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Excesso de estímulos sobrecarrega o cérebro e prejudica a memória

Neurologista explica que informações em excesso podem levar ao esquecimento por falta de atenção.
Publicado em 22/04/2021
Revisado em 30/04/2021

Neurologista explica que informações em excesso podem levar ao esquecimento por falta de atenção.

 

Muitas pessoas hoje em dia, mesmo as mais jovens, relatam problemas de esquecimento. Acreditam que a memória esteja fraca, ruim. É fato que, devido à tecnologia e outros recursos que temos atualmente, já não precisamos nos esforçar como antes para lembrar certas coisas. Não é mais necessário.

Era comum memorizarmos um número de telefone ou o trajeto para chegar a um determinado lugar, por exemplo. Já parou para pensar (ou lembrar) como era nossa vida antes do GPS, dos smartphones, das assistentes virtuais? Hoje, com alguns toques, ou mesmo com frases curtas, temos acesso a uma série de recursos na palma da mão. 

Mas se por um lado não precisamos mais lembrar de tantas coisas, por outro um turbilhão de informações e estímulos é “jogado” dentro da nossa cabeça todos os dias, às vezes ao mesmo tempo. E isso também pode ser prejudicial à memória.

No novo episódio do podcast Drauziocast, o dr. Drauzio Varella e o neurologista Leandro Teles, membro da Academia Brasileira de Neurologia, conversaram sobre o assunto. 

 

Como o cérebro memoriza as coisas

 

A memória é uma das partes mais complexas do cérebro humano. É ela que cria a noção de passado, presente e futuro. “Eu sempre falo que a memória não é uma função, mas uma sequência de funções. Você precisa de uma boa vivência (essa vivência tem que ser profunda, complexa, com tempo); você tem que ter uma boa atenção; você tem que ter uma capacidade de perceber aquele estímulo e de atribuir um grau de relevância; e você precisa depois consolidar essa informação para que ela possa ser carregada por anos ou até por décadas, por uma vida inteira”, explica o neurologista. 

Geralmente, o cérebro prioriza “guardar” coisas que destoam do normal, acontecimentos intensos e que tenham vínculo emocional (seja a emoção boa ou ruim). Mas ele também guarda por um curto prazo memórias aparentemente irrelevantes, como se estivesse dando uma chance para que elas o convençam de que são importantes o suficiente para serem guardadas. Por exemplo, a gente consegue se lembrar do que comeu no café da manhã e no jantar do dia anterior, mesmo que essa informação não tenha importância. 

Veja também: Memória e esquecimento | Entrevista

O difícil é que vem tudo hoje com uma roupagem de urgência. É muito difícil você avisar o cérebro se aquilo é ou não importante, uma vez que tudo vem com ‘roupa’ de coisa importante atualmente”, aponta o dr. Teles.

 

Esquecer é tão importante quanto lembrar

Entenda: memorizar bem não significa memorizar tudo. Qualidade é mais importante que quantidade. Segundo o neurologista, o cérebro precisa “editar” as memórias: lembrar o que é importante e esquecer ou, pelo menos, “tirar” da frente da consciência questões irrelevantes. Ele precisa esquecer mais do que lembrar. 

“Por isso que o sistema tem que ser tão fino, tão afinado, e por isso que ele está suscetível a bugs e a imperfeições. E as pessoas hoje em dia toleram pouco essa imperfeição. Hoje em dia você cobra rendimento de robô. Você não pode esquecer nada. A gente tem uma sociedade que não tolera o erro, ela é hipercrítica, e isso acaba levando a uma multidão de pessoas que acham que padecem de falta de memória, mas simplesmente têm um cérebro normal colocado num mundo um pouco anormal, um pouco inquieto demais e que cobra demais”, afirma. 

E ao contrário do que se pode pensar, informações em excesso não ajudam no rendimento intelectual. Existe uma terceirização cognitiva que não nos torna mais inteligentes, mas talvez mais dependentes. O médico explica que as crianças, por exemplo, estão mais precoces. 

“Como elas são espertas, elas aprendem a delegar para os aparelhos e elas aprendem a delegar muito antes de aprender a realizar. Elas aprendem a digitar, às vezes, antes de escrever; aprendem a calcular com a calculadora antes de dominar os números. Então, isso gera uma intolerância ao ócio, em que você fica perdido quando a bateria acaba, você fica perdido quando a luz acaba, e você percebe que o seu cérebro, na verdade, está limitado e não ampliado pela terceirização intelectual.” 

 

Excesso de estímulos e informações

O neurologista afirma que o excesso de estímulos é a maior explicação para queixas de esquecimento entre pessoas jovens, pois só conseguimos lidar com um número finito de atividades. “Se eu levar mais atividades para esse funil, eu vou perder rendimento. O cérebro que está com quatro, cinco coisas, é como se ele tivesse girando vários pratos (naquela analogia do malabaristas que giravam pratos). Quanto mais pratos, quanto maior a distância entre eles, haverá de uma hora um prato cair, e esse é o esquecimento. É aquele esquecimento por desatenção”, explica.

Veja também: Como funciona a memória | Entrevista

Se você oferecer estresse e muitos estímulos para o cérebro, ele fica mais acelerado e perde a capacidade de separar o joio do trigo (memórias relevantes e memórias não relevantes). A concentração e a atenção têm limite. Não há como se concentrar em várias coisas de uma vez. O psicólogo britânico David Lewis criou o termo “síndrome da fadiga informativa”, que se encaixa muito bem aqui. 

“O cérebro é limitado e ele gasta muita energia. Não é uma energia espiritual, é uma energia orgânica. O cérebro é uma usina, ele pesa 2% do nosso peso, mas consome um quinto do sangue, um quinto do oxigênio, um quinto da glicose, e ele gasta isso cuidando do corpo, cuidando dos pensamentos. Se você sobrecarregar o sistema de triagem, se você tiver com múltiplos afazeres, você vai desorganizar outras funções: sono, grau de irritabilidade, risco de burnout, risco de piora da ansiedade. O cérebro vai tentar dar conta porque ele tem uma reserva, só que a gente trabalha hoje em dia com essa reserva. A gente já roda no cheque especial, porque a gente está empanturrado de informação”, explica.

É preciso pontuar que informação é importante, mas é necessário um equilíbrio. “Tirar o cérebro da zona de conforto é importante. Mas existe um limite. E a partir desse limite, ocorre um desgaste”. 

 

O que fazer para melhorar a memória

A primeira dica para melhorar a memória é, ao mesmo tempo, simples e complexa: viva! “A primeira coisa é investir na vivência. Viva bem que você lembra bem. A memória é uma versão da vivência”, afirma.

O que isso significa? Tente aproveitar os momentos de maneira mais lenta, sem dividir sua atenção com outras coisas. Na hora do jantar, fique longe do celular. Na hora de trabalhar, desligue a televisão. Durante uma conversa, dedique sua atenção à conversa. “Ofereça o seu cérebro todo para aquelas atividades que você quer recordar. Ofereça tempo”, recomenda ele. Se acha que algo é importante de ser lembrado, “avise” o seu cérebro. Interaja, revisite a informação no mesmo dia e nos dias seguintes. 

Veja também: Contaminantes ambientais pioram memória e tolerância ao estresse

A atividade que mais fortalece a memória, segundo o médico, é a leitura. Então, é um hábito que vale a pena ser cultivado e ajuda a prevenir quadros de comprometimento cognitivo. Também é importante estar com o cérebro descansado, dormir bem. Quando dormimos bem, ganhamos em concentração e rendimento e organizamos as memórias do dia anterior. 

Outras ações práticas que são benéficas para a memória incluem evitar o abuso de álcool e medicamentos sem indicação médica, controlar o peso, praticar atividade física, ter uma vida social ativa e controlar doenças como hipertensão e diabetes. “A gente sabe que a idade progride e a genética a gente não muda. Então, a gente tem que trabalhar com essas variáveis que são modificáveis e tentar navegar com a melhor memória possível nessa nossa vida”, finaliza. 

 

Ouça a entrevista completa com o neurologista Leandro Teles no Drauziocast #152.

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