade”. Ele ainda acrescenta que muitos flavorizantes utilizados nesses dispositivos contêm substâncias que podem se acumular no organismo ao longo do tempo, causando efeitos tóxicos que afetam tanto a saúde geral quanto a capacidade reprodutiva das mulheres.
Ciclo menstrual e qualidade dos óvulos
Estudos sugerem que os efeitos dos cigarros eletrônicos vão além da reserva ovariana, afetando também o ciclo menstrual e a qualidade dos óvulos. O dr. Araújo ressalta que a exposição prolongada às substâncias presentes nos vapes “pode alterar o equilíbrio hormonal e impactar diretamente a qualidade dos óvulos”. Isso pode resultar em ciclos menstruais irregulares, menor chance de ovulação e dificuldades para engravidar.
A dra. Ana Paula Beck, ginecologista e obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein, também confirma que, embora os dados ainda sejam iniciais, já se observa uma “queda da fertilidade nas mulheres que usam cigarro eletrônico, possivelmente devido à diminuição do hormônio anti-mülleriano”. Ela enfatiza que os estudos em reprodução assistida são os primeiros a demonstrar essa queda, uma vez que as mulheres que tentam procedimentos como fertilização in vitro apresentam menor sucesso quando fazem uso de vapes.
Apesar da falta de dados conclusivos, a dra. Beck ressalta que “o cigarro eletrônico potencializa o efeito de substâncias como a nicotina, o que pode piorar a fertilidade feminina, mesmo que ainda não tenhamos uma correlação definitiva”.
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Estilo de vida
O estilo de vida também desempenha um papel significativo no impacto dos cigarros eletrônicos sobre a fertilidade. A obesidade, o sedentarismo, o consumo excessivo de álcool e outras condições de saúde, como a síndrome dos ovários policísticos, podem agravar os efeitos nocivos do vape na capacidade reprodutiva. Segundo a dra. Fábrega, “o tabagismo está relacionado ao sedentarismo, obesidade e alcoolismo, fatores que prejudicam ainda mais a fertilidade”.
O dr. Araújo reforça que a obesidade e outras condições de saúde preexistentes podem potencializar os danos causados pelos cigarros eletrônicos. Ele explica que “uma dieta com pouca proteína, baixa atividade física e ingestão de bebidas alcoólicas estão associadas a uma degradação da capacidade procriativa”. Esses fatores, somados ao uso de vapes, aumentam o risco de infertilidade, tanto em mulheres quanto em homens.
O impacto nos homens
A nicotina presente nos vapes afeta diretamente a espermatogênese, o processo de produção dos espermatozoides. “Os estudos em homens indicam redução da quantidade e qualidade dos espermatozoides, além de redução da testosterona e disfunção sexual como um todo”, afirma a dra. Fábrega.
O dr. Araújo também observa que “o cigarro eletrônico pode aumentar o estresse oxidativo e causar danos ao DNA do espermatozoide, o que pode ter um impacto significativo”. Além disso, a exposição a toxinas ambientais e o estilo de vida inadequado agravam ainda mais o cenário para homens que utilizam cigarros eletrônicos.
Embora os estudos ainda estejam em fases iniciais e mais pesquisas sejam necessárias para estabelecer uma correlação definitiva, os especialistas já apontam para a necessidade de cautela. Como destaca a dra. Beck, “quanto melhor a qualidade de vida, melhor a saúde feminina, e isso inclui evitar o uso de cigarros eletrônicos”.
Fonte:
¹Wetendorf, M., Randall, L. T., Lemma, M. T., Hurr, S. H., Pawlak, J. B., Tarran, R., Doerschuk, C. M., & Caron, K. M. (2024). E-Cigarette Exposure Delays Implantation and Causes Reduced Weight Gain in Female Offspring Exposed In Utero. Department of Cell Biology and Physiology, University of North Carolina, Chapel Hill, NC. ORCiD: 0000-0002-0473-9422 (M. Wetendorf), 0000-0002-2407-2944 (J. B. Pawlak), 0000-0002-8598-2642 (R. Tarran), 0000-0003-2638-3321 (C. M. Doerschuk), 0000-0002-7033-9232 (K. M. Caron).
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