Aquecimento global afeta a saúde das populações, revela pesquisa. Leia na coluna de Mariana Varella.
Nunca fez tanto calor no Brasil. Na última semana, várias cidades viveram seus dias mais quentes no histórico de medições do país.
Em 17/11, a sensação térmica no Rio de Janeiro foi de 60ºC; São Paulo bateu recorde nos dias 17 e 18, quando a capital atingiu média de 33,3ºC; o Inmet emitiu alerta de grande perigo para 13 estados e o Distrito Federal devido à forte onda de calor que atingiu ao menos 1.100 municípios brasileiros.
De acordo com a Nasa, 2023 deve ser o ano mais quente já registrado, em parte devido ao El Niño, fenômeno que ocorre a cada dois ou sete anos no planeta e eleva a temperatura do Oceano Pacífico.
O fenômeno natural não é o único responsável pelas elevações nas temperaturas. Há anos os estudiosos nos alertam de que o planeta sofreria consequências imprevisíveis por causa do aumento do efeito estufa, agravado graças à emissão crescente de determinados gases (metano, dióxido de carbono etc.) gerados com atividades como queima de combustíveis fósseis, uso de fertilizantes, atividades agropecuárias, entre outras.
O mundo ignorou o alerta dos especialistas que avisaram que o planeta, caso nada fosse feito para reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, enfrentaria eventos climáticos extremos com cada vez mais frequência. Talvez as pessoas julgassem que esse seria um problema das próximas gerações. Não é.
Pesquisa sobre aquecimento global e saúde
Um relatório publicado na “Lancet” e realizado por pesquisadores internacionais que monitoram os efeitos do aquecimento global na saúde revelou que o aquecimento global já é uma realidade.
De acordo com o documento, em 2023 o mundo vivenciou as temperaturas mais elevadas em mais de 100 mil anos, e o calor atingiu recordes em todos os continentes em 2022.
Segundo os pesquisadores, as pessoas com mais de 65 anos e os bebês com menos de 1 ano, que são os mais vulneráveis aos efeitos do calor extremo, estão expostos hoje ao dobro de dias excessivamente quentes do que no período de 1986-2005. Mortes de pessoas com mais de 65 anos relacionadas ao calor aumentaram 85% em comparação à década de 1990-2000, bem superior ao crescimento de 38% que seria esperado caso as temperaturas não tivessem mudado tanto.
O risco de insegurança alimentar, que pode levar à desnutrição e a efeitos de saúde irreversíveis, também vem subindo. A maior frequência de ondas de calor e secas em 2021 ajudou a colocar mais 127 milhões de pessoas em insegurança alimentar moderada e grave, comparado ao período de 1981-2010.
As mudanças climáticas são responsáveis pelo aumento do risco de doenças infecciosas graves, como dengue, malária e febre do Nilo.
O crescimento dos riscos variados causados pelas mudanças climáticas também aumenta as desigualdades na área da saúde. “Os países que historicamente menos contribuíram para as alterações climáticas suportam o peso dos seus impactos na saúde – tanto reflexo como consequência direta das desigualdades estruturais que estão nas causas profundas das alterações climáticas”, traz o relatório da Lancet.
O mundo emite hoje 1337 toneladas de CO2 por segundo, levando os países a crescentes ameaças que são sinais e sintomas precoces do que um clima em rápida mudança pode significar para a saúde das populações mundiais.
A pesquisa afirma que se a temperatura média global continuar a subir para pouco menos de 2°C que a média, as mortes anuais relacionadas com o calor poderão aumentar 370% até meados do século, pressupondo que não haja progressos substanciais na adaptação.
Nesse cenário, os pesquisadores calculam que as ondas de calor levem 524,9 milhões de pessoas adicionais à insegurança alimentar moderada a grave até 2041-60, piorando o risco global de desnutrição.
Doenças infecciosas potencialmente fatais se espalharão ainda mais; o potencial de transmissão da dengue pode aumentar 37% até meados do século. À medida que os riscos crescem, também aumentam os custos e os desafios da adaptação dos países e dos seus sistemas de saúde.
Com o mundo a caminhar atualmente para 3°C de aquecimento, novos atrasos nas medidas relativas às alterações climáticas ameaçarão cada vez mais a saúde e a sobrevivência de milhares de milhões de pessoas vivas hoje.
Os pesquisadores defendem uma ação climática que vise a promoção da saúde, mas sabem que isso exigirá confrontar interesses econômicos de quem lucra com os combustíveis fósseis e outras indústrias prejudiciais à saúde.
Essas estimativas fornecem alguma indicação do que o futuro poderá reservar. Se nada for feito logo, o mundo em breve não será apenas mais quente, mas ainda mais desigual.