Alimentação dos filhos é uma preocupação constante para as mães, desde os tempos em que vivíamos nos galhos das árvores.
Felicidade de mãe é ver o filho limpar o prato. A do pai também, mas nem tanto. Sentir a prole bem alimentada tem o dom de levar as mulheres ao paraíso.
A preocupação materna com a nutrição da criança começa bem antes do parto. A mulher grávida pensa mais na qualidade dos nutrientes que cruzarão a placenta do que nela própria. Basta ingerir uma quantidade irrisória de algo que lhe pareça potencialmente nocivo ao feto para morrer de remorsos.
Durante a amamentação, é ela que fica à disposição do bebê dia e noite. Ao menor chorinho, corre solícita com o peito farto: meia hora a criança mamando; ela, paciente, sem poder fazer mais nada. Depois ajeita o bebê ereto no colo e lhe dá palmadinhas nas costas, até eliminar os gases do estômago. Então ele dorme, e ela experimenta a sensação do dever cumprido — até a próxima mamada.
No breve intervalo entre as refeições, se o bebê choraminga, a mãe é imediatamente assaltada pela preocupação com a qualidade do leite. Muitos pediatras juram que ainda não nasceu mãe que não considere ralo o leite que jorra do seio. O medo não vem de hoje. Nossas avós comiam canjica e tomavam cerveja preta para engrossá-lo.
Em matéria de neurose, entretanto, nada se compara ao comportamento feminino em relação à alimentação quando os filhos começam a impor os primeiros desejos pessoais. À menor manifestação de enfado da criança diante do pratinho, a mãe enlouquece – e a avó também, se estiver perto. A partir de então, procura descobrir as mais insignificantes nuances do paladar infantil para cativá-lo definitivamente. Inventa misturas exóticas, troca receitas com as amigas e, quando necessário, faz aviãozinho com a colher ou planta bananeira diante da criança enfastiada.
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No entanto, por mais que façam, as mulheres não conseguem se livrar da dúvida eterna, impregnada no espírito feminino desde os tempos em que vivíamos nos galhos das árvores: será que as crianças estão bem alimentadas?
As mães de crianças magras sofrem mais. As que têm filhos com apetite desregrado, então, vivem o inferno na terra. Chegam desesperadas ao médico:
— Doutor, esse menino não come nada. Mas é nada mesmo!
O médico olha, está lá a criança forte, roliça e feliz com as guloseimas ingeridas fora de hora. E vai ele cometer a insensatez de dizer para ela que a subnutrição é incompatível com o formato de certos corpos infantis! Corre risco de vida!
Muitas mães só se vão dar conta de que o corpo humano é uma máquina que consome quantidades muito precisas de energia na adolescência dos filhos. Então percebem que no decorrer da evolução essa máquina aprendeu a consumir as calorias necessárias para seu funcionamento e a não desperdiçar seu excesso, armazenando-as sob a forma de gordura.
Nessa fase, em que os adolescentes só pensam em sexo, o acúmulo excessivo de tecido adiposo confere desvantagem. Principalmente para as mocinhas, hoje submetidas a um padrão cultural de beleza que privilegia exclusivamente o esqueleto humano. Aí começa a pressão familiar para que reneguem à fartura alimentar anteriormente estimulada: devem sair da mesa ainda com fome; em vez da feijoada, peito de frango com legumes cozidos na água.
Apesar de conscientes dos erros alimentares de que foram vítimas, mais tarde, as futuras mamães cercarão seus filhos com os mesmos cuidados nutricionais que receberam. Acharão ralo o próprio leite, passarão horas no fogão, farão aviõezinhos e contarão as mesmas historinhas para distrair criança enjoada na hora do almoço.
Bem mais tarde, quando a vida se encaminha para o destino final, no momento em que pais e mães caem fatalmente enfermos, a ordem se subverte: é a vez dos filhos se desesperarem com a falta de apetite dos pais. Negam-se a aceitar que certas doenças provocam anorexia, às vezes intensa e rebelde, e que não está ao alcance do doente combatê-la à custa da força de vontade.
Digo isso por causa de uma senhora de idade com um tumor no intestino em fase final de evolução que examinei na semana passada. A filha se queixava da mãe:
— Doutor, ela não come nada! Absolutamente nada!
— Até que ontem comi bem, respondeu a senhora.
Para quê?! A filha virou fera, perguntou se uma xícara de mingau, um iogurte e meia fatia de mamão eram suficientes para manter uma pessoa em pé. Depois, desfiou a lista dos pratos que havia feito para a mãe inutilmente. Falou do esforço dela e da irmã, atrás da mãe pela casa o tempo todo com a bandeja intocada. Não tivesse eu interferido para explicar que está errado forçar doentes graves a comer além do que conseguem, provavelmente a moça teria concluído que a mãe era ingrata por não suportar o cheiro de comida.
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Vi muitos casos como esse. Na ânsia de conter a progressão da enfermidade dos pais, filhas e filhos tentam obrigá-los a alimentar-se a qualquer preço. Nesse intuito, vale tudo: do prato predileto à chantagem barata ou à briga feroz. Parece vingança da roda do tempo que insiste em dar voltas completas e inverter papéis.