Genética tem papel fundamental, mas comportamento sexual sofre influência do ambiente.
Reduzida à essência biológica, a vida é um eterno crescei e multiplicai-vos.
Descendemos de indivíduos que adotaram estratégias sexuais capazes de lhes garantir acesso à fecundação. Os genes dos que falharam nesse quesito foram eliminados do “pool” genético da humanidade.
Observador atentíssimo da natureza, Charles Darwin nos ensinou que, nas aproximações para o acasalamento, o desafio de ser escolhido recai sobretudo sobre os machos, na maioria das espécies. Por essa razão, eles desenvolveram habilidades funcionais e caracteres estéticos atrativos para o sexo oposto: a cauda dos pavões, o canto dos sabiás, a musculatura do leão.
Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre genética e sexualidade
No século 20, Angus Bateman e Robert Trivers concluíram que características como essas aumentam a probabilidade de transmissão dos genes masculinos à descendência, já que as fêmeas precisam ser seletivas, porque investem na reprodução da espécie muito mais energia do que a necessária para produzir espermatozoides. No caso dos mamíferos, o investimento envolve os custos energéticos e os riscos da gestação, do parto e da amamentação.
Enquanto nelas a atração sexual privilegia os machos que aumentam a probabilidade de sobrevivência da prole, para eles o número de encontros sexuais é que potencializa as chances de sucesso reprodutivo.
Cordelia Fine e Mark Elgar, da Universidade de Melbourne, na Austrália, publicaram uma revisão sobre esse tema, com o título de “Homens promíscuos, mulheres castas e outros mitos”.
Segundo eles, apesar de os princípios de Bateman-Trivers explicarem as principais estratégias sexuais do reino animal, nas sociedades humanas a dinâmica de gêneros ganha complexidade incomparável, uma vez que a maioria dos atos sexuais não tem finalidade reprodutiva; serve a interesses variados, como o prazer e o estreitamento de laços afetivos.
Além dessa característica fisiológica, a dicotomia clássica que contrapõe machos ávidos por inseminar o maior número possível de parceiras e fêmeas com interesse oposto, foi subvertida pelo controle da fertilidade trazido pela pílula e por oportunidades e costumes sociais mais equitativos.
Se o desenvolvimento de características físicas relacionadas com o sexo sofre influência do ambiente, por que razão o comportamento sexual também não o faria?
A autonomia feminina que veio à tona com a revolução sexual abalou o tabu da virgindade, criou a possibilidade de acesso a maior número de parceiros sexuais e a profissões em áreas dominadas por homens durante gerações.
Se analisamos as perspectivas dos gêneros de acordo com a disposição para correr riscos, característica até hoje considerada tipicamente masculina, a complexidade aumenta.
É a percepção dos custos e benefícios de uma ação perigosa que explica a decisão tomada pelo indivíduo: um piloto de Fórmula 1 pode considerar insano mergulhar em águas profundas. Da mesma forma, a avaliação dos riscos e vantagens da atividade sexual pode levar a comportamentos distintos em mulheres e homens, por causa de diferenças biológicas, normas sociais ou ambas.
Por exemplo, no sexo casual a quase certeza de que o homem atingirá o orgasmo e de que não será agredido, pode compensar o risco de adquirir doenças sexualmente transmissíveis. Para a mulher, ao contrário, chegar ao orgasmo será mais problemático, além do risco de violência, gravidez indesejável e infecções. Para desestimulá-la, ainda, será rotulada de “fácil”, conotação repressora, preconceituosa, de forte conteúdo moral.
A ideia de que uma sociedade com igualdade de direitos civis e comportamentos sexuais seria capaz de apagar as diferenças nas estratégias reprodutivas de mulheres e homens, é considerada irreal por muitos, com o argumento de que o sexo tem papel importante na configuração do cérebro.
No entanto, os filhos não herdam apenas o genoma dos progenitores, mas o ambiente social e ecológico aos quais seus genes serão forçados a adaptar-se. Se o desenvolvimento de características físicas relacionadas com o sexo sofre influência do ambiente, por que razão o comportamento sexual também não o faria?
No histórico da seleção natural a que nossa espécie foi submetida, terão feito sentido as vantagens do comportamento exibicionista dos homens interessados em fecundar o maior número possível de mulheres, obrigadas a defender-se deles. Os avanços culturais das últimas décadas, entretanto, criaram padrões distintos de recompensas, punições e regras sociais que permitiram a mulheres e homens adotar comportamentos e preferências sexuais cada vez mais semelhantes.