Por que é tão difícil uma vacina contra o câncer?

Já existem vacinas, como a do HPV, que ajudam a prevenir tumores de colo de útero e outras que estão em estudo.

Médico com luvas segurando e mostrando frasco de vacina em uma mão e seringa na outra.

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Publicado em: 27 de abril de 2023

Revisado em: 27 de abril de 2023

Não há uma vacina única para todos os tipos de câncer. Mas já existem vacinas, como a contra o HPV, que ajudam a prevenir tumores de colo de útero e outras que estão em estudo. 

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as vacinas salvam cerca de 3 milhões de vidas por ano. Estamos falando de doenças como sarampo, febre amarela, pneumonia, poliomielite, hepatites, entre tantas outras. 

Se já existem tantas vacinas disponíveis e tecnologia para desenvolvê-las, muitos se questionam: por que nunca produziram uma vacina contra o câncer? Na verdade, algumas já existem e, outras, estão em estudo. Mas é preciso entender algumas diferenças. 

 

Colo de útero 

Alguns tipos de cânceres são causados por vírus, como é o caso do HPV. Dois subtipos do HPV, 16 e 18, estão envolvidos em quase 100% dos casos de câncer de colo de útero. Além disso, o vírus também pode causar outros tipos de câncer, como o anal, de vulva, de vagina, de pênis e de orofaringe.

Esse tipo de câncer começa quando a mulher contrai alguns tipos de HPV que podem fazer com que as células normais do revestimento do colo do útero se tornem anormais ou gerar lesões pré-cancerosas. Essas lesões são geralmente detectadas no exame de papanicolau e, se não forem tratadas, podem se tornar malignas. 

A boa notícia é que nós temos vacina disponível no SUS, para meninas e mulheres de 9 a 26 anos de idade e meninos de 9 a 14 anos. A imunização deve acontecer, preferencialmente, entre 9 e 14 anos, quando é mais eficaz. 

Veja também: Por que vacinar seus filhos contra o HPV?

 

Não existe vacina única

As vacinas contra o câncer são diferentes das que previnem infecções por vírus. Para algumas doenças infecciosas, como o HPV que citamos acima e a hepatite B, que pode causar câncer de fígado, o agente infeccioso é bem definido, por isso foi possível criar uma vacina eficaz. Mas isso não é regra. Para outras doenças infecciosas, como a aids, ainda não há um imunizante específico, e a própria vacina contra a covid, que é efetiva para prevenir quadros graves da doença, não oferece 100% de proteção contra a infecção pelo vírus.   

O câncer é ainda mais complexo porque é uma doença multifatorial, ou seja, causada por diversos fatores, que vão de hábitos de vida a genética. Além disso, as células cancerosas têm capacidade de sofrer mutações, o que torna ainda mais difícil desenvolver uma vacina efetiva, que previna o paciente para o resto da vida. 

Embora o desenvolvimento de uma vacina única ainda soe como ficção e esteja distante da realidade, já existe o projeto de “vacinas” capazes de fazer com que o sistema imunológico ataque as células cancerosas do corpo. Então, em vez de atuarem na prevenção, elas levam o sistema imunológico a atacar uma doença que já existe. 

É mais ou menos o que já acontece na imunoterapia, como explica o oncologista clínico Fábio Schutz, da Beneficiência Portuguesa de São Paulo (BP): “A imunoterapia auxilia o próprio sistema imunológico do paciente a identificar e combater o câncer. Já temos indicação para tumores de rim, pulmão, bexiga, melanoma. Até pacientes com doença metastática estão tendo resultados animadores”. 

 

O que está sendo desenvolvido? 

As vacinas oncológicas ainda estão em fase de testes. Um estudo recente publicado no início de janeiro pela revista ”Science Translational Medicine” mostrou dados promissores no tratamento e prevenção do glioblastoma – um tipo agressivo de câncer cerebral, com altas taxas de letalidade. O princípio da vacina contra o câncer é o mesmo dos imunizantes conhecidos: utiliza-se um fragmento do tumor para que o sistema imunológico do paciente desenvolva uma resposta de defesa que ficará armazenada na memória das células. Assim, caso o mesmo tumor surja, o corpo estará pronto para combatê-lo. 

Embora os estudos tenham sido realizados até o momento apenas em camundongos, os pesquisadores já olham com otimismo para os resultados iniciais, pois essa é a primeira medicação produzida em laboratório a partir de células tumorais vivas. 

Vale lembrar ainda que apesar do termo “vacina”, esse tipo de terapia só pode ser adotado no momento em que a doença é identificada. Com ele, o sistema imunológico é fortalecido e consegue reconhecer e contra-atacar melhor o câncer, além de evitar o surgimento e a replicação de novas células malignas ao longo do processo. 

Há estudos mais avançados com outros tipos de vacina para o tratamento de tumores de mama, pulmão e pele (melanoma), mas essas, diferentemente da desenvolvida para combater o glioblastoma, utilizam apenas células tumorais inativas. 

Aqui no Brasil já há pesquisas avançadas na área de imunologia e câncer. O dr. José Alexandre Barbuto, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), em parceria com o neurocirurgião do Hospital do Coração (HCor) prof. dr. Guilherme Lepski, desenvolveu uma “vacina” que utiliza células dendríticas in vitro (células que são capazes de identificar tumores invasores) com o propósito de “ensinar” o  organismo a ativar uma resposta mais eficaz do sistema de defesa no combate ao tumor. A pesquisa já está na fase 2, com 37 pacientes, e tem se mostrado muito promissora: os resultados preliminares mostram uma sobrevida global (refere-se ao tempo que vai desde o início tratamento até a morte do paciente por qualquer causa) de 75%. A pesquisa foi publicada no periódico “Cancers”. 

“É uma forma de tratamento experimental ainda. Basicamente, a gente ensina essa célula a identificar o ‘bandido’, no caso o tumor, e isso induz o sistema imunológico a ser mais combativo. Isso vai ajudar a diminuir a progressão da enfermidade e quem sabe curá-la”, explica o dr. Barbuto. 

É importante destacar que essa “vacina”, ainda em caráter experimental, não é aplicada no cérebro do paciente, mas no braço, de duas a quatro vezes, no consultório.

 

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