Doença se caracteriza pelo desenvolvimento de uma placa fibrosa em qualquer lugar do pênis. Conheça o tratamento da doença de Peyronie.
* Edição revista e atualizada.
O pênis é um órgão de tecido vascular. Em sua parte interna, existem dois corpos cavernosos e um corpo esponjoso em cuja extremidade está a glande. Essas estruturas são envolvidas por uma membrana elástica, a túnica albugínea que se distende durante a ereção, um mecanismo complexo relacionado com vários sistemas do organismo. Entre eles, está a entrada e retenção de sangue nas cavidades dos corpos cavernosos e esponjoso. Qualquer distúrbio que comprometa a expansão da túnica albugínea pode interferir na ereção peniana. É o que acontece na doença de Peyronie. Sua principal característica é a formação de uma placa de fibrose na túnica albugínea que pode provocar distorções na forma e inclinação do pênis, comprometendo a função sexual.
Essa alteração se manifesta principalmente depois dos 50 anos, mas pode acometer os jovens também. Na maioria dos casos, o problema desaparece espontaneamente ou com o uso de certos medicamentos. Às vezes, o casal se adapta à curvatura porque não interfere na relação sexual. Menos da metade dos pacientes é encaminhada para cirurgia para corrigir o desvio.
CARACTERÍSTICAS
Drauzio – A doença de Peyronie é conhecida há muito tempo. Quando foi descrita pela primeira vez?
Sidney Glina – Dizem que Peyronie, ministro da saúde do rei Luís XV da França, era portador dessa doença e foi quem primeiro a descreveu no século XVIII. No entanto, embora seja conhecida há muito tempo, pouco se sabe ainda sobre ela e seria necessário pesquisar mais para entender melhor o processo.
Drauzio – Quais são as principais características da doença de Peyronie?
Sidney Glina – A doença de Peyronie se caracteriza pelo desenvolvimento de uma placa de fibrose, em qualquer lugar do pênis. Os pacientes a descrevem como um caroço que aparece na túnica albugínea que reveste o corpo cavernoso, e pode estar associado à curvatura peniana e à dor durante a ereção.
Drauzio – O que é a túnica albugínea?
Sidney Glina – A túnica albugínea é constituída por um tecido elástico que envolve os corpos cavernosos, estruturas parecidas com esponjas que se enchem de sangue para produzir a ereção. Se existir algum tipo de fibrose nessa região, a túnica albugínea não consegue distender-se. Por analogia, é como se um pedaço de esparadrapo estivesse colado numa bexiga de gás, dessas com que as crianças brincam nas festas, impedindo que ela se esticasse normalmente nessa área quando estivesse cheia de ar. É exatamente isso que acontece com o pênis que se curva porque a túnica não se distende no lugar da fibrose.
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CAUSAS E PREVALÊNCIA
Drauzio – A doença de Peyronie se estabelece em que faixa de idade?
Sidney Glina – Inicialmente, essa doença foi descrita em homens idosos, mas hoje se sabe que pode acometer também os jovens. Para ter uma ideia, o paciente mais novo que atendi tinha 28 anos.
Drauzio – Qual é a causa dessa doença?
Sidney Glina — Não se conhece bem a causa da doença. Sabe-se, porém, que pode estar relacionada com um traumatismo ocorrido durante a relação sexual. No entanto, muitos pacientes desenvolvem o problema sem ter sofrido nenhum trauma que o justifique.
Drauzio – Existe incidência maior em homens da mesma família?
Sidney Glina – Existe. Às vezes, o pai e um tio do paciente tiveram a mesma queixa, mas nunca se conseguiu estabelecer o mecanismo hereditário para a doença.
Drauzio – Se o pai teve a doença de Peyronie, o filho terá maior predisposição para manifestá-la?
Sidney Glina – Não há registro dessa predisposição na literatura, apesar de alguns trabalhos levantarem essa hipótese. Na verdade, a doença de Peyronie já foi classificada como doença autoimune, ou seja, aquela em que o organismo produz substâncias contra seus próprios tecidos.
A única coisa que se pode dizer, no momento, é que são mais vulneráveis os portadores de doenças reumatológicas e da doença de Paget, os diabéticos e os indivíduos que fazem uso de betabloqueadores para controlar a hipertensão.
SINTOMAS
Drauzio – Resumindo, quais os principais sintomas da doença de Peyronie?
Sidney Glina – É a presença de um nódulo associado à dor e à curvatura do pênis durante a ereção. Geralmente, essa curvatura faz com que o pênis se posicione para cima, mas ele pode curvar-se para o lado ou para baixo.
Drauzio – A curvatura do pênis preocupa logo as pessoas ou elas se adaptam e custam a procurar ajuda médica?
Sidney Glina – O diagnóstico da doença de Peyronie sempre causa impacto e ansiedade no paciente. Como a ansiedade é inimiga número um da ereção, muitos ficam tão ansiosos quando percebem a curvatura e sentem dor, que perdem a capacidade erétil.
Drauzio – Você disse que a ansiedade é inimiga número da ereção. Por que mecanismo?
Sidney Glina – O pênis permanece flácido a maior parte do tempo, porque os homens produzem uma substância parecida com a adrenalina, mas se torna ereto, quando os corpos cavernosos se enchem de sangue. No entanto, a ereção pode desaparecer se, numa resposta fisiológica, a adrenalina encharca o pênis. Por isso, um indivíduo em perfeitas condições físicas e psicológicas perde a ereção, que era perfeita, se alguém abrir de repente a porta ou levar um susto durante a relação sexual. Ele terá também mais dificuldade de ereção, porque a produção de adrenalina aumenta, se estiver preocupado com a perda do emprego, aborrecido com a derrota de seu time de futebol, tomado pela sensação que os psicólogos chamam de mecanismo de ansiedade do desempenho ou temendo que seu pênis curve e ele sinta dor.
Drauzio – Quando ereto, o pênis tem de formar um ângulo de 90º com o corpo?
Sidney Glina – Não. O pênis não é reto como um lápis. Ele precisa ter curvaturas leves e eixo adequado para a penetração.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Como é feito o diagnóstico da doença de Peyronie?
Sidney Glina – O diagnóstico é simples e basicamente clínico. Na maioria das vezes, o nódulo é palpável e o paciente refere-se à curvatura do pênis e à dor durante a ereção. Embora o exame de ressonância magnética permita visualizar perfeitamente a placa, é rara a necessidade de pedir esse exame.
Drauzio – Nenhuma outra doença provoca o aparecimento de uma placa fibrótica ou nódulo e mudança na inclinação do pênis?
Sidney Glina – Já foi descrito que alguns tumores (tumor de reto e de próstata, por exemplo) podem dar metástases no pênis. Quanto à curvatura peniana, outras doenças podem provocá-la. Há meninos que nascem com uma anomalia, o pênis curvo congênito, provocada pela desproporção entre o tamanho maior dos corpos cavernosos e o tamanho menor da uretra. Quando a curvatura é pequena, não se faz nada. Quando é grande e atrapalha a relação sexual, uma cirurgia relativamente simples pode corrigir essa desproporção.
TRATAMENTO
Drauzio – Há tratamento para a doença de Peyronie?
Sidney Glina — O melhor tratamento para essa doença é a paciência. A pessoa precisa entender que aquele nódulo no pênis não é, nem vai virar, um tumor maligno e que raramente leva à impotência sexual. Aliás, se ela não se manifestou no início da moléstia dificilmente irá manifestar-se mais tarde.
Drauzio – Qual é a idade ideal para realizar a cirurgia para corrigir o desvio do pênis?
Sidney Glina – Geralmente, o menino percebe a alteração no início da adolescência, quando começa a ter atividade sexual e a masturbar-se. Para muitos pacientes com curvatura pequena basta explicar que o fato de o pênis ser torto, não vai atrapalhar a função sexual. Quando a curvatura é muito grande – o último paciente que atendi tinha uma curvatura de 90º — a solução é sempre cirúrgica.
Drauzio – Qual é o procedimento para tratar de uma pessoa que não está doente, mas apresenta um nódulo e curvatura do pênis?
Sidney Glina – O melhor tratamento para a doença de Peyronie continua sendo a paciência, porque 20% das placas desaparecem sozinhas, sem nenhum tipo de tratamento em um ano e meio, dois anos.
O problema é que assim como essa doença pode evoluir para melhor, pode também evoluir para pior.
Não existe nenhum medicamento que seja plenamente efetivo na reversão do processo. Utilizam-se algumas drogas como vitamina E, colchicina pentoxifilina, mas todas com baixa efetividade. Nos Estados Unidos foi lançado um medicamento, a colagenase, que pode ser injetada na placa fibrótica com algum grau de redução da mesma. É um medicamento bastante caro e não existe no Brasil. Os pacientes precisam ser avisados, porém, de que a fibrose pode não regredir com o uso de medicamentos e, mesmo que a curvatura continue piorando, seremos obrigados a esperar dois anos para acompanhar a evolução e fazer a cirurgia. Não há nada pior do que ter de reoperar um paciente porque a curvatura do pênis progrediu ou fazer uma cirurgia desnecessária nos casos em que a placa desapareceria espontaneamente.
Drauzio – Se a placa desaparecer espontaneamente ou com o uso de medicamentos, o problema está resolvido. Mas, se isso não acontecer?
Sidney Glina – Às vezes, o paciente se adapta à situação, porque a curvatura não é muito grande e não atrapalha a atividade sexual. Tanto isso é verdade que a cirurgia é realizada em menos da metade dos casos.
Drauzio – Existem casos em que a placa fica estável por muito tempo, ou seja, nem desaparece espontaneamente nem progride?
Sidney Glina – De acordo com o índice de cirurgias realizadas, 60% dos pacientes melhoram ou têm a doença estabilizada, ou deixam de preocupar-se porque a alteração não lhes causa maiores problemas.
CIRURGIA
Drauzio – Como é feita a cirurgia para corrigir a curvatura do pênis na doença de Peyronie?
Sidney Glina – Existem dois tipos de cirurgia para corrigir a curvatura do pênis. O mais simples, utilizado também nos casos de pênis curvo congênito, tenta compensar o desvio provocado pela placa e retificar o pênis, fazendo do outro lado uma plicatura, ou seja, uma prega no corpo cavernoso. O inconveniente dessa técnica cirúrgica é a diminuição do tamanho do pênis. Por isso, não é aconselhada para indivíduos com pênis um pouco menor ou muito preocupados com as dimensões do pênis.
O outro procedimento cirúrgico consiste em fazer uma incisão na placa e colocar um enxerto de outro tecido para cobrir o defeito e retificá-la. Particularmente, prefiro usar um tecido derivado do intestino do porco como enxerto, mas poderia usar a veia safena do próprio paciente e o pericárdio bovino. Há cirurgiões que retiram a túnica albugínea da região do períneo, entre o ânus e o escroto, para enxertá-la no local da lesão.
No passado, foram utilizados outros tecidos para fazer a cobertura. Como alguns deles não tinham resistência suficiente diante do esforço da ereção, formavam uma bolsa semelhante a um aneurisma e foram abandonados.
Drauzio – A experiência mostra que, em geral, os homens não estão satisfeitos com o tamanho do pênis que têm. Como eles reagem ao saber que para corrigir o desvio seu pênis ficará menor?
Sidney Glina – Há anos não consigo usar a técnica da aplicatura para compensar o desvio do pênis, porque os pacientes querem manter ou, se possível, aumentar o tamanho do pênis.
Drauzio – Quanto tempo leva para realizar a cirurgia com enxerto?
Sidney Glina – Dependendo do grau da curvatura, a cirurgia pode demorar de duas a três horas, especialmente se o espaço a preencher for muito grande e o enxerto for obtido da veia safena, que é relativamente fina, porque é preciso fazer diversas suturas até conseguir deixá-lo do tamanho necessário.
Drauzio – A cirurgia é feita sob anestesia geral?
Sidney Glina – Sob anestesia geral ou de bloqueio peridural ou raquidiano. Hoje, os pacientes dormem e nem se lembram do tipo de anestesia que tomaram.
Drauzio – Como é o pós-operatório?
Sidney Glina – O pênis fica inchado por uns tempos, mas o paciente volta às atividades habituais em dois ou três dias, com a recomendação de só manter relações sexuais depois de um mês para não sentir dor.
Drauzio – Quais as complicações possíveis dessa cirurgia?
Sidney Glina – Dependendo da região em que a placa está situada, na parte dorsal superior do pênis, por exemplo, pode ser necessário soltar os vasos e os nervos que passam por ali para conseguir cortar a albugínea e fazer o enxerto. Nesses casos, alguns indivíduos podem perder a sensibilidade da glande durante algum tempo. Embora na maioria das vezes esse evento seja reversível, é fundamental informar o paciente de que isso pode acontecer.
Drauzio – O resultado da cirurgia costuma ser satisfatório?
Sidney Glina – Noventa por cento dos pacientes ficam com o pênis retificado e sem nenhum problema. A literatura registra, porém, que entre 10% e 15% dos casos, a curvatura piora depois da cirurgia. Desconfio que isso aconteça, porque a intervenção foi realizada cedo demais.
Drauzio – As primeiras cirurgias restringiam-se, apenas, à tentativa de retirar a placa. Por que esse procedimento foi abandonado?
Sidney Glina – Foi abandonado porque pode comprometer o mecanismo de ereção, quando o espaço que a placa deixa é muito grande para ser coberto pelo enxerto. Por isso, atualmente, fazemos uma incisão liberadora, relaxante, no meio da placa, como se estivéssemos desenhando a letra H e enxertamos tecidos que possuam boa elasticidade, como a veia safena e o pericárdio bovino. Agindo assim, além de conseguir retificar o pênis, preserva-se a capacidade de ereção.
Drauzio – Para as parceiras sexuais dos homens com Peyronie faz muita diferença a curvatura do pênis, ou são eles que se incomodam mais com o desvio?
Sidney Glina – Acredito que os homens estejam mais preocupados com o problema estético que a curvatura do pênis pode causar. Para as parceiras, tudo vai depender do tipo de curvatura.
Imagens de ressonância magnética colhidas durante a relação sexual mostram uma curvatura do pênis para cima, porque o canal vaginal também não é reto. Portanto, se o desvio for nessa direção, não atrapalhará em nada. Agora, se for para baixo ou para o lado, pode dificultar a penetração.
Drauzio – O que pode ser considerado um pênis de tamanho normal?
Sidney Glina – O pênis do homem branco brasileiro tem em média 14 cm, quando está em ereção, mas homem com pênis de 10 cm ou 12 cm têm um órgão perfeitamente adequado para a relação sexual, visto que o canal vaginal médio mede 8 cm. Considera-se um pênis pequeno, quando tem abaixo de 7 cm em ereção.
Drauzio – De onde vem essa preocupação do homem com o tamanho do pênis?
Sidney Glina – Essa preocupação existe e está sendo cada vez mais explorada para vender tratamentos, que não funcionam, aliás, para aumentar o tamanho do pênis. Só na Internet existem mais de dois mil sites a respeito do assunto. Infelizmente, não existem tratamentos efetivos ou cirurgias para conseguir esse resultado e muitos acabam deixando o homem impotente.
Drauzio – Que tratamentos são esses?
Sidney Glina — Uma proposta é cortar o ligamento que prende o pênis ao osso do púbis que mantém a ereção. Mas, se um nervo também for cortado, o indivíduo perderá a sensibilidade. Outra tentativa é colocar enxertos na túnica albugínea para alargar o pênis. Nesse caso, uma infecção no pós-operatório pode afetar a capacidade de ereção.
Drauzio – Existe algum tratamento eficaz para aumentar um pênis excessivamente pequeno?
Sidney Glina – Indivíduos com micropênis, que atingem somente 4 cm, 5 cm em ereção, podem ganhar 2 cm ou 3 cm a mais com a cirurgia para soltar o ligamento. O problema é que a maioria dos homens com pênis de tamanho normal querem fazer essa cirurgia com finalidade estética, para não se sentirem constrangidos, por exemplo, quando trocam de roupa nos vestiários dos clubes e academias e não porque o tamanho do pênis interfira na relação sexual.
ESTERILIDADE E IMPOTÊNCIA
Drauzio – A doença de Peyronie tem alguma relação com esterilidade ou impotência sexual?
Sidney Glina – Com esterilidade, não. Com impotência sexual, sim. Numa minoria de casos, uma forma muito agressiva da doença, sem causa conhecida, faz com que a placa penetre no corpo cavernoso, que é constituído por um tecido nobre parecido com uma esponja, e o indivíduo não consegue ter ereção.
Para os indivíduos com curvatura peniana muito complexa, em forma de S, por exemplo, que impeça a relação sexual, o tratamento extremo é a colocação de uma prótese que retifica o pênis e facilita a penetração.
Drauzio – Há casos de doença de Peyronie sem solução?
Sidney Glina – Não, porque sempre existe a possibilidade da prótese. Mesmo que a curvatura seja extrema e o pênis continue torto depois da implantação da prótese, é possível ainda cortar a túnica em vários pontos e colocar enxertos. Fazendo isso, o indivíduo não consegue uma ereção natural porque o mecanismo erétil foi danificado, mas com a prótese a ereção retificada fica garantida para sempre.
Drauzio – Você acha que os urologistas estão bem informados a respeito dessa doença?
Sidney Glina – Acho que sim. A doença é bem conhecida, uma vez que sua incidência é de 3% a 4% nos homens acima de 50 anos, o que não é tão pouco assim. Por isso, acho que a maioria dos urologistas consegue fazer o diagnóstico, prescrever o tratamento clínico e realizar as operações básicas. Eventualmente, alguns não fazem o enxerto e encaminham o paciente para os especialistas.