O estigma e as dificuldades de adaptação ligadas ao aparelho auditivo podem prejudicar a adesão dos idosos ao tratamento. Saiba como convencê-los.
Conforme as pessoas envelhecem, o risco de perda auditiva aumenta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma a cada quatro pessoas no mundo terá algum grau de perda auditiva até 2050. Mas, com o passar dos anos, outro fator também se intensifica: a resistência em aceitar o tratamento.
Muitas vezes, os idosos se opõem à utilização do aparelho auditivo, seja por preconceito, dificuldade de adaptação ou até mesmo teimosia. No entanto, quando não tratada, a perda de audição prejudica o convívio social e o desempenho cognitivo. Para convencê-los a seguir o tratamento, o papel da família e dos cuidadores é essencial.
É difícil se acostumar com o aparelho auditivo?
O primeiro obstáculo é a aceitação. Existe um estigma associado ao aparelho auditivo que leva muitas pessoas a pensarem que o seu uso é um “atestado de velhice”. Por isso, resistem ao máximo o início do tratamento. No entanto, o aparelho auditivo pode ser usado em qualquer idade. Ele serve para devolver qualidade de vida ao paciente, amenizando os problemas causados pela perda auditiva.
“O segundo ponto seria a adaptação. Quando a adaptação não é muito boa, o aparelho se torna desconfortável no início. Se nos primeiros meses o equipamento não está tão bem ajustado, a pessoa já pensa que não presta e abandona o uso”, acrescenta a dra. Michelle Oliveira, médica otorrinolaringologista pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Mas por que a adaptação é tão difícil? A especialista explica que, infelizmente, fora do sistema público de saúde, os aparelhos auditivos têm um custo elevado. Isso faz com que os pacientes recorram a alternativas mais baratas, que nem sempre têm boa qualidade.
“Geralmente, é aquele aparelho maior, que fica desconfortável no ouvido. Aí o paciente diz: ‘eu coloquei, mas não prestou, então não estou usando mais’”, relata a dra. Michelle
Pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, é possível conseguir o equipamento gratuitamente. O paciente deve ir a uma Unidade Básica de Saúde e realizar os exames e encaminhamentos orientados pelo médico. Confirmada a necessidade do aparelho auditivo, ele entrará em uma fila de espera pelo seu recebimento, a qual poderá acompanhar online. Atualmente, existem 241 serviços habilitados em reabilitação auditiva espalhados pelo país, como os Centros Especializados em Reabilitação e os Centros de Reabilitação Auditiva na Média e Alta Complexidade.
Quanto tempo precisa para se adaptar com o aparelho auditivo?
Nesse contexto, torna-se fundamental a ajuda dos familiares e cuidadores. A escolha de um bom aparelho aliada ao apoio durante o período de adaptação faz toda a diferença na adesão ao tratamento.
Quando o problema é zumbido no ouvido, por exemplo, é preciso que o paciente teste o equipamento por um período de quatro a seis meses. Já quando se trata de perda auditiva, o ideal é usar de dois a três meses para saber se a adaptação deu certo.
Na prática, seria muito complicado usar o aparelho por todo esse tempo e depois comprar outro, se fosse o caso. Por isso, diversas empresas oferecem um período de teste de cinco dias, em que o paciente leva gratuitamente o aparelho para casa e o configura de acordo com a sua rotina de exposição ao som.
“Nesses cinco dias, já dá para você ter uma ideia se aquele aparelho está desconfortável ou não e já dá para entender se você está compreendendo melhor os sons. É uma adaptação inicial”, explica a otorrinolaringologista.
A indicação é que as famílias, junto do idoso, procurem equipamentos de empresas de confiança, que já estejam consolidadas no mercado e permitam esse tipo de teste antes da compra. A escolha também é importante, porque os aparelhos exigem manutenção, ou seja, novas configurações de acordo com o avanço da perda auditiva daquela pessoa.
Pelo SUS, no entanto, não há a possibilidade de troca. O aparelho é padronizado e o teste é feito antes de levar para casa, fatores que podem dificultar a adaptação.
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Tem a possibilidade de voltar a ouvir bem com uso do aparelho auditivo?
“‘Eu vou parar de perder a audição depois que eu colocar o aparelho?’. Essa é uma pergunta que eu ouço muito. Não, o aparelho auditivo vai suprir a falta auditiva que você já tem, mas você vai perdendo a audição à medida que a sua genética está programada para perder com o envelhecimento. Então, o aparelho vai ser reajustado quando a perda for piorando”, esclarece a dra. Michelle.
No entanto, quando uma pessoa idosa não ouve bem e não trata esse problema, ela precisa pedir várias vezes para que os outros repitam o que disseram ou simplesmente fingir que ouviu. Com o tempo, isso leva ao isolamento e um risco maior de depressão e de demências, já que a audição é um dos principais estímulos para o cérebro.
Os familiares e cuidadores, por sua vez, devem explicar isso com paciência e acolhimento para o paciente, até que ele se identifique e entenda as consequências de recusar o aparelho auditivo.
“O aparelho auditivo não interfere na evolução da perda, mas melhora a qualidade de vida. Quando a gente está nessa idade, o que mais você vai pensar além de qualidade de vida? E isso inclui manter o convívio social, manter a memória ativa e se manter o mais ativo possível, para conseguir fazer tudo o que lhe dá prazer nos anos que faltam”, destaca a especialista.
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