Espasmos e rigidez muscular após AVC

Espasmos e rigidez muscular após AVC estão presentes em cerca de 60% dos casos. Dor e dificuldade de movimentação são os principais sintomas. Saiba mais.

Mulher erguendo braço de uma paciente em sessão de fisioterapia.

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Paralisias são sequelas conhecidas, mas poucos ouvem falar dos espasmos e rigidez muscular após AVC. A reabilitação é um processo longo e sem previsão de término.

 

Nosso cérebro é formado por dois hemisférios conectados por um largo cabo neural. Cada hemisfério controla o lado oposto do corpo. Por exemplo, o hemisfério direito controla o lado esquerdo, recebe dados do campo de visão esquerdo e é responsável por movimentar os braços e pernas nessa metade do corpo. Portanto, quem sofre um acidente vascular cerebral (AVC, também conhecido como derrame) no lado direito do cérebro pode sofrer sequelas no lado oposto do corpo. O hemisfério direito foi a porção atingida pelo AVC que meu meu pai sofreu em 2014.  

O AVC é uma das doenças mais incapacitantes e a principal causa de morte da população adulta no País. Quando o cérebro deixa de receber sangue e oxigênio, seja por conta de uma obstrução ou rompimento de artéria, os danos podem ser irreversíveis e comprometer funções diversas, como fala, visão e movimentação de membros superiores e inferiores.

Meu pai sofreu um AVC isquêmico (tipo em que a falta de oxigênio se dá por obstrução de uma artéria) aos 55 anos de idade, enquanto ia para o trabalho. A perda dos movimentos começou com um formigamento forte no braço esquerdo que evoluiu em questão de horas para paralisação total dos membros inferiores e superiores. Foi como se houvesse um curto circuito na comunicação entre o corpo e o cérebro e a transmissão dos comandos ficasse totalmente comprometida.

Ele teve dois derrames seguidos num intervalo de tempo relativamente curto, por isso não foi possível obter progresso com a reabilitação. Mas uma coisa me chamava bastante atenção: a rigidez do braço esquerdo, que ficava totalmente contraído, dificultando a execução de tarefas antes consideradas banais, como pegar um copo ou escovar os dentes. Essa rigidez é conhecida como espasticidade e atinge até 60% dos pacientes logo após um derrame.

 

Veja também: 5 coisas que você precisa saber para agir em caso de AVC

 

Durante o XXVI Congresso Brasileiro de Medicina Física e Reabilitação, que ocorreu em agosto de 2018 na cidade de Salvador, a dra. Andrea Thomaz Viana, fisiatra e gerente médica da Ipsen, explicou que quando há uma lesão no sistema nervoso central, o estímulo de contração e relaxamento dos músculos pode ficar comprometido, ou simplesmente se perder. Por exemplo: para segurar uma bolsa eu preciso que meu braço fique contraído, mas por um período estipulado. No caso da espasticidade, os músculos ficam hipercontraídos o tempo inteiro. “Com isso, o músculo vai encurtando, encurtando, porque não há movimento. O indivíduo até tem força, mas o cérebro não deixa aquele músculo relaxar para executar determinada função.” Além da contração involuntária, os pacientes sentem bastante dor e há episódios, inclusive, em que o indivíduo fica com a mão fechada tão fortemente (em forma de garra) que as unhas acabam machucando a palma da mão. Nesses casos, só a fisioterapia não vai resolver, porque é necessário que o músculo fique mais relaxado para só então trabalhar a volta dos movimentos.

Um agente mais conhecido por suas aplicações estéticas pode ser útil nesses casos. A toxina botulínica A, muito usada para tratar rugas, pode ser uma ferramenta importante para doenças como esclerose múltipla, enxaqueca e paralisia cerebral. Aprovada pela Anvisa para o tratamento de espasticidade desde 1992, o medicamento é injetado diretamente no músculo afetado. O processo acaba bloqueando a contração anormal do músculo e provoca relaxamento. A resposta do medicamento não é instantânea; o efeito começa a surgir depois de 72 horas, aproximadamente. Em 15 dias, há respostas mais perceptíveis e em um mês acontece o auge da melhora, que pode perdurar por de três a seis meses, dependendo de cada paciente. A boa notícia é que o tratamento está disponível no SUS.

“Para o músculo contrair, há um neurotransmissor que precisa sair do neurônio, chegar no músculo e dizer ‘contraia’. A toxina vai agir para que esse neurotransmissor não seja liberado. Quando não há liberação, não há contração. Logo, é possível entrar com a fisioterapia, colocar melhor a órtese etc.”, ressalta Viana.

 

Reabilitação após AVC

 

Atualmente, as diretrizes de tratamento do AVC reforçam que o médico fisiatra (responsável pela parte de reabilitação) atue desde o momento do chamado “ictus”, o início do quadro agudo. Ou seja, o médico responsável tem até 72 horas para pedir uma avaliação completa para o fisiatra, que consegue fazer um prognóstico da gravidade das sequelas e já estipular um projeto de reabilitação.

A dra. Linamara Rizzo Battistella, coordenadora do Programa de Residência em Medicina Física e Reabilitação da FMUSP, explica que quando o tratamento para espasticidade é iniciado precocemente, o paciente não desaprende – do ponto de vista cerebral – a dinâmica e a qualidade do movimento. Além disso, a reabilitação precoce reduz o tempo de internação, afetando diretamente nos custos, que podem chegar a R$ 40 mil quando o paciente fica internado de sete a oito dias.

O difícil é bom, porque queremos dificuldades. Em um primeiro momento, ele não consegue alcançar a parede com a mão. Com treino e alongamento ele vai conseguir.

A rapidez para iniciar a reabilitação é essencial em muitas outras frentes. “Outro exemplo: se ele tem excesso de baba, você tem mecanismos medicamentosos para bloquear isso já na UTI e garantir que ele mantenha a deglutição. E isso é possível tanto na medicina pública quanto na privada. Não é necessário esperar a alta para só então se pensar em estratégias de tratamento.”

Por incrível que pareça, no Brasil, o SUS tem mais estrutura para tratar o paciente em reabilitação do que a saúde suplementar. Isso porque no sistema público ele é atendido por uma equipe multidisciplinar (fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, psicólogo etc.) desde a internação e é encaminhado diretamente para um centro de reabilitação, onde executa atividades de maneira integral (no Brasil há 102 centros do gênero, como a rede de reabilitação Lucy Montoro, a AACD, a rede Sarah, entre outros). “Quando há vagas, ele já é encaminhado rapidamente, ao contrário do que ocorre na rede particular, em que o atendimento é totalmente desintegrado”, esclarece o dr. Marcelo Riberto, médico especializado em Medicina Física e Reabilitação e presidente do Congresso.

A reabilitação é um processo longo, sem previsão de término. A evolução varia de acordo com a gravidade da lesão e de quanto o cérebro foi estimulado e cuidado antes do acidente.

 

Efeito platô

 

É sabido dentro do processo de reabilitação que depois de aproximadamente seis a nove meses, os pacientes chegam ao chamado efeito platô, ou seja, não melhoram, mas também não pioram. A evolução, nesse ponto, torna-se cada dia mais lenta.

Durante o Congresso, o dr. Nicolas Bayle, médico especialista em Medicina Física e Reabilitação no Hospital Henri Mondor (Créteil, França), falou sobre um aplicativo de autorreabilitação guiada chamado i-GSC (Guided Relf Rehabilitation Ccontract), criado pelo médico francês Jean-Michel, que está ajudando pacientes a terem mais autonomia e se dedicarem mais ativamente ao processo de reabilitação.

O dispositivo, que chegou ao Brasil recentemente e já está sendo utilizado por médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo, propõe técnicas e exercícios de alongamento passivo e treinos ativos, que podem ser feitos em casa e sem a necessidade de um equipamento mais sofisticado. Há inclusive vídeos que mostram como os movimentos devem ser executados.

“O difícil é bom, porque queremos dificuldades. Em um primeiro momento, ele não consegue alcançar a parede com a mão. Com treino e alongamento ele vai conseguir. Os exercícios são prescritos por um médico e devem ser feitos de uma a duas horas por dia. A ideia é tirar o paciente da sua zona de conforto, pois ele acaba sendo estimulado só quando o fisioterapeuta está por perto. Porque o que vai melhorar a plasticidade cerebral? Torná-lo mais ativo”, explica Bayle.

O dr. Tae Mo Chung, médico fisiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), foi um dos primeiros a utilizar esse método por aqui. Segundo o médico, o principal ganho funcional observado após o uso do aplicativo é a qualidade da caminhada. “O maior ganho que observamos foi a amplitude do movimento articular do segmento que estava inativo após o AVC. Também observamos a melhora em termos de dor desencadeada por imobilismo [caso de quem fica muito tempo deitado] e facilidade para marchar”, comenta o médico. Segundo ele, o aplicativo pode ser utilizado principalmente nos pacientes que tiveram um quadro de AVC e que apresentam paresia espástica, ou seja, disfunção dos movimentos de um ou mais membros. “Tem que engajar o paciente, não tem jeito. Se não fizer exercício, não evolui.”

O aplicativo é gratuito, está disponível para a classe médica e pacientes e é compatível com os sistemas iOS (Apple) e Android (Google) e também para computadores pessoais (Windows).

 

A jornalista viajou a convite da Ipsen.

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