A inteligência artificial (IA) tem ajudado o ser humano a resolver problemas complexos — desde a medicina, com diagnósticos e análises de dados, até o agronegócio, com pulverização inteligente e monitoramento de lavouras. Mas, por trás dessa enorme revolução tecnológica, há um custo crescente para o planeta: o consumo intenso de recursos naturais.
Segundo dados do Data Center Map, existem hoje pouco mais de 11 mil data centers espalhados por 173 países. No Brasil, são quase 200. Esses locais concentram servidores, chips, baterias e geradores que mantêm a internet — e agora, a IA — funcionando. Segundo estimativas da Deloitte, eles respondem por cerca de 2% de toda a eletricidade gerada no mundo, e essa fatia pode dobrar até 2030, impulsionada pelo avanço da inteligência artificial.
Isso porque os centros de dados voltados à IA exigem muito mais capacidade computacional.
“O treinamento de modelos de IA representa, de fato, uma das fases de maior intensidade energética por unidade de tempo. Ali são usadas muitas GPUs ou aceleradores, grandes volumes de dados e muitos ciclos de cálculo pesado”, explica Leonardo Tampelini, mestre em ciência da computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador dos cursos de graduação de Ciência de Dados e Inteligência Artificial da Faculdade Donaduzzi, no Parque Tecnológico Biopark, em Toledo (PR).
Segundo Iago de Oliveira, sócio-fundador da consultoria em sustentabilidade Bloco Base, o consumo de energia alto desses locais afeta também a matriz energética já estabelecida nas regiões onde estão instalados.
“Se um data center é instalado em uma região bastante dependente de combustíveis fósseis, como as termoelétricas, a pegada de carbono é muito maior do que em países cuja matriz energética é baseada em fontes de menor emissão, como o caso do Brasil, que tem forte presença de energia hidrelétrica, eólica e, cada vez mais, solar”, afirma.
A sede dos data centers
Os data centers também têm uma “sede” considerável, porque os equipamentos utilizados precisam ser constantemente resfriados para evitar superaquecimento.
Dados da Environment and energy Study Institute (EESI), uma organização sem fins baseada em Washington, no Estados Unidos, mostram que um data center de médio porte pode consumir até cerca de 110 milhões de galões de água por ano para fins de resfriamento, o equivalente ao consumo anual de água de cerca de mil residências.
Já os grandes locais podem “beber” até 5 milhões de galões de água diariamente, ou cerca de 1,8 bilhão por ano, o equivalente ao consumo de uma cidade de 10 a 50 mil habitantes.
“Esse consumo compete diretamente com abastecimento humano e agricultura, agravando crises hídricas em áreas vulneráveis”, diz Sandra Maria Lopes de Souza, mestre em gestão ambiental e coordenadora dos cursos de pós-graduação na área de meio ambiente do Centro Universitário Internacional Uninter.
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Mineração e lixo
A demanda por servidores, unidades de processamento especializado e demais componentes eletrônicos também aumenta a extração de metais (como cobre e ouro) e até das famosas terras raras (grupo de 17 elementos químicos necessários para chips e outros equipamentos). E a mineração, como bem se sabe, é uma grande geradora de poluentes.
Só no Brasil, por exemplo, as atividades de mineração jogaram na atmosfera 12,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono em 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). No mundo, a indústria de mineração gera anualmente entre 1,9 e 5,1 gigatoneladas de emissões de gases de efeito estufa (GEE), segundo dados da consultoria Mckinsey.
E o impacto não termina na extração. Um estudo publicado na revista Nature Computational Science no fim de 2024 estima que o lixo eletrônico gerado pela expansão da IA pode alcançar de 1,2 milhão a 5 milhões de toneladas métricas até 2030 — mil vezes mais do que o total registrado em 2023.
IA também pode ajudar o planeta
A inteligência artificial, porém, não é apenas vilã. Ela também pode ser uma ferramenta poderosa no combate à crise climática, ajudando a monitorar emissões, prever eventos extremos e otimizar o uso de energia.
“Suas contribuições incluem monitoramento de emissões, agricultura sustentável e desenvolvimento de cidades inteligentes, contribuindo diretamente para as metas do Acordo de Paris e para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, destaca a professora Sandra, da Uninter.
Além disso, os grandes projetos de IA vêm trabalhando para reduzir sua pegada de carbono. “A própria IA pode ser utilizada para gerenciar melhor a IA, para usar menos energia, mais renováveis, menos água, etc.”, afirma Leonardo, da Faculdade Donaduzzi.
Já existem sistemas capazes de prever demanda elétrica e redirecionar cargas para momentos de menor intensidade de carbono, além de controlar automaticamente refrigeração e ventilação em data centers, desligando unidades ociosas e ajustando o fluxo conforme a carga real.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), ao mesmo tempo em que a IA está impulsionando o consumo, ela “também possui o potencial de desbloquear oportunidades significativas para reduzir custos, aumentar a competitividade e diminuir as emissões.”
Caminhos para uma IA mais sustentável
Para Iago, da Bloco Base, há diversas formas de reduzir os impactos ambientais dos data centers, e a maioria delas já é tecnicamente e financeiramente viável. Alguns locais, inclusive, já fazem isso.
“Uma das principais estratégias é o reaproveitamento de água pluvial, coletada das coberturas dos grandes galpões onde os centros de dados são instalados. Essa água passa por um tratamento simplificado e pode ser usada para fins não potáveis, como arrefecimento dos equipamentos e do sistema de climatização”, explica.
Além do uso mais eficiente da água, Iago defende que os novos projetos de data centers busquem certificações de sustentabilidade, como o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), que já possui uma categoria específica para esse tipo de construção.
Ele propõe ainda que os data centers criem uma espécie de termômetro de carbono. Algo que mostrasse, por exemplo, quanto de carbono está sendo emitido durante o uso de uma ferramenta de IA, como o ChatGPT. “A partir do momento que o usuário tem seu poder de decisão, ele pode tomar essa atitude.”
Já Sandra complementa que as empresas deveriam divulgar relatórios transparentes sobre o uso de energia, água e emissões, seguindo padrões globais, e migrar para energia 100% renovável.
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