Em algumas partes do globo, o rápido envelhecimento da população exige esforços mais urgentes no cuidado de pacientes com demência. Entenda o fenômeno.
O risco de uma pessoa com 65 anos ter demência é de 3%. Conforme os anos passam, esse risco aumenta. Ao chegar aos 90 anos, portanto, ele já está na casa dos 33%. Ou seja, uma em cada três pessoas nessa faixa etária estará sujeita a desenvolver doenças como o Alzheimer.
A demência é um conjunto de síndromes que prejudicam as habilidades mentais de uma pessoa, comprometendo a memória e a tomada de decisões. Ela é mais frequente em idosos, porque está associada a outras condições de saúde que costumam aparecer nessa faixa etária.
Como resultado do envelhecimento populacional, o aumento dos casos de demência já é uma realidade no mundo todo. Mas em países em desenvolvimento, como o Brasil, esse crescimento é ainda mais acelerado — e preocupante.
Por que os países emergentes estão tendo mais casos de demência?
O envelhecimento da população mundial (ou seja, quando as taxas de natalidade e mortalidade diminuem) acontece desde o século 19. No entanto, o fenômeno ocorre de modo diferente em cada região do globo.
Nos países em desenvolvimento, esse processo, além de ter começado mais tarde, também se dá de forma acelerada. É o caso, por exemplo, das nações africanas, latinoamericanas e do Sudeste Asiático. Para se ter uma ideia, enquanto a França demorou cerca de cem anos para passar de 7% para 14% da população com mais de 65 anos, o Brasil chegou à mesma marca em apenas 20 anos, de acordo com as últimas edições do Censo IBGE.
Segundo um artigo publicado na revista “The Lancet”, a estimativa é que o mundo passe de 57,4 milhões de pessoas vivendo com demência em 2019 para 152,8 milhões em 2050. No Brasil, é possível que esse número chegue a 5,5 milhões, de acordo com o estudo ELSI-Brazil.
“As pessoas estão vivendo mais e, como as demências são doenças relacionadas ao envelhecimento, agora a gente vê cada vez mais casos. E isso tem uma sobrecarga muito grande, não só do ponto de vista individual, mas também para o sistema de saúde”, destaca a geriatra Claudia Suemoto. A médica e pesquisadora chamou a atenção para o tema durante a sua palestra “Prevenção de demência na América Latina: a mesma estratégia funcionará para todos?” no Congresso Brain, Behavior and Emotions 2024, evento que reúne diversos especialistas da área de neurociências.
Impactos da demência para quem convive com ela
O Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (ReNaDe) calcula que a demência tenha custado ao mundo cerca de 1 trilhão de dólares em 2019. Outro artigo, publicado na revista “PLOS ONE”, demonstrou que o custo chega a 1,37 mil dólares por mês para a família, o que representa mais que o dobro da renda média mensal do brasileiro. A situação fica ainda pior quando pensamos que a pessoa que se dedica ao cuidado do paciente, muitas vezes, precisa deixar de trabalhar total ou parcialmente, tendo um prejuízo de cerca de 40% desse valor.
Isso porque, com o avançar da doença, a pessoa com demência se torna incapaz de se cuidar sozinha. Inicialmente, ela precisa de ajuda para tomar os medicamentos. Depois, para tomar banho, levantar da cama ou trocar de roupa. Por fim, ela não consegue mais se locomover nem tomar decisões de forma coerente e segura. Em casos mais graves, faz-se necessário a presença de cuidadores 24 horas por dia, sete dias por semana.
“E aí tem o impacto psicológico também. De você ter uma pessoa da sua família doente a ponto de precisar de cuidados com essa intensidade. Não te reconhece mais, não é capaz de cuidar de si próprio. Toda vez que você tem um paciente com demência, você tem normalmente um familiar que também está envolvido com a doença”, afirma a dra. Claudia.
Especialistas estimam que quase 40% dos cuidadores desenvolvem quadros de depressão em até um ano após começarem a tomar conta de pacientes com demência. Dados do relatório Global status report on the public health response to dementia informam que, nos países de baixa renda, 65% desses cuidadores são membros da família e, entre eles, 70% são mulheres.
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Quais são as iniciativas do Brasil no cuidado com a demência?
No entanto, o acesso ao diagnóstico e ao tratamento para demência ainda são incipientes no Brasil. Além do estigma associado à doença, há também o despreparo dos profissionais de saúde e das unidades de atendimento para a investigação e manejo adequado do quadro.
Em junho de 2024, foi aprovada a lei que institui a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. As novas diretrizes para o tratamento incluem:
- A articulação de vários setores, como saúde, previdência e assistência social, direitos humanos, educação, inovação e tecnologia;
- Integração dos aspectos psicológicos e sociais no cuidado do paciente;
- Oferta de um sistema de apoio para a família;
- Abordagem interdisciplinar para o paciente, os familiares e o cuidador;
- Incentivo à formação e capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com demência;
- Estímulo à pesquisa científica na área;
- E promoção de orientação e conscientização da população sobre o assunto.
“Isso é uma vitória, mas é uma coisa muito recente, que precisa ser bastante trabalhada. O que a gente faz desde o momento que a pessoa tem a queixa? Qual é o plano para fazer o atendimento inicial e o diagnóstico? A partir do momento que a gente tem o diagnóstico de diferentes fases da demência, qual é o cuidado que essa pessoa vai receber? Não existe isso. Tem muita coisa para ser feita”, alerta a dra. Claudia.
O que o resto do mundo está fazendo?
O atraso destacado pela geriatra não é exclusividade do Brasil. Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou que, até 2025, pelo menos 75% dos países deveriam ter um plano nacional de demência. Em 2021, apenas um quarto deles havia cumprido a meta. Metade está na Europa e, ainda assim, muitos dos planos estão expirando ou já expiraram. No mesmo ano, na América Latina, apenas México, Cuba, Costa Rica e Chile ofereciam um apoio elaborado ao paciente com demência e seus familiares.
“Existem várias diferenças tanto entre países, ricos e pobres, quanto dentro de uma mesma cidade. São muitas as disparidades socioeconômicas. Mas realmente é importante que a gente tenha políticas públicas que olhem para essa população. E que isso seja pensado para ontem, né? Porque o envelhecimento populacional está acelerado e vai continuar”, ressalta a especialista.
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