O aumento expressivo de casos de HIV entre idosos no Brasil reflete tabus, estratégias de campanhas e sexualidade na terceira idade.
Quando falamos sobre HIV, a imagem do idoso não é a que costuma vir à nossa mente. Mas é necessário tratar da incidência do vírus nas pessoas mais velhas, ainda mais quando constata-se que o número de casos vem crescendo nessa população: um aumento de 400% em 10 anos. Em 2012, foram 378 pessoas com 60 anos ou mais infectadas. Em 2022, esse número subiu para 1.951, segundo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde.
O dr. André Bon, infectologista do Hospital Brasília, da Dasa, e membro do Comitê Técnico Assessor para Terapia Antirretroviral para Adultos do Ministério da Saúde, destaca que diversos fatores contribuem para essa alta. “A falta de campanhas direcionadas à população idosa acarreta menos acesso à informação neste grupo. Desinformados, eles ficam mais expostos ao risco, contribuindo para o aumento do número de casos”, explica.
Outro ponto é a negligência quanto às medidas preventivas. Muitos idosos deixam de usar preservativos por não precisarem mais se preocupar com gravidez. “Eles esquecem que o uso de preservativos reduz também o risco de HIV e outras ISTs”, pontua o especialista.
Além disso, o acesso ampliado a medicamentos para tratar disfunção erétil tem melhorado a vida sexual dessa faixa etária, aumentando, porém, o risco de exposição ao vírus. A maior frequência de testagem também contribui para a detecção de mais casos. “Com a testagem mais acessível e indicada pelos profissionais de saúde, mais diagnósticos de HIV estão sendo feitos entre os idosos”, completa o dr. André.
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Estigma e diagnóstico tardio
Se o aumento de diagnósticos é um reflexo de avanços na saúde pública, ele também expõe desafios sociais. O preconceito em relação ao HIV ainda é um problema latente e que, na terceira idade, pode ser ainda mais intenso. Segundo dados do Ministério da Saúde, 35% dos diagnósticos entre idosos ocorrem em estágios avançados, evidenciando como o estigma pode atrasar a busca por testagem e tratamento.
O dr. André alerta: “Nos pacientes idosos, devido a características sociais, o preconceito pode ser ainda maior. Este problema impacta diretamente no diagnóstico e tratamento adequado dessa população.”
De fato, o estigma faz com que muitos idosos evitem a testagem, sendo diagnosticados apenas quando adoecem. O diagnóstico tardio pode reduzir significativamente as chances de um tratamento eficaz.
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Prevenção
As medidas preventivas contra o HIV são universais e independem da idade. O dr. André ressalta o conceito de prevenção combinada, que inclui várias estratégias para reduzir o risco de infecção. “Testagem regular para o HIV, hepatites virais e outras ISTs; profilaxia pós-exposição (PEP); profilaxia pré-exposição (PrEP); diagnóstico e tratamento de ISTs e hepatites virais; uso de preservativo masculino ou feminino; e tratamento de todas as pessoas vivendo com HIV são medidas essenciais”, afirma.
Entretanto, para que a prevenção seja efetiva, é necessário superar barreiras culturais e educacionais. Muitos idosos ainda veem o uso de preservativos como algo desnecessário ou desconfortável. Campanhas que abordem de forma respeitosa e clara a sexualidade na terceira idade podem ajudar a mudar essa percepção.
Tratamento e cuidados específicos
Quando se trata do manejo do vírus, os idosos enfrentam desafios adicionais. “A população idosa frequentemente possui outras comorbidades além do HIV, como diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. Portanto, além dos cuidados com os efeitos adversos das medicações para o HIV, é fundamental que haja atenção para a possibilidade de interações medicamentosas”, explica o infectologista.
Hoje, o tratamento para HIV é mais simples e acessível do que nunca. Atualmente, o tratamento é realizado com dois comprimidos por dia e apresenta poucos ou nenhum efeito colateral. Ainda assim, é essencial que os profissionais de saúde avaliem cuidadosamente as condições clínicas dos pacientes idosos e ajustem o tratamento conforme necessário.
Veja na lista a seguir alguns mitos e verdades que ainda cercam o HIV:
- Pessoas com HIV têm uma expectativa de vida muito curta.
- Mito: Com o tratamento adequado, uma pessoa diagnosticada com HIV pode viver tanto quanto uma pessoa sem o vírus.
- O HIV é uma doença de jovens.
- Mito: A prevalência de HIV entre pessoas com 60 anos ou mais tem crescido nos últimos anos.
- O HIV não é transmitido pelo beijo, suor e lágrimas.
- Verdade: O vírus é transmitido apenas por relações sexuais sem preservativo, compartilhamento de agulhas ou de mãe para filho durante a gravidez, parto e amamentação.
- Todas as pessoas com HIV podem transmitir o vírus por relação sexual.
- Mito: Pessoas vivendo com HIV em uso de antirretrovirais e com carga viral indetectável não transmitem o HIV por relação sexual.
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