Nenhum médico de acostuma com a morte de pacientes, mas quem exerce a profissão precisa criar mecanismos para lidar com essa realidade.
Na oncologia, os médicos lidam diariamente com casos incuráveis. O encontro rotineiro com a morte faz com que muitas pessoas acreditem que os profissionais de saúde se acostumam com a morte, mas isso não é verdade. Eles apenas desenvolvem mecanismos para não reagir de forma emocional, o que nem sempre dá certo.
Neste vídeo, o dr. Drauzio explica o trabalho médico de reduzir o sofrimento humano. Assista.
Não pode assistir agora? Acompanhe a transcrição a seguir:
Olá, eu me formei 55 anos atrás. Desses 55, 50 foram dedicados à oncologia. Quem trabalha com doenças desse tipo enfrenta muitas situações em que os pacientes evoluem mal e evoluem pra morte. E a maioria dessas vezes, no caso da oncologia, você quando recebe o paciente pela primeira vez, você já sabe que aquele caso é um caso incurável. Você poderá tratar desse doente, ele poderá responder, mas você sabe que a doença não mais será eliminada.
Essa repetição desses encontros com a morte faz as pessoas suporem que o médico se acostuma com ela – o médico, a enfermeira, o pessoal que trabalha nos atendimentos dos doentes mais graves. Não é verdade. Ninguém se acostuma com essa realidade, ninguém. O que você desenvolve são formas de não ter uma reação emocional diante dessa adversidade. Às vezes, é inevitável. Muitas vezes, eu saí do quarto de um doente e me escondi na escadaria do hospital porque perdi o controle emocional e chorei durante algum tempo. Muitas vezes.
Mas você, nesse tipo de relação, você tem que ser o equilíbrio, você é um médico, o paciente depende das medidas que você vai tomar. E, com os anos, você aprende que a medicina que te ensinaram na faculdade, que é essa medicina curativa, de chegar lá, né, intervir, ficar bom, ir embora, ter alta, não é a medicina real. Muitos doentes são incuráveis, muitos doentes vão perder a vida, e a sua função não acaba no momento em que você se convence que aquela pessoa não será mais curada, ela acaba no momento em que aquela pessoa der o último suspiro.
É aí que acabou sua função. Até ali você tem a função de tentar fazer com que essa passagem seja a mais cômoda possível, você tem que evitar o sofrimento, que essa é a função da medicina. Pra que que existe essa profissão? Existe pra evitar o sofrimento humano ou pra reduzir o sofrimento humano. E é nessa hora que você tem que exercer todas as suas habilidades pra dar a ela um final tranquilo, pra conseguir organizar a parte emocional dos familiares que acompanham os pacientes e que nem sempre têm as reações mais adequadas e conseguir essa harmonia toda.
Você aprende a fazer isso? Acho que numa vida só, não, mas você faz melhor à medida que o tempo passa.
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