A indetectabilidade na corrente sanguínea não representa a cura da infecção, porque o HIV persiste no organismo, em santuários fora do alcance do sistema imunológico. Leia artigo sobre formas de erradicar a aids.
Pela primeira vez, surge um modelo para acabar com a epidemia de aids. Pode parecer uma ideia delirante, mas foi proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Tomo a liberdade de fazer uma introdução. Não se desespere, leitor, será breve.
Introduzida na clínica em 1995, a associação de medicamentos antirretrovirais (conhecida como “coquetel”) mudou a história natural da infecção pelo HIV. Antes da existência deles, quando as infecções oportunistas características da fase de aids se instalavam, poucos sobreviviam dois ou três anos.
Um dos aspectos mais impressionantes da ação dessas drogas é a capacidade de reduzir o número de partículas virais no sangue. Em alguns casos, o HIV se torna indetectável mesmo por métodos de altíssima sensibilidade, capazes de acusar a presença de uma única cópia do vírus.
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Infelizmente, a indetectabilidade na corrente sanguínea não representa a cura da infecção, porque o HIV persiste no organismo, em santuários fora do alcance do sistema imunológico.
Um dia, graças à habilidade de sofrer mutações, o vírus se tornará resistente às drogas administradas e voltará a circular com liberdade. Será preciso mudar o esquema para controlar a multiplicação.
O tratamento que reduz a carga viral no sangue, também provoca queda do número de vírus no esperma e nas secreções vaginais, diminuindo a probabilidade de transmissão sexual.
Agora, vamos ao tema.
A OMS acaba de publicar na revista “The Lancet”, um modelo que explora “a possibilidade de eliminar a epidemia de aids por meio da testagem voluntária e do tratamento imediato de todos os infectados”. De acordo com ele, cada indivíduo infectado que desconhece sua condição transmite o vírus para sete outros, em média, antes de ir a óbito.
Convencer a população a fazer o teste anti-HIV é prioridade máxima em saúde pública.
O modelo compara o impacto do tratamento na carga viral nas várias fases da doença, para concluir que a redução do número de vírus nas secreções sexuais, logo depois do contágio, diminuiria a probabilidade de transmissão em 99%.
O estudo da OMS usou como exemplo a África do Sul, país em que 17% dos adultos estão infectados pelo HIV. Lá, os medicamentos são fornecidos gratuitamente, a partir do momento em que o exame de sangue acusa um número de células CD4 (alvos da agressão do HIV) abaixo de 350.
Nessa fase, a previsão é de que a pessoa já teria infectado outras três. Mas, se o tratamento tivesse começado logo após o contato com o vírus, ela infectaria menos de uma pessoa, em média.
Segundo os autores, o tratamento precoce faria a epidemia sul-africana desaparecer em 14 anos. Os gastos com os testes e o tratamento universal dos infectados seriam menores do que continuar combatendo a doença com as armas atuais. Pelos cálculos, em 2015, a África do Sul gastará com testes e tratamento, três vezes mais que hoje.
Há estimativas de que, em 2015, serão necessários 41 bilhões de dólares para testar e tratar os 14 milhões de infectados que chegarão à fase de aids nos países pobres. Atualmente, as doações disponíveis através dos fundos internacionais mal chegam a 10 bilhões.
Os críticos afirmam que nesses países faltariam fundos para testar tanta gente, treinar técnicos e fornecer os medicamentos, que o vírus poderia tornar-se cada vez mais resistente aos antirretrovirais e que ainda existem 7 milhões de portadores do HIV à espera de tratamento.
Kevin De Cock, diretor do programa de HIV/Aids da OMS, contrapõe: “No mundo, cerca de 3 milhões de pessoas recebem antirretrovirais gratuitamente. Quem imaginou que isso fosse possível?”.
A OMS propõe que sejam feitas pesquisas em escala limitada para avaliar o modelo de testagem e tratamento imediato, antes de aplicá-lo em populações maiores.
O problema dos portadores que disseminam o vírus por desconhecer sua condição é da maior gravidade. Na África situada abaixo do deserto do Saara, eles representam 80% dos infectados; nos Estados Unidos, pelo menos 25%; no Brasil, apesar do teste ser oferecido pelo SUS, o Ministério da Saúde calcula que metade dos HIV-positivos esteja nessa situação. Convencer a população a fazer o teste anti-HIV é prioridade máxima em saúde pública.
O estudo publicado pela OMS deve ser olhado com o maior interesse, porque ressalta a importância fundamental de testar grandes massas populacionais, além de ousar propor um modelo para erradicação da epidemia, pela primeira vez na história.