Quando a ansiedade faz o pensamento acelerar, a dificuldade para dormir pode acabar surgindo; mas apenas um especialista pode prescrever remédios para dormir.
A relação entre ansiedade e insônia é complexa e multifacetada. A ansiedade frequentemente se manifesta através de pensamentos incessantes e preocupações excessivas, tornando difícil para a mente relaxar e preparar-se para o sono. Por outro lado, a insônia pode exacerbar os sintomas de ansiedade, resultando em um círculo vicioso em que a falta de sono piora a ansiedade e vice-versa.
Claudine Cheim, psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, explica que a insônia é definida como a dificuldade de iniciar o sono, mantê-lo continuamente durante a noite ou o despertar antes do horário desejado, conforme o DSM-V¹.
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A médica destaca que a prevalência mundial de sintomas de insônia é de aproximadamente 30-35%². “No caso da ansiedade, a insônia pode ser um sintoma – por exemplo, quando a pessoa vai se deitar para dormir, não consegue relaxar, rumina os pensamentos, fica antecipando as preocupações, podendo demorar a adormecer. Além disso, quando adormece, muitas vezes, altera a arquitetura do sono, não atingindo o sono REM (o mais profundo), comprometendo a qualidade da noite dormida. Assim, vira uma bola de neve. Quem dorme mal pode ficar mais irritado, ansioso, apresentar problemas cognitivos (de memória, distraibilidade), etc. E isso vai piorando o quadro da ansiedade”, diz.
Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, também em São Paulo, complementa afirmando que a ansiedade pode se manifestar através de uma série de pensamentos e preocupações de difícil controle, dificultando a indução do sono. Além disso, a insônia pode afetar o organismo de várias maneiras, gerando comprometimento cognitivo, alterações de humor, elevação do nível de estresse, queda de desempenho nas atividades diárias e piora do bem-estar geral. Um sintoma pode acentuar o outro, criando um círculo difícil de quebrar sem intervenção adequada.
Tipos de remédios para dormir e como funcionam
Existem diversas classes de medicamentos que podem ser utilizados para induzir o sono, cada uma com mecanismos distintos de ação:
- Benzodiazepínicos: Estes medicamentos, conhecidos como “tarjas pretas”, atuam nos receptores GABA, produzindo um efeito tranquilizante que pode induzir o sono. O tempo de efeito varia conforme a meia-vida de cada medicamento. A meia-vida é o tempo necessário para que a concentração do medicamento no sangue ou no plasma seja reduzida pela metade. Esse conceito é fundamental na farmacologia porque ajuda a determinar a frequência com que o medicamento deve ser administrado para manter uma concentração terapêutica eficaz no corpo.
- Drogas Z (hipnóticos não benzodiazepínicos): Estas drogas têm sido amplamente prescritas com a promessa de menor risco de dependência comparado aos benzodiazepínicos. No entanto, estudos recentes demonstraram impactos negativos à saúde quando utilizados inadequadamente, além de oferecerem risco de dependência química. Por conta disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou resolução que torna mais rígido o processo de prescrição desta classe de medicamentos.
- Antidepressivos com efeitos sedativos: Alguns antidepressivos podem ser usados para tratar a insônia devido aos seus efeitos colaterais sedativos. Eles atuam em diferentes neurotransmissores, como serotonina e histamina. A serotonina é um neurotransmissor que regula o humor, sono, apetite e funções cognitivas, enquanto a histamina é uma amina biogênica crucial para respostas imunológicas, digestão e neurotransmissão.
- Antialérgicos (anti-histamínicos): Estes medicamentos atuam nos neurorreceptores da histamina e podem causar sedação, auxiliando no sono.
- Melatonina e agonistas de melatonina: Estes compostos mimetizam o hormônio natural produzido pelo corpo à noite, ajudando a regular o ciclo circadiano e induzir o sono.
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Indicações e contraindicações
O dr. Kanomata enfatiza que a escolha do medicamento deve ser feita após uma avaliação médica cuidadosa. “Por existirem diversas classes de medicamentos com ações e efeitos colaterais distintos, cabe ao médico avaliar o caso de cada paciente individualmente”, explica.
É crucial, portanto, identificar a causa da insônia e verificar a presença de outras doenças que possam contraindicar a utilização de certos medicamentos. Além disso, o uso de outros medicamentos habituais, alergias, reações graves e hábitos de consumo de álcool e outras substâncias devem ser levados em conta para evitar interações medicamentosas e riscos à saúde.
Assim, o tratamento da insônia não se resume à mera prescrição de medicamentos, mas requer uma avaliação completa para instituir uma terapêutica segura e individualizada.
Efeitos colaterais e riscos dos remédios para dormir
Os remédios para dormir podem causar efeitos colaterais variados e específicos de acordo com cada tipo de medicação. De forma geral, os riscos incluem sedação excessiva, que pode levar ao coma e parada respiratória devido à depressão do sistema nervoso central. Outros riscos comuns são lentificação, confusão mental e sonambulismo.
O dr. Kanomata ressalta que é fundamental monitorar os pacientes que utilizam esses medicamentos para evitar complicações graves. A automedicação ou o uso prolongado sem supervisão médica pode resultar em dependência e outros problemas de saúde significativos.
A dra. Cheim destaca que os benzodiazepínicos e as drogas Z podem alterar a qualidade do sono e têm potencial de abuso. Os antidepressivos, embora úteis, podem causar sedação excessiva ou ganho de peso. Antipsicóticos e anticonvulsivantes, por sua vez, têm efeitos sedativos significativos.
Alternativas e tratamentos combinados
Por fim, identificar e tratar a causa subjacente da insônia é sempre a melhor abordagem. O dr. Kanomata e a dra. Cheim destacam a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-i) como o padrão-ouro³ de tratamento. Essa abordagem analisa o ambiente e os hábitos da pessoa, e inclui técnicas de relaxamento e manejo da ansiedade e estresse.
Práticas para melhorar a qualidade do sono (higiene do sono) podem favorecer a curto e longo prazo, proporcionando estratégias que oferecem benefícios duradouros ao indivíduo.
Quando necessário, o tratamento farmacológico pode ser utilizado concomitantemente, mas deve ser empregado pelo mínimo de tempo possível para evitar risco de dependência ou efeitos colaterais prolongados.
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Estudos citados na matéria:
¹ Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-5-TR
² Insomnia disorder
³ Effectiveness of Exercise, Cognitive Behavioral Therapy, and Pharmacotherapy on Improving Sleep in Adults with Chronic Insomnia: A Systematic Review and Network Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials