O aquecimento global traz consequências sociais, econômicas e, sobretudo, físicas. Entenda como as mudanças climáticas afetam diretamente a sua saúde.
A emergência climática não é chamada assim à toa: trata-se, de fato, de uma situação urgente. Um estudo conduzido pelo climatologista norte-americano James Hansen — conhecido por alertar o mundo sobre o aquecimento global desde a década de 1980 — mostra que o fenômeno está avançando rapidamente, com temperaturas que devem bater novos recordes ainda nesta década.
Hansen e outros cientistas analisaram dados paleoclimáticos, como núcleos de gelo polares, modelos climáticos, observações de longo prazo e até anéis de árvores, e concluíram que o planeta é mais sensível do que se imaginava.
“Estamos na fase inicial de uma emergência climática”, afirma a pesquisa. Isso significa que as ondas de calor já estão em curso e que elas devem elevar rapidamente as temperaturas globais: estima-se um aumento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais ainda na década de 2020, e acima de 2°C antes de 2050. Para o planeta, isso está longe de ser irrelevante — e os impactos já são visíveis.
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Como as mudanças climáticas afetam a respiração?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas podem causar cerca de 250 mil mortes adicionais por ano, por diferentes motivos. Ondas de calor e frio extremos, inundações, secas e tempestades têm impacto direto na saúde humana e no funcionamento da sociedade.
De acordo com Eduardo Algranti, pneumologista e coordenador da Comissão Científica de Doenças Respiratórias Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), o calor excessivo, especialmente quando prolongado, leva à desidratação, o que afeta o sistema respiratório. “Se você não se hidratar de forma adequada, você pode, obviamente, ressecar as vias aéreas e fazer com que toda a tua mucosa do sistema respiratório fique mais suscetível a infecções”, explica.
O frio também prejudica quem tem doenças respiratórias pré-existentes, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). “Isso porque o ar frio faz com que você tenha broncoconstrição com mais facilidade. Isso leva a uma maior dificuldade respiratória e, posteriormente, um aumento de eventuais crises asmáticas e aumento também de infecções respiratórias por vírus. No frio, vale dizer, a transmissão de doenças que são veiculadas pela respiração também aumenta”, pontua o pneumologista.
Ou seja, tanto o calor quanto o frio extremos aumentam a vulnerabilidade às infecções respiratórias — o que muda é o mecanismo envolvido.
Poluição e queimadas: vilãs silenciosas
Dois grandes agravantes para a saúde pulmonar são a poluição e as queimadas — ambas impulsionadas pela crise climática. A poluição do ar, além de ser causa do problema, mata ecossistemas e prejudica nossa capacidade respiratória.
As queimadas, que ocorrem em várias partes do mundo, como Brasil, América do Norte, Canadá, Austrália e Europa, aumentam a emissão de poluentes que circulam globalmente. “As pessoas que são expostas a particulados têm um risco aumentado [de doenças], tanto aqueles que já possuem condições crônicas prévias, quanto à população em geral”, destaca o dr. Algranti.
A exposição a esses poluentes, no curto prazo, inflama as vias respiratórias e facilita infecções. No longo prazo, a poluição do ar é considerada carcinogênica. “Isso significa que, quanto maior o tempo que uma pessoa vive em ambiente com poluição, maior o risco de desenvolver câncer de pulmão, independente de outros fatores, como tabagismo ou genética propícia. A própria poluição, por si, é considerada carcinogênica”, alerta o médico.
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Outros efeitos no corpo humano
O corpo humano também pode sofrer outros efeitos adversos:
- Pele: insolações, manchas e maior risco de câncer de pele pela exposição solar sem proteção adequada;
- Doenças infecciosas: o cenário epidemiológico muda com a propagação facilitada de doenças como dengue, zika, chikungunya, febre amarela, malária e leishmaniose. Além disso, aumenta-se o risco de novas epidemias;
- Água contaminada: aumento de gastroenterites, hepatite A e leptospirose por contato com água imprópria para consumo;
- Doenças cardiovasculares: o calor extremo sobrecarrega o coração; o frio eleva a pressão arterial; e os poluentes causam inflamações no sistema circulatório;
- Saúde mental: o chamado “estresse térmico” envolve o desconforto físico causado pelas temperaturas extremas e o medo diante de desastres naturais;
- Segurança alimentar e hídrica: secas e enchentes comprometem a produção agrícola e o acesso à água potável, gerando má nutrição.
Se você já sente sintomas relacionados ao clima, procure um profissional de saúde. Um médico poderá orientá-lo com estratégias adaptadas à sua rotina. Dicas gerais incluem:
- Hidratação constante;
- Roupas adequadas às estações;
- Uso diário de filtro solar (mesmo no inverno e em dias nublados);
- Cuidados básicos com a higiene, como lavar as mãos;
- Prevenção de arboviroses, evitando água parada e usando repelente;
- Evitar sair em dias de tempestade ou calor excessivo;
- Ter à mão os contatos da Defesa Civil (varia de acordo com cada estado) e do SAMU (192)
- Dormir bem e praticar exercícios moderadamente, especialmente em dias mais quentes.
Impactos sociais: quem sofre mais com as mudanças climáticas?
O aquecimento global afeta toda a sociedade, mas os impactos são mais severos para as populações em situação de vulnerabilidade social. Essas pessoas estão mais expostas a perder suas casas em desastres climáticos, a faltarem ao trabalho (ou perderem seus empregos) e a enfrentarem dificuldades no acesso à saúde, alimentação e saneamento básico. Tudo isso pode gerar um sofrimento psíquico adicional.
“Durante as alterações climáticas, as populações que já são frágeis vão ficar ainda mais frágeis”, afirma Mara Machado, enfermeira e CEO do Instituto Qualiza de Gestão, em São Paulo. Para ela, a falta de políticas públicas voltadas para essa população é um dos grandes gargalos dos novos tempos. “Isso se reflete muito na questão da expectativa de vida, que está ligada diretamente às condições ambientais, sociais, políticas e econômicas. Isso que determina a saúde e o bem-estar da comunidade.”
Ela destaca também um desafio dentro da própria área da saúde: “É preciso educar os profissionais da saúde para que entendam o que quer dizer desenvolvimento sustentável. Eu sou presidente do Conselho da Academia de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, e o nosso trabalho tem sido chegar às universidades formadoras desses profissionais, para provocá-los a começar a trabalhar de uma forma diferente na educação desses profissionais”.
Segundo Mara, para o país crescer de forma justa e sustentável, é necessário investir menos apenas no Produto Interno Bruto (PIB) e mais na saúde da população. Isso passa por educação em saúde e por políticas públicas que empoderem as pessoas a cuidarem de si mesmas — antes que o problema se torne irremediável.
As mudanças climáticas não são apenas uma questão ambiental. Seus efeitos atravessam o corpo, a mente e o tecido social. Entender esse impacto é o primeiro passo para se proteger — e para exigir mudanças que garantam um futuro mais saudável para todos.
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